Volume 1
Capítulo 19: A Fúria da Montanha
BAM! BAM! BAM!
— Vossa Alteza? Está aí? — perguntou alguém do outro lado da porta do quarto de Quetzal, acompanhado do som das batidas.
— Hmm, quê...? — resmungou Quetzal, ainda meio adormecida.
— Vossa Alteza, se não responder teremos de entrar!
— Eu tô bem... O que foi?
— Está tudo bem? Ocorreu algo de anormal recentemente?
Luna, devido à comoção, despertou aos poucos.
— O que está acontecendo? — perguntou ela sonolenta.
— Sei lá... — respondeu Quetzal. — Está tudo bem aqui, podemos dormir agora?
— Ah, certo, peço perdão por atrapalhar seu sono.
Com isso, o guarda se afastou do quarto.
— Que horas são? — perguntou Luna.
— Bem... — Quetzal olhou para um criado mudo ao lado da cama, onde havia um relógio mágico em cima. — Parece ser cerca de cinco e meia...
— Por que nos acordaram tão cedo?
— Não sei... vamos dormir?
Luna estava prestes a concordar, quando percebeu que algo estava faltando.
— Onde está Pagui?
Quetzal se sentou na cama e esquadrinhou o quadro à procura da ave, falhando em encontrá-lo.
— Estranho, isso normalmente não acontece...
— Ele me ajudou a dormir ontem à noite. As penas dele são bem macias... —Luna sorriu ao se lembrar da gentileza dele.
Ao ouvir isso, Quetzal assumiu uma expressão preocupada, pressionou uma pedra de Alteração que estava do lado dela, e se levantou da cama.
— O que foi? — Luna ao reparou na preocupação da amiga.
— Pagui sempre me ajudou a dormir quando tive dificuldades e ele sempre ficaria comigo até eu acordar, por isso é estranho que ele não esteja aqui.
— Talvez ele só esteja dando uma volta.
— Pode ser... — Seu tom denunciava que não acreditava nisso.
Passados alguns segundos, a mesma voz que as despertaram pela manhã retornou e bateu à porta.
— Em que posso ajudar, Vossa Alteza?
Quetzal abriu a porta um pouco e perguntou: — Alguma notícia de Pagui? Ele não está aqui.
— Ah, não, Vossa Alteza, mas isso não é comum?
— Pode procurar por ele?
— Tudo bem, procuraremos ele. Avisaremos se alguém o encontrar.
O serviçal estava prestes a deixar o quarto pela segunda vez quando foi chamado por Luna.
— Espere! Aconteceu algo com Fordurn recentemente?
Ela se levantou e estava caminhando na direção da porta, contudo Quetzal se colocou na frente dela e disse: — Ela quer saber sobre a Vigília.
— Ah, um pequeno grupo da Vigília esteve em Fordurn, mas apenas investigaram o desaparecimento do anjo e partiram. Aparentemente o anjo realmente foi raptado e está fora do reino, e o povo está tranquilo agora, e Geoffrey ainda manteve sua posição de rei.
— Certo, obrigada. — Quetzal fechou a porta subitamente.
— O que foi?
— Sariel não está aqui, lembra? Sua aparência voltou ao normal agora!
Luna, devido ao sono, precisou de alguns segundos para processar aquela informação.
— Ah! É verdade! Peço perdão, me esqueci completamente...
— Está tudo bem. Que tal tomarmos nosso desjejum agora?
— Ok.
***
Após tomarem um café da manhã — sem que Pagui aparecesse — ambas as princesas se dirigiram ao quarto de Sariel e bateram à porta. Entretanto perceberam que ele não estava presente, por isso decidiram caminhar pelo reino sem ele.
Luna tinha de manter a cabeça baixa e seu capuz cobrindo o rosto o tempo todo para evitar que as pessoas vissem seus olhos, e Quetzal sempre se mantinha na frente dela para bloquear a visão dos civis.
Por algum motivo, havia mais guardas que o normal patrulhando as ruas, especialmente numa região onde apenas havia residências, o que deixou Quetzal curiosa, mas não o suficiente para investigar a causa.
Dessa vez, Quetzal levou Luna para o pé da montanha. Sua intenção era subir a montanha para mostrar o reino do topo, entretanto ela se esqueceu que aquele não era um dia comum.
Ao chegar no pé da montanha, uma grande multidão se formava ao redor de uma espécie de palco onde Yaxun, seu pai, estava em pé.
— Ah, droga! Esqueci que hoje era aquele dia...
— Que dia?
— Meu caro povo! — começou Yaxun animado. — Como todos sabem, hoje é um grande dia na história de nosso reino!
O rei gesticulava exageradamente, e suas palavras incitaram os ânimos do povo.
— Sim! Trinta e cinco anos atrás, nesse mesmo dia, foi quando quase fomos destruídos por aquela raça maldita!
