Volume 1
Capítulo 22: Resposta
— E isso é tudo... — Finalizou Raymond.
Todos, até mesmo Shiina — que normalmente faria algum comentário — ficaram em silêncio. Quetzal possuía uma expressão pensativa, enquanto Luna não sabia como reagir a tanta informação.
— O qu-quê... Mas... ela... eu...
Não sabia como se sentir. Deveria ficar triste pelo que aconteceu com Elise? Feliz por seu pai ter deixado de lado o ódio que sentia pelos anjos para cuidar dela? Indignada por algo tão importante ter sido escondido dela? Culpada por não saber que Sophia havia feito tanto por ela que nunca soube?
Todos estes sentimentos conflitantes turbilhoavam dentro de si, tornando impossível sentir uma coisa só e a organizar seus pensamentos.
Sem saber como agir, simplesmente se manteve em silêncio enquanto aos poucos se acalmava.
— Sinto muito por esconder isso de ti, Luna... — desculpou-se Raymond.
Contudo a princesa não respondeu.
Toc! Toc!
— Vossa Alteza, Sua Majestade a convoca em seus aposentos, assim como nossos visitantes — informou um empregado através da porta.
Quetzal suspirou e respondeu: — Não pode ser mais tarde? Estamos ocupados agora.
— Sua Majestade disse que é importante.
— Ah... — suspirou novamente. — Está bem, estamos indo...
— Talvez seja sobre Sariel — comentou Raymond. — Devemos ir logo.
Com isso, todos deixaram o quarto e se dirigiram aos aposentos do rei.
Ao chegarem, encontraram Yaxun os aguardando sentado, com um farto almoço em uma mesa.
Todos se sentaram, Shiina na mesma poltrona de antes, e Raymond e Luna juntos no sofá.
— Então vocês chegaram primeiro... — O rei possuía um tom irritado.
— E quanto a Sariel? — perguntou Luna.
— Logo atrás. — O viajante entrou na sala logo depois e se sentou em um local próximo ao rei. — Só falta Aegreon, viram ele em algum lugar?
— Ele subiu a montanha assim que vocês partiram. — Shiina cruzou suas pernas para ajustar sua postura.
— Bem, comam enquanto esperamos sua chegada.
Aceitando a sugestão, todos começaram a comer em silêncio.
Luna se mantinha com uma expressão distante e comia devagar, enquanto Raymond a olhava, perguntando-se se ela o culpava por ter escondido uma história tão importante.
Sariel permanecia tranquilo como sempre, contudo dessa vez não se aproximou de Luna e apenas permaneceu onde estava. E Shiina também agia descontraidamente.
Já Yaxun, estava visivelmente incomodado, de cara fechada e visivelmente encarando o viajante.
Após esperarem por cerca de meia hora, Aegreon finalmente apareceu. Assim que entrou na sala, encarou Sariel e se aproximou do grupo. Não se sentou e nem comeu.
— O que foi? — O Pilar encarou Yaxun.
— Reuni meus conselheiros e generais e decidimos sobre seu pedido...
— E...?
O rei permaneceu em silêncio por alguns segundos antes de dizer: — Infelizmente, decidimos recusá-lo.
— O quê!? Por qual motivo? — O Pilar parecia mais surpreso do que irritado.
Todos os presentes também se surpreenderam com essa notícia, pois tinham certeza de que era impossível isso acontecer, já que Aegreon era do Conselho.
Sariel também pareceu surpreso, ou melhor, fez uma expressão exageradamente surpresa, como se nem tentasse esconder seu fingimento.
— A e-erupção interferiu em todos os nossos planos atuais. Não sofremos muitos danos graças a Sariel... — O rei olhou para o viajante. — Mas teremos de restaurar as áreas afetadas.
— Isso não é motivo! — gritou Aegreon.
— Acalme-se, há mais para ser dito.
O Pilar esperou que ele continuasse.
— Foi uma erupção muito repentina, por isso monitoraremos a montanha pelos próximos meses. Se enviarmos nosso exército ao Éden e ela explodir novamente estaremos com problemas, por isso, teremos que cancelar nossa ida ao exercício anual.
Aegreon encarou o rei com frustação e até um pouco de raiva no olhar.
— Eu olhei a montanha. — Ele encarou o viajante. — Não acontecerá de novo.
— Ainda assim, não posso correr riscos — respondeu Yaxun em um tom inflexível.
