O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 21: Elise

Geoffrey estava em sua sala de estar, lendo um livro chamado simplesmente de “Coexistência”. Tratava-se sobre um livro — ou melhor, artigo científico — escrito por um anjo.

O assunto deste livro era como um guia de como duas raças diferentes sapientes poderiam coexistir, aparentemente se referindo aos humanos e anjos.

O rei lia tudo com desgosto estampado no rosto. Era impossível para ele entender ou concordar com o que estava escrito ali, afinal, era um livro sobre coexistência escrito por uma raça que tentou aniquilar a outra.

Toc! Toc!

— Querido! — disse uma voz feminina e suave através da porta do quarto. — Posso entrar?

— Claro! Entre, meu amor! — disse o rei enquanto fechava o livro e o colocava ao lado do criado mudo de sua cama, aliviado por poder interromper sua leitura.

Em seguida, a porta se abriu revelando sua esposa. Era uma mulher relativamente alta, de cabelos loiros — que já perdiam sua coloração devido à idade — e olhos de uma magnifica cor dourada, como ouro líquido. Apesar da idade, quase não possuía rugas, e tinha uma voz relaxante e acolhedora.

Elise percebeu Geoffrey descartando o livro e perguntou: — Ainda não terminaste este livro, querido?

— Ah, não... Não entendo como consegue ler isso, sinto-me enojado e irritado ler algo sobre “coexistência” de uma raça que exterminou nossas famílias — disse com puro desprezo estampado no rosto. — Não entendo como consegue se manter neutra a respeito “deles” tão rápido, não faz nem uma semana desde foram expulsos de nosso mundo!

Elise apenas sorriu ao ouvir as reclamações do marido e não disse mais nada.

— De qualquer maneira, precisa de algo, meu amor?

— Sim, o que acha de irmos ao Bosque Cantarolante para um piquenique agora? Faz tempo que não fazemos isso...

— Ah, claro! Pedirei que alguns guardas nos acompanhem.

— Não é necessário, sabe que aquele lugar e seguro.

— Bem... de fato é, mas segurança nunca é demais.

— Mesmo que encontremos alguém, não irão fazer nada conosco, sabe como o povo nos ama.

Geoffrey permaneceu em silêncio por alguns segundos, para enfim dizer: — Tudo bem então, vamos nos preparar!

Com isso, rei e rainha deixaram o palácio e se dirigiram ao Bosque Cantarolante. Este bosque era o lugar favorito dos dois, pois fora aonde ambos se conheceram quando eram apenas crianças, além de pássaros sempre cantarem uma doce melodia.

Também era o local onde Geoffrey pediu Elise em casamento, que a propósito, era por esse motivo que ela insistiu para que ambos fossem sozinhos, pois aquele dia era o aniversário de 30 anos do casamento deles — e o rei havia se esquecido disso.

Como sempre, os pássaros abençoavam os ouvidos do casal com uma bela música.

O bosque era muito bem cuidado, apesar de poucas pessoas frequentarem aquele lugar, já que ainda estavam acanhadas e temiam que encontrariam um anjo ali.

A luz do sol encontrava seu caminho por entre as folhas e as copas das árvores, iluminando o local o suficiente para tudo ser visível, mas não tanto ao ponto de incomodar os olhos. Apesar disso, o dia estava abafado, já que estavam no meio do verão.

Ambos caminharam por um tempo até que finalmente chegaram ao lugar preferido deles. Uma pequena clareira com um pequeno rio com águas limpas e cristalinas correndo perto, o exato local onde ambos se conheceram.

Os dois estenderam um pano branco e luxuoso no chão e começaram a colocar pães, frutas, geleia e vinho nele. Estavam prontos para comerem, entretanto, Elise tinha algo a mais planejado.

— Tenho uma surpresa para te fazer! — disse ela animada. — Pegue isto aqui, e quando ela brilhar venha me procurar! — ofereceu uma pequena pedra marrom a Geoffrey.

— Uma Pedra de Alteração? O que está planejando?

— Você vai ver! Apenas espere meu sinal.

Com isso, Elise se afastou do local com um doce sorriso no rosto e desapareceu na vegetação do bosque.

Os minutos se passaram lentamente, e o rei aguardou pacientemente enquanto observava com expectativa que a pedra brilhasse. Contudo, o tempo passou sem sinal de que ela acendesse, e os minutos logo se acumularam e transformaram-se em uma hora sem nenhuma notícia de sua esposa.

O rei ficou ansioso, imaginando que, qualquer que fosse a tal surpresa, deveria ser algo grande, porém continuou aguardando, pois não queria estragar o preparo de sua amada.

O tempo correu, e o rei finalmente decidiu que toda aquela demora não era normal e foi à procura de sua esposa.

Ele caminhou lentamente e despreocupado onde ela tinha ido, porém não encontrou, por isso continuou caminhando, imaginando que talvez a pedra era apenas para enganá-lo e que deveria procurá-la sozinho.

— Onde você está? — perguntou em uma voz cantada.

Após um bom tempo procurando sem sucesso, uma inquietação tomou conta de si.