As pessoas presentes gritaram xingamentos e nomes terríveis sobre a raça angelical com um ódio cego.
— Porém, graças à montanha sagrada, fomos capazes de derrotá-los e expulsá-los de nosso lar!
Mais uma vez, o povo gritou.
Conforme Yaxun falava, o sol — que ainda estava parcialmente ocultado pela montanha — erguia-se lentamente e estava prestes coroar a montanha com sua luz e excelência.
O rei estava prestes a iniciar uma espécie de ritual sem explicá-lo, já que não seria necessário explicar algo que o povo sabia muito bem como funcionava. Contudo, quando percebeu que Luna estava presente, um sorriso perverso surgiu no rosto dele.
— E como bem sabem, mantivemos os corpos daqueles malditos conservados até hoje, para que neste dia o rei, neste caso, eu, coma seus corações crus para comemorar nossa vitória e mostrar como nós humanos podemos ser mais poderosos que eles!
A multidão gritou euforicamente, com alguns proferindo as mais terríveis palavras contra a raça angelical, enquanto outros agradeciam à Kura ou à montanha.
— Espera, o quê?! — Luna não acreditou no que acabara de ouvir.
— Me desculpe por isso, é melhor irmos embo...
— E AQUI ESTÁ! — Yaxun ergueu um coração, totalmente seco e sem sangue no ar, sendo iluminado pelo sol, que havia finalmente escalado até o topo da montanha.
— Este é o último que temos guardado, portanto terei certeza de consumi-lo lentamente!
O rei se aproximou da borda do palco e mostrou o coração à plateia. Em seguida, o ergueu mais uma vez.
— POR ISSO, EM HOMENAGEM À ERUPÇÃO QUE NOS SALVOU, IREI...
BOOOOOM!
Uma enorme explosão interrompeu o rei. O som fora tão estrondoso, que algumas pessoas, que não tinham tanta resistência física, tiveram seus tímpanos perfurados — Quetzal, Yaxun e Luna não sofreram o mesmo.
Acompanhado dessa explosão, um tremor intenso derrubou todos, que foram pegos desprevenidos pela ocorrência súbita. O chão havia vibrado com tanta intensidade, que alguns buracos surgiram nas ruas da capital, e uma grande fenda surgiu embaixo do palco no qual o rei estava.
A maioria fechou os olhos com medo e assustados pelo som, e quando os abriram novamente, presenciaram uma cena de terror e ruína.
Yaxun se virou para observar a fonte deste som, que veio exatamente de suas costas.
E ao se virar, viu uma cena que já havia presenciado antes. Contudo, na primeira vez que viu aquilo, seu coração se encheu de esperança e alegria, mas, dessa vez, sua alma se afundou em desespero.
A montanha havia explodido em uma erupção colérica.
Uma gigantesca nuvem de cinzas vulcânicas se ergueu por centenas de metros de altura e engoliu completamente o sol, lançando todo o reino na escuridão. A nuvem era tão grande, que até mesmo os cidadãos de Fordurn veriam aquele cogumelo negro e mortal mais tarde, conforme se espalhava com o tempo.
Em breve, aquela nuvem escura se esfriaria e as cinzas cobririam todo o reino, além do antigo reino da floresta. As cinzas petrificariam e matariam qualquer ser vivo, seja animal ou vegetal, e tornariam toda a região deserta.
E como se não estivesse satisfeita, o vulcão começou a expelir lava torrencialmente. O fogo desceu pelo topo, além de outros buracos formados ao redor de toda a montanha, criados pela pressão e tremor da explosão, fazendo vários rios de morte avançarem em direção ao reino.
O povo encarou aquela cena com terror em seus rostos. Naquele momento, todos se sentiram traídos pela montanha que sempre veneraram e era suposta ser um símbolo de esperança, e agora ela acabara de se tornar um arauto da morte.
Apesar do choque, Yaxun logo se recuperou e não demorou a disparar inúmeras ordens para reduzir o máximo possível os danos que seriam causados.
— RÁPIDO! AQUELES QUE POSSUEM O ELEMENTO VENTO TENTEM SOPRAR UMA VENTANIA E EMPURRAR AS CINZAS PARA LONGE! QUEM TIVER MAGIAS DE ÁGUA OU GELO, TENTEM PARAR A LAVA! QUANTO AOS OUTROS, EVACUEM DO REINO AGORA!
Com isso, um pânico geral se instaurou. Aqueles que atendiam os requerimentos agiram rapidamente e fizeram o possível para empurrar a nuvem de cinzas para longe ou para frear o avanço da lava.
A boa notícia era que as cinzas eram bem propicias a serem levadas pelo vento, por isso elas começaram a se afastar. Já a má notícia, era que a lava não dava sinais de reduzir seu fluxo, e não seria parada tão facilmente.
Enquanto tudo acontecia, as pessoas corriam e pisoteavam até a morte inconscientemente seus compatriotas conforme fugiam.