Aegreon bufou e encarou o Sariel furioso. Estava claro aquilo era obra dele, seu olhar jocoso dizia isso.
Entretanto havia algo que o Pilar não entendia, Yaxun realmente dizia a verdade; tudo que ele disse sobre o vulcão os forçar a cancelarem sua ida no Éden não possuía nenhum indício de mentira.
— Se precisar de outra coisa, ainda posso ajudar — informou o Rei.
Aegreon o encarou, prestes a deixar a sala irritado, porém logo pensou em algo.
— Então precisarei discutir com você em particular.
— Certo, peço que vocês nos deixem.
— Tudo bem. — Sariel se levantou e caminhou para a porta.
Os outros o seguiram logo atrás.
— Se preparem para partir, continuamos nossa jornada amanhã de manhã — informou Aegreon antes que a porta se fechasse.
Então, todos deixaram o local, dando privacidade aos dois.
— Então, o que deseja?
— Foi ele quem te fez recusar ajuda, certo?
— Foi uma decisão nossa, ele não teve nada a ver com isso.
— Então ele também comprou seu silêncio... — Aegreon rangia os dentes.
O rei não respondeu e aguardou pela próxima fala do Pilar.
— Quero que me entregue uma Gema de Alteração e uma Gema de Ilusão.
— O quê? Só temos uma de cada no reino! — Yaxun se levantou com um pulo devido ao susto que tomou.
— Me entregue elas e considero sua dívida paga.
Yaxun se sentou novamente e apoiou sua cabeça com as mãos. Uma Gema de qualquer elemento — como Ilusão ou Alteração — são ainda mais poderosas que as pedras, pois, além de muito maiores, também eram feitos de um poder mágico ainda mais puro.
Por isso, as Gemas de Alteração e Ilusão que o reino possuía eram considerados tesouros nacionais e preciosos, e perdê-los não apenas desagradaria o povo, como também significava na perda de uma porção de seu arsenal militar.
O rei não queria entregá-las, no entanto não podia recusar novamente outro pedido...
— Está bem... vá até a tesouraria que fica no subterrâneo deste palácio e pode pegá-las. — Após muita consideração, decidiu ceder ao pedido do Pilar.
Sem responder e nem mesmo agradecer, Aegreon se virou e deixou a sala.
***
As duas princesas já estavam de volta no quarto e tentavam dormir.
Luna teria dormido com tranquilidade se não fosse pela ansiedade de Quetzal, que se revirava toda hora, como se estivesse extremamente desconfortável.
— Algum problema? — Luna se virou para ela.
— Não... — Um mero resmungo foi a resposta que recebeu.
— É por causa de Pagui?
Quetzal se sentou na cama e olhou para Luna com uma expressão preocupada.
Ao perceber os sentimentos dela, Luna se sentou e segurou as mãos dela.
— Não se preocupe, ele deve estar escondido em algum lugar. Tenho certeza de que ele está bem...
— E se ele estava na montanha durante a erupção?
— Os animais são inteligentes, conseguem sentir o perigo melhor que nós as vezes, ele deve ter pressentido o que ia acontecer e se afastou um pouco... ele vai voltar!
Aquelas palavras ajudaram Quetzal a se acalmar um pouco, porém ela ainda estava acanhada de que algo havia acontecido com ele.
BAM! BAM! BAM!
Ela estava prestes a se deitar novamente quando bateram fortemente à porta.
— Quetzal! Abra esta porta agora! — gritou Yaxun, do outro lado.
— O que foi? Estamos tentando dormir!
— Abra agora ou eu derrubo esta porta! — ordenou irritadiço.
— Tsc! O que diabos ele quer agora? — Se levantou, caminhou devagar até a porta e a abriu, encontrando seu pai com raiva estampada no rosto.
— O que foi?
— Por que esta aberração está aqui? — Apontou para Luna.
— Ela está dormindo comigo, algum problema? — Quetzal começou a se irritar com a falta de educação de seu pai.
— Claro que é! Como ousa permitir uma assassina de sua mãe no quarto dela?
— Não ordenou que eu ficasse com ela o tempo todo? Estou apenas fazendo o que pediu! — Usou as próprias palavras de Yaxun contra ele e o desafiou.
Ao ouvir isso, o rosto do rei se contorceu de um jeito que Quetzal nunca viu antes.
Percebendo que a situação estava se tornando tensa, Luna se levantou e se aproximou dos dois.
