Volume 1
Capítulo 23: Despedida
Enquanto a briga entre Yaxun e Quetzal acontecia, Luna ainda corria pelos corredores chorando quando se esbarrou em alguém.
— Me de-desculpe. — Nem olhou no rosta daquela pessoa e logo voltou a correr.
Contudo, antes que pudesse se afastar, sentiu seu braço ser agarrado suavemente.
— Ei, qual o problema?
— Na-nada! — Com os olhos fechados, sentindo-se envergonhada em ter de encarar um estranho nos olhos, tentou se soltar.
— Luna, sou eu, Sariel!
Ao ouvir isso, a princesa abriu os olhos e percebeu o viajante, que a olhava com preocupação.
Antes que percebesse, a próxima coisa que fez foi se jogar em seus braços e chorar.
— O que aconteceu? Por que está chorando? — Sariel a abraçou, dando-a tempo para se acalmar.
— Nã-não foi nada... — choramingou, recuperando um pouco a calma.
— Quem fez isso com seu rosto? Foi Yaxun?
Quando ouviu isso, Luna afundou seu rosto ainda mais no peito do viajante e não respondeu.
— Então foi ele... Vamos para meu quarto para vermos isso, parece que foi bem forte.
— Ta-ta bom...
Ambos caminharam juntos, enquanto Luna não soltou Sariel por nem mesmo um segundo. Ela o acompanhava pelo lado direito e usava o corpo dele para esconder a marca em seu rosto, por isso, o viajante tinha de guiá-la para que não trombasse novamente.
Durante o caminho, ela se acalmou o suficiente para cessar suas lágrimas, quando enfim percebeu a dor no lado esquerdo do seu rosto, que queimava como se estivesse em chamas, além de arder com o mais suave toque.
Assim que chegaram ao quarto, a princesa se sentou e o viajante logo a examinou.
Além da vermelhidão, a bochecha dela estava tão inchada que lembrava um esquilo carregando várias nozes na boca.
Quando viu aquilo, Sariel tocou com cuidado a região, o que imediatamente arrancou um gemido de dor dela.
— Ai!
— Perdão. — Afastou devagar a mão do rosto dela. — Foi um golpe pesado, se sente tonta ou com dor de cabeça?
— Não... apenas o rosto mesmo...
— Desmaiou ou caiu quando recebeu o golpe?
— Não...
— Sério? — surpreendeu-se. — Uma pessoa normal teria colapsado instantaneamente.
— Não sou uma pessoa normal, lembra? Sou uma assassina, um monstro...
A princesa tentava conter suas lágrimas de escaparem novamente, mas a dor que sentia — tanto física quanto emocional — tornava isso uma tarefa difícil.
— Do que está falando? Se fosse mesmo um monstro como tanto falam, teria dilacerado Yaxun. — Sariel riu suavemente. — E não teria fugido chorando como qualquer garota comum faria.
— Mas...
— Além disso, se eu estivesse presente, Yaxun não teria saído impune disso. No mínimo um soco teria recebido...
— O quê? Mas ele é o rei!
— E daí? Nada justifica um rei agredir um visitante de seu reino.
— Mas você também estaria errado em usar a violência!
— Então isso prova que sou um monstro muito maior que você. — Sariel esboçou um sorriso gentil e acolhedor.
Luna pensou em retrucar e dizer que aquilo era exagero, porém, aquele comentário a fez se acalmar e, até mesmo, esboçar um pequeno sorriso.
Jamais recebera uma gentileza tão grande por parte de alguém que não conhecia, portanto aquilo aquecia seu coração frio e entristecido.
— Bem, deixe-me curar isso logo.
Com isso, Sariel envolveu a mão esquerda em uma luz dourada e suave. Esse brilho lembrava bem o escudo que havia na arena.
A diferença, entretanto, era que a barreira da arena era sólida e resistente como uma parede, mesmo que fosse feito da mesma luz dourada.
Já a luz do viajante, parecia como um tecido de seda, suave e macio, apesar de oscilar como se estivesse líquido.
Ele aproximou a mão e tocou o rosto de Luna.
Assim que tocou sua pele, a princesa foi pega de surpresa por uma sensação estranha. Aquela luz dourada era confortavelmente fria e quente ao mesmo tempo, e não parecia sólida, líquida e nem gasosa, mas uma mistura dos três.