Seus passos se aceleraram e começou a andar rapidamente.

Conforme procura, percebeu algo que o alarmou completamente: O bosque havia se silenciado.

Havia um motivo deste lugar se chamar o “Bosque Cantarolante”, pois os animais sempre cantariam a suíte da natureza, dia e noite. Aquele bosque era um lugar relativamente único, pois várias criaturas noturnas e pacíficas habitavam lá.

Contudo, neste momento, ela estava completamente silenciosa.

Geoffrey se apressou ainda mais, abandonando seu andar e adotando uma velocidade de corrida.

Após correr por vários minutos e não encontrar nada, sua preocupação evoluiu para desespero enquanto procurava por todo o lugar.

— Elise! Onde você está? — gritava o tempo todo.

Após quase uma hora, o rei ainda procurava quando avistou uma entrada de uma pequena caverna. Nunca tinha visto aquela caverna antes, o que chamou sua atenção, já que conhecia este lugar como ninguém.

Ao se aproximar da entrada, viu algo que gelou seu coração.

Sangue.

Uma pequena poça de vermelha tingia a terra e se estendia para dentro da caverna em uma fina linha rubra.

Hesitando, Geoffrey entrou na caverna conforme gritava o nome de sua amada.

— Elise? — Sua voz ecoou pelo longo corredor de pedra.

Mal podia enxergar devido a escuridão, porém, a trilha vermelha se tornava evidentemente mais grossa e volumosa conforme caminhava.

Após andar mais um pouco, avistou uma figura caída no fim da caverna, cercada de uma grande poça de sangue.

Poderia ser qualquer pessoa, mas Geoffrey temia o pior.

Com o coração apertado, se aproximou, e ao ver as roupas daquela pessoa ele soube instantaneamente que seu pior pesadelo havia se concretizado.

— Mas o quê!? — gritou enquanto corria ao lado de sua amada.

— ELISE! ACORDA, POR FAVOR! ELISE!

O rei virou o corpo de Elise, que estava com o rosto virado para o chão, e percebeu uma adaga perfurando seu peito, bem no coração. Os olhos estavam abertos e o dourado deles haviam perdido o brilho.

— Elise...

Não tardou muito para que as lágrimas fugissem de seus olhos. Elise era a única pessoa próxima dele que havia sobrevivido a guerra, tanto seus amigos quanto familiares haviam perecido para a raça maldita, e agora seu único refúgio do inferno que fora sua vida nos últimos anos fora destruído.

Geoffrey chorou durante o que pareceu uma eternidade. Não sabia se havia permanecido ali por apenas alguns minutos, horas ou dias.

Depois de algum tempo, uma singela gota caiu em sua cabeça, despertando-o de sua miséria. Foi assim que percebeu algo semelhante a um berço, alguns metros mais à frente de onde estava.

— O quê?

Aproximando-se, notou uma criança recém-nascida com alguns fios de cabelo prata. A princípio se sentiu confuso do porquê uma criança estaria abandonada ali, contudo, assim que ela abriu os olhos, uma ira profunda tomou conta dele.

Era inegável, aquilo era um anjo. Sua mente instantaneamente atribuiu a morte de sua amada àquela criança, por isso, ele não pensou duas vezes e se aproximou do corpo de Elise e pegou no cabo da adaga, pronto para usá-la para se vingar daquela aberração.

Entretanto, no momento que tocou o cabo da arma, seu ódio se dissipou em um instante. Ao olhar para o rosto de sua amada, percebeu que aquilo era ridículo!

Sem saber como lidar com seus sentimentos, pôs-se a chorar novamente, quando percebeu algo estranho: a mão direita de sua esposa estava firmemente fechada.

Quando tentou forçá-la a se abrir, percebeu que o corpo ainda estava quente. Além disso, manchas de sangue coloriam a ponta dos dedos e a unha dela.

Ao abrir a mão, encontrou um pedaço de tecido preto.

A criança que estava atrás de si estava enrolada em um cobertor branco com o nome “Luna” nele, então definitivamente não poderia ter sido ela. É claro que não poderia ter sido! As mãos dela nem teriam forças para segurar uma adaga!

Quando se aproximou de novo da criança, percebera o quão absurdo era a ideia de que aquele ser indefeso teria assassinado sua esposa.

Olhando bem, não era diferente de nenhuma criança humana que encontrara. Aqueles olhos azuis, com um pequeno anel de luz neles, o encaravam com inocência e curiosidade, e as mãos daquela criaturinha tentavam tocar seu rosto.

Geoffrey e Elise sempre tentaram ter filhos, mas por algum motivo, por mais que tentassem, todas as tentativas resultaram em falhas.

Tomado pela dor da perda, o rei tomaria uma decisão que mudaria para sempre o destino de toda a humanidade.

Como não poderia carregar ambas de volta ao castelo, ele levou em seus braços a criança, que mais tarde nomearia de Luna, devido aos seus cabelos pratas como a lua.