Naquele momento, Luna se lembrou do pânico que Sariel e Aegreon causaram na arena quando o povo percebeu que a barreira se quebraria, apesar de não se comparar com o que acontecia agora.
Ela olhava a grande nuvem de cinzas e a lava se aproximando cada vez mais sem saber como agir. Aquela erupção era tão súbita, que seus instintos de sobrevivência ainda não haviam ativado, por isso ela apenas observava tudo com admiração, como se tudo aquilo não fosse real.
— O que está fazendo? — gritou Quetzal agarrando seu braço. — Vamos sair daqui!
Luna olhou para Quetzal com uma expressão neutra, e finalmente se deu conta da situação.
— O qu-que vamos fazer?! — perguntou desesperada.
— Temos que ir o mais longe possível! Se a lava não for parada, ela queimará não apenas o reino, como também toda a floresta!
Luna hesitou, pois os seus companheiros ainda estavam lá.
— E quanto aos outros?
— Sariel... — A voz de Aegreon soou subitamente atrás dela.
ela se virou na direção do Pilar e avistou todos os seus companheiros, com exceção de um.
— Aegreon? Shiina e Raymond também?
— Que azar, não? — Shiina encarava a cena de caos com calma.
— Como isso pode acontecer? Logo quando chegamos... — frustrou-se Raymond.
— Não temos escolha, vamos embora. — Aegreon não demonstrava nenhuma empatia pelo povo.
— O quê?! Você é um Pilar, faça algo! — indignou-se Luna.
O Pilar a olhou com pesar nos olhos. Era a primeira vez que ela via aquele tipo de expressão nele.
— Eu faria, se pudesse, mas meu elemento não vai nos ajudar em nada...
— Mas...
Luna estava hesitante e não queria simplesmente abandonar aquele povo à própria sorte. Queria poder fazer algo para ajudar, qualquer coisa! Entretanto ela sabia que era apenas uma inútil e que não seria capaz de ajudar, apenas atrapalharia, e tudo que poderia fazer seria pedir a ajuda de um terceiro.
Essa realidade jamais mudaria, sempre precisaria ser protegida por alguém, como tem sido desde o momento que Geoffrey a adotou e sacrificou do próprio sono para manter sua identidade um segredo. E isso se repetiria com Raymond a protegendo vinte e quatro horas por dia, com Aegreon a salvando da Vigília, e com Sariel salvando sua vida duas vezes.
— E quanto a Sariel? — perguntou ela.
— Quem acha que causou isso? — O Pilar se irritou e apontou para a montanha. — Por que diabos um vulcão adormecido entraria em erupção na manhã seguinte de nossa chegada?
— Não! Não pode ter sido ele!
— Então onde ele está? — provocou Shiina.
Luna olhou para a montanha, dizendo “não” repetidamente em sua mente, se recusando a acreditar que ele, de todas as pessoas, faria algo como aquilo.
— É melhor irmos logo... — apressou Aegreon. — Tenho certeza de que o plano dele é destruir o reino e te matar no meio desse caos. Quanto mais tempo ficamos parado, maior as chances de ele estar invisível por aí esperando o momento certo para matá-la. Vamos!
O Pilar agarrou o braço da princesa e a arrastou contra sua vontade dela.
Nesse ponto, a lava já havia atingido as primeiras construções e parte do reino queimava neste momento.
A única exceção era o palácio real que, como era rodeado por um lago artificial, conseguia manter a lava afastada, mesmo estando localizado logo ao pé da montanha.
— Aegreon, espera! Não podemos abandoná-los! Temos de fazer algo!
— Este reino foi condenado por Sariel, não há salvação para este povo.
— Mas...
Contudo, conforme se afastavam, algo milagroso aconteceu.
O fluxo da lava reduziu drasticamente, o que permitiu que as pessoas pudessem pará-la e combater os incêndios.
Gritos de comemoração surgiram das bocas das pessoas, porém Yaxun se mantinha cauteloso.
— Ainda não é hora para comemorar! Uma segunda explosão pode acontecer!
Contudo, contrariando as palavras do rei, algo ainda mais surpreendente aconteceu.
A lava adentrou a montanha pelo caminho que saiu, como se a erupção estivesse acontecendo em reverso.
A lava fluiu lentamente para dentro da montanha, e não a deixou novamente. Até mesmo o calor parecia ter sido sugado para dentro.
Sem entender nada do que havia ocorrido, todos — até mesmo Aegreon — olharam surpresos para a montanha. Foi neste momento, que aqueles com olhos perspicazes notaram uma figura no topo do vulcão e caminhando calmamente para baixo.
Essa figura não era ninguém menos que Sariel, que tinha a aparência suja e coberta de cinzas.
Conforme descia, todos olhavam para ele sem saber como reagir. A erupção havia parado logo antes de sua aparição, então seria possível que aquele homem, sozinho, havia parado a fúria da montanha?
O viajante