A dor sumiu instantaneamente o inchaço reduziu para o nada e a vermelhidão desapareceu junto com ele.
— Pronto, está feito.
Luna tocou a região e não sentiu nenhuma dor. Surpresa com a eficácia daquela magia, se olhou em um espelho que estava perto de onde se sentara e viu seu rosto completamente normal e sem nenhum sinal de agressão, nem mesmo um mínimo de vermelhidão ou inchaço.
— Uau... Não tem nada aqui... — Tocava a própria bochecha com curiosidade e surpresa.
— Hmm, na verdade há algo sim. — Sariel se aproximou.
— O quê?
— Uma mulher com a beleza de uma Deusa... — Tentou animá-la com um elogio sincero.
— Só está dizendo isso para me deixar feliz... — Porém, apesar de se sentir melhor, Luna ainda tinha uma visão muito baixa sobre si própria.
Percebendo que não conseguiria animá-la mais que aquilo, desistiu de fazer qualquer comentário.
— Bem, melhor dormirmos logo, pode ficar com a cama que eu durmo no chão.
— Isso não é necessário! Eu posso pedir por outro quarto. — Luna se levantou abruptamente.
— Tem certeza?
— Sim, graças a você estou melhor agora.
— Tudo bem então, tome cuidado.
Luna caminhou até a porta e a abriu.
— Sariel... Obrigada... — Com um pequeno sorriso, se despediu dele e fechou a porta.
Luna, ainda no mesmo corredor, bateu em uma porta ao lado do quarto de Sariel. Ao notar que não havia resposta, a abriu e entrou.
Era um quarto semelhante ao do viajante que, apesar de desocupado, estava bem cuidado e pronto para ser usado.
A princesa não demorou e se jogou na cama, precisando de alguns minutos para acalmar sua mente até adormecer.
Pela manhã, antes do sol nascer, foi acordada por Raymond. O grupo se alimentou e se arrumou rapidamente, visto que partiriam logo.
Assim que saíram do palácio, foram recebidos por guardas que traziam os cavalos do grupo, que foram bem cuidados durante toda a estadia deles.
O grupo se dirigiu para os portões ao norte do reino e encontraram Yaxun segurando as rédeas de um cavalo castanho, enquanto Quetzal estava ao seu lado, mas afastada vários passos e com uma expressão fechada no rosto.
Quando chegaram perto o bastante, o rei foi o primeiro a falar.
— Espero que tenham aproveitado bem sua estadia em meu reino. — Sua voz possuía uma animação forçada. — Peço perdão pelos imprevistos, jamais esperaria que a montanha explodiria.
— O que é isto? — Aegreon se referiu ao cavalo, porém mantinha um olhar irritado em Yaxun, o que mostrava que ainda estava insatisfeito com o desdobrar dos acontecimentos.
— Percebi que estão com um cavalo a menos, portanto gostaria de auxiliá-los com um dos melhores cavalos de meu reino! Seu nome é Chinhej.
Yaxun se aproximou com o animal e o ofereceu a Aegreon.
Chinhej tinha o pelo reluzente e seus músculos bem evidentes, demonstrando ser de fato um bom animal.
Apesar disso, ele se tornou agitado quando Yaxun o puxou para perto do Pilar, tentando se afastar.
— Consegue montá-lo? — Aegreon se virou para Luna.
— Creio que sim. — Luna evitava olhar para Yaxun e mantinha a cabeça baixa.
— Ah, é para ela?
— Sim, algum problema? — O Pilar fuzilou o rei com seu olhar.
— Ah... não, nenhum...
Chinhej se aproximou de Luna e abaixou a cabeça, pedindo por carinho. A princesa não hesitou e o agradou, despertando o comportamento dengoso dele.
Mesmo sem trocar uma palavra, ambos se conectaram imediatamente.
O rei se afastou em silêncio, dando espaço para sua filha se aproximar.
Quetzal se aproximou de Luna e disse desanimadamente: — Queria que ficasse mais tempo...
— Não se preocupe, quando tudo acabar eu voltarei para nos conhecermos mais! — Luna respondeu com um sorriso.
Quetzal a observou com um olhar carente por um tempo e, em seguida, a abraçou firmemente.