— Me desculpe! Se soubesse que seria um problema não teria ficado aqui... —Tentou acalmar os dois.
— Não o escute — Quetzal agarrou o braço dela e a puxou para si. — Ela vai ficar aqui! Queira você ou não!
Luna tentou se desvencilhar de Quetzal, temendo que aquilo apenas irritaria Yaxun ainda mais. Porém, antes que pudesse dizer algo ou até mesmo agir, o rei, com a palma da mão aberta, a atingiu no rosto com força e violência, deixando uma grande marca vermelha na pele branca e sensível dela.
O golpe foi tão forte que Luna se desequilibrou e quase caiu se não fosse por Quetzal a estar segurando no momento.
Quetzal, incrédula com o que aconteceu, soltou Luna inconscientemente, olhando para ambos como se ainda tivesse processado aquilo.
Já Luna, que nunca havia sido agredido em sua vida, deixou o aposento correndo e chorando. De alguma maneira, mesmo com os olhos embaçados pelas lágrimas, conseguiu se afastar sem colidir com nenhuma parede ou pessoa.
Após ela sumir, Quetzal, com uma fúria que nunca havia sentido antes, gritou: — POR QUE FEZ ISSO?
— Graças a ela sua mãe está morta!
— ELA NÃO TEM NADA A VER COM ISSO, ELA NASCEU DEPOIS DESSA MALDITA GUERRA!
Quetzal sempre desprezou esse ódio cego que as pessoas tinham por Luna. Ela compreendia o rancor que tinham pela raça em si, porém não via nenhum sentido em culpar alguém pelos pecados de seus antepassados sem ter tomado parte do conflito.
— Ela está te enganando assim como fizeram conosco séculos atrás! Não se deixe enganar pela atuação dela!
Em contrapartida, Yaxun apenas queria proteger sua filha de uma assassina, apesar de escolher a pior forma para fazer isso.
— O ÚNICO MONSTRO AQUI É VOCÊ! ME RECUSO A CHAMÁ-LO DE PAI! — Lágrimas de raiva começaram a escapar de seu rosto.
Perplexo pelo que acabara de ouvir, a fúria de Yaxun foi substituída por indignação.
— Como pode...
— Alguém gentil como minha mãe jamais se casaria com um ogro como você! Não é à toa que ela preferia ficar na casa dela, na floresta, do que aqui! Eu fugiria de você também se pudesse!
Neste momento, ela já dizia coisas sem pensar. Sua mãe sempre tinha um sorriso no rosto quando estava com seu pai, e em nenhum momento demonstrou estar infeliz com o casamento.
— Sua mãe tinha família lá! Já se esqueceu de quantas vezes eu visitava vocês?!
Yaxun estava se controlando para não fazer nada absurdo naquele momento. Já havia lutado com algumas pessoas por terem insultado seu casamento de maneira infimamente menor do que sua filha fazia agora.
— Se fosse um bom marido, ela estaria aqui no dia daquele ataque e ainda estaria viva hoje! Ela está morta por sua culpa! E não pelos Anjos!
Aquela foi a gota da água para Yaxun que, antes que percebesse, agiu da mesma maneira que fizera com Luna e desferiu um tapa em sua própria filha, com bem menos força do que fizera anteriormente.
O golpe a fez virar o rosto, e ela permaneceu na mesma posição por algum tempo.
Yaxun, assustado pelo que acabara de fazer, tentou se desculpar: — Me desculpe! Eu...
— Isso só prova que você é só um troglodita que resolve tudo na violência! — Sua voz tremia de raiva.
— Minha filha, eu...
— NÃO ME CHAME ASSIM, NÃO SOU SUA FILHA! — Quetzal bateu a porta com força.
Sua mãe nunca havia sequer erguido a voz contra ela, muito menos a agrediu, diferente de seu pai que, pelo menor motivo, gritava com ela. O povo da floresta era extremamente amigável e pacífico, e sua mãe era conhecida por ser a personificação destas duas coisas.
— Quetzal, não fiz por querer!
O rei, ainda arrependido do que fez, tentou conversar. Obviamente ele não havia feito por querer, mas ele sempre teve problemas em lidar com qualquer tipo de discussão, já que sua esposa era quem normalmente lidava com isso.
— CALA A BOCA E VAI EMBORA!
Hesitante, percebeu que nada do que falasse surtiria efeito, por isso ele retornou ao seu quarto de ombros caídos.
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