A primeira coisa que fez ao chegar no palácio — furtivamente — foi esconder a criança no quarto que pertencia a ele e sua esposa já que ninguém podia entrar lá sem permissão prévia. Mais tarde, aquele quarto se tornaria apenas de Luna.

Depois, contou tudo que ocorrera aos guardas, que foram buscar o corpo da rainha de Fordurn.

A morte dela abalou o reino profundamente, já que todos a amavam, o que era um grande motivo de especulação, pois ninguém tinha nada contra ela para querer matá-la.

Elise foi enterrada no palácio e investigações foram conduzidas. A conclusão que chegaram era de que um criminoso de algum reino estrangeiro encontrou ela e a matou, temendo ser descoberto e que fosse preso, e a rainha tentou se defender, arrancando um pedaço da roupa dele e arranhando-o em algum lugar. O motivo para este veredito, era porque a adaga não era do formato padrão de nenhum ferreiro em Fordurn, e como era pleno verão, ninguém usaria preto naquela época.

Os guardas procuraram por todo o reino e prenderam uma pessoa que vestia escuro e tinha marcas de arranhão no lado esquerdo do rosto. O homem negou todas as acusações, mas foi condenado a prisão perpétua pelo próprio rei, que afirmou que aquele homem deveria sofrer a vida toda por ele ter tirado aquilo de mais importante em sua vida.

Dias após este incidente, Sophia, uma das recém-contratadas empregadas do palácio foi chamada aos aposentos do rei.

Sophia caminhou desanimadamente aos aposentos do rei. A morte de Elise a abalou profundamente, como se não bastasse o fato de seu filho ter morrido uma semana após o parto. Estava devastada, mas tinha de trabalhar para sobreviver.

Chegando lá, bateu à porta e disse: — Vossa Majestade, estou aqui atendendo vosso chamado.

— Pode entrar... — disse uma voz cansada do outro lado.

A empregada se surpreendeu ao ter recebido permissão para entrar, pois o rei havia deixado bem claro que absolutamente ninguém deveria entrar no quarto dele. Ninguém estranhou essa ordem, pois acreditavam se tratar do luto pela esposa.

— Te-Têm certeza, Vossa Majestade?

— Sim, entre logo.

Ao entrar, se deparou com o quarto estranhamente arrumado, o que a fez desconfiar se alguém já havia limpado o local.

Assim que entrou ela fechou a porta e o rei a apunhalou com uma pergunta terrível.

— Perdeste seu filho recentemente, certo?

— Ah... Si-sim — respondeu com a voz trêmula e segurando-se para não chorar.

O rei a olhou por um bom tempo e com uma expressão contemplativa.

— Diga, se tivesse a oportunidade de cuidar de outro, teria mais um?

A empregada, confusa e ainda segurando suas lágrimas, respondeu com a voz carregada de dúvidas: — Eu... Se eu pudesse... Faria de tudo para que vivesse o máximo possível...

Geoffrey a observou novamente com a mesma expressão, então se levantou e caminhou para sua cama.

— Venha — ordenou.

Acanhada, a empregada se aproximou lentamente. Quando chegou perto, o rei afastou o cobertor, revelando uma menina recém-nascida dormindo.

Sophia se impressionou com aquilo. Geoffrey e Elise já haviam passado da idade da fertilidade, portanto aquela criança não poderia ser deles, então de quem era?

— O nome dela é Luna, e é um anjo.

— Um anjo?! Ela deve ser morta o quanto antes!

— Olhe bem para ela, acha que seria capaz de fazer algum mal?

Sophia olhou para Luna com cuidado. Parecia de fato inofensiva, porém apenas isso não seria capaz de apagar todo o sofrimento causado pela raça dela.

Enquanto observava, Luna despertou. Ao ver Sophia, seus bracinhos pequenos se estenderam na direção dela enquanto sorria puramente.

A empregada imediatamente se lembrou do próprio filho e, inconscientemente, pegou Luna em seus braços e começou a brincar com ela. Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, e lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto.

Sophia segurou Luna por um bom tempo, sentindo-se incapaz de soltá-la, quando finalmente disse: — Pode contar comigo, Vossa Majestade!

Ao ouvir isso, Geoffrey sorriu gentilmente e disse: — Mantenha isso um segredo, e nunca a chame pelo nome dela, apenas de Alteza, certo?

— Certo!

Aquilo era totalmente absurdo, ambos sabiam disso, mas estavam emocionalmente abalados após terem parte de suas vidas tiradas deles recentemente e encontraram o conforto que precisavam em Luna.

Sophia foi responsável não apenas por alimentá-la com leite materno, mas também por cuidar dela sempre que o rei estivesse ocupado com algum assunto. Ela a cuidou como se fosse a própria filha, e a tristeza da perda de seu filho sumiu com o tempo.

Com isso, Luna cresceu sem que ninguém além de Geoffrey e Sophia soubessem dela. Com os anos passando, mais pessoas de confiança a conheceram e começaram a cuidar dela, incluindo Raymond.

A única pessoa que conhecia o nome verdadeiro dela — além de Geoffrey e Sophia — era Raymond, e isso os ajudaria imensamente nessa jornada.


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