— Me desculpe por ontem!
A expressão de Yaxun se alterou levemente ao ver isso, porém permaneceu em silêncio.
— Está tudo bem, já estou melhor. Sariel me ajudou.
Ao ouvir isso, Quetzal lançou um olhar furtivo ao viajante.
— Entendo, estou torcendo por vocês! — Esboçou um grande sorriso.
— Como assim?
— Você vai entender um dia. — Quetzal, apesar de desejar falar mais, se afastou. — Até mais!
— Hm, até!
Em seguida, Luna montou Chinhej. Como não tinha nenhuma pratica com hipismo, ela pediu que ele apenas seguisse o resto do grupo, e o animal relinchou afirmativamente.
Com isso, o grupo passou pelos portões e finalmente deixaram o reino.
— Tchau! Tomem cuidado! — gritava Quetzal, cuja voz se tornava mais baixa à medida que se afastavam.
Sariel, Luna e Raymond acenavam de volta, vendo-os se tornaram cada vez menores à distância.
Quetzal retornou ao palácio em silêncio quando não podia mais ver os visitantes.
— Minha filha... — chamou Yaxun.
Entretanto ela o ignorou, apertou o passo e se dirigiu ao seu quarto.
Assim que chegou, se jogou na cama e observou o teto com uma expressão preocupada. Já havia passado um dia inteiro desde que Pagui desaparecera, e até agora ninguém o avistou.
Conforme o tempo passava, o sol aos poucos iluminou o aposento, o que a fez virar o rosto para a janela. Foi quando percebeu um vaso de barro apoiado nela, um objeto que não estava lá quando deixou o quarto para se despedir.
Curiosa, se levantou e se aproximou do vaso. Quando olhou dentro, viu que estava cheio de cinzas e com uma Pedra de Alteração no topo delas. Sem entender o que significava aquilo, pegou a pedra e a ativou.
No momento seguinte, sentiu inúmeras memórias que não a pertenciam se passarem em sua mente. Não bastou muito para perceber que eram de Sariel.
Assim como Yaxun, viu tudo que o viajante fizera desde a noite em que sumiu até os acontecimentos na montanha.
Ela via tudo com curiosidade, porém, não bastou que finalmente visse o momento que seu amigo — com quem basicamente crescera junto — fosse morto covardemente e sem conseguir se defender.
A partir daquele momento, lágrimas corriam como cachoeiras de seus olhos. Entretanto, mesmo que desejasse que as memórias acabassem logo para lamentar a morte dele, elas prosseguiam sem sinal de acabar.
Viu o momento em que o viajante parou a erupção. Ele estava em uma espécie de sala de um templo antigo dentro do vulcão, um local que ela não fazia ideia de sua existência.
As paredes possuíam artes que demonstravam ser de origem daquele reino, e havia algumas armas e itens de cerâmica.
Sariel estava coberto de cinzas e rodeado de cadáveres que vestiam um longo manto negro.
Carregava Pagui gentilmente consigo em um braço. Procurou por um vaso e pegou aquele que Quetzal encontrou em sua janela.
Então, aproveitando o significado histórico da montanha, cremou Pagui e guardou suas cinzas naquele vaso.
Cremar os mortos era a maneira de como o povo daquele reino se despedia de seus entes queridos, acreditando que o fogo era um presente sagrado de Kura e que, por ele, as almas encontravam o caminho ao paraíso.
Contudo as memórias continuaram, até o momento que Sariel e Yaxun conversaram em particular. Ela viu tudo, e até se sentiu satisfeita por ver seu pai sendo enganado, apesar de achar não ser uma punição o suficiente pelo que fez com Luna.
Então, as memórias finalmente cessaram.
Quetzal olhou para as cinzas, ainda com lágrimas nos olhos.
Estava confusa com toda a informação, mas seus sentimentos de pesar pelo seu amigo morto eram claros como a luz do sol em seu rosto.
Chorou e soluçou por muito tempo, abraçada o tempo todo ao vaso com os restos de seu amigo.
— Pagui... — Olhou o interior do vaso com sua visão turva pelas lágrimas, que caiam dentro e molhavam um pouco as cinzas.
Foi naquele momento que percebeu um pequeno brilho prata escapar por debaixo das cinzas.
Usando as mãos com cuidado para não espalhar as cinzas, retirou uma Pedra de Selagem, bem semelhante àquela que se quebrou nas mãos de seu pai.
Ela já sabia que aquilo estava ali, pois viu o momento que Sariel a guardou ali junto com as cinzas de Pagui, entretanto quase tinha esquecido, afinal, ver tantas memórias em tão pouco tempo tinha seus efeitos colaterais.
Quetzal olhou para a pedra e entendeu imediatamente por que o viajante a confiou para ela.
***
Uma semana depois do grupo ter deixado o reino, Yaxun estava nas ruínas que viu nas memórias de Sariel com um pequeno grupo de pessoas.
Quetzal também estava presente. Desde a partida do grupo ela não falou com ele, portanto, quando a ouviu lhe pedir que fosse junto para ver as ruínas, ele simplesmente aceitou com alegria.
Entretanto sua filha se mantinha distante dele.
As pessoas presentes ali eram todos generais do reino e usavam todas as suas forças para tentar quebrar a passagem secreta que levava ao Santuário onde o viajante encontrou ruínas dos Anjos.
Este era o quarto dia seguido que bombardeavam por horas seguidas com magias de Fogo a porta selada. Tudo era feito com cuidado — apesar da violência — para não causar um incêndio florestal.
Seria muito mais fácil abrir aquela porta com a Pedra da Selagem, mas Sariel havia enganado Yaxun e destruído ela.
Entretanto o rei não se deu por vencido e decidiu abrir aquela porta à força.
Nos primeiros momentos parecia que nenhum golpe a danificaria, contudo, após dias de constante trabalho conseguiram, criar uma enorme rachadura no chão.
— Vossa Majestade, está quase quebrando — informou um dos generais.
— Ótimo, darei o golpe final.
O rei se aproximou da construção, que já estava reduzida a cinzas, exceto pelo chão. Devido aos impactos, todas as construções de pedra ao redor ruíram também.
Envolvendo as mãos com uma intensa chama rubra, ele as ergueu acima da cabeça e socou o chão com toda a força.
Aquele golpe tinha o peso de uma montanha e, somado ao fogo, destruiu completamente o chão, fazendo uma coluna de fogo se erguer pelo céu e uma nuvem de poeira se alastrar pelo local.
Quando a poeira baixou, se viu de frente a uma escadaria que descia e sumia na escuridão.
— HÁ! Vejamos o que há aqui que quis tanto esconder de mim!
O rei e sua filha desceram juntos as escadas. Como estava escuro, criou uma pequena bola de fogo na mão e a usou para iluminar o caminho.
Após algum tempo, chegou no fim com um sorriso no rosto.
Estava feliz por ter vencido Sariel, mesmo ele tendo jogado sujo, portanto, iria ler cada página que encontrasse ali.
Contudo o lugar estava completamente limpo.
Não havia nenhuma folha, livro, ou até mesmo lixo ali.
— O quê? Como?
Sem acreditar no que via, esquadrinhou todo o local à procura de qualquer evidência, tudo em vão.
Não restava dúvidas, havia sido enganado novamente por Sariel.
— MERDA! — Socou a parede com força, que se mostrou ignorante à fúria dele.
Se perguntava como aquilo tinha acontecido. Nas memórias de Sariel, ele havia saído correndo dali e foi direto para a montanha, não havia tempo de limpar o local.
E mesmo que tivesse feito quando foram embora, como ele teria entrado sem ter a Pedra da Selagem para abrir a porta? Ela estava intacta quando chegaram, então ele não entrou ali de novo.
Todas as memórias pareciam legitimas, e o viajante nem teve tempo para forjar lembranças falsas.
A não ser que a maioria do que ele mostrou era verdade, com exceção daquele pequeno trecho. De fato, misturar uma pequena mentira no meio de várias verdades ajudaria para tornar a mentira bastante crível.
— Maldito...
Durante todo este tempo, Quetzal observava o pai em silêncio e com um olhar misterioso. Yaxun não percebeu, e muito tempo depois perceberia que sua falta de atenção seria um erro.
Meu pix para caso queiram me ajudar com uma doação de qualquer valor: 6126634e-9ca5-40e2-8905-95a407f2309a
Servidor do Discord: https://discord.gg/3pU6s4tfT6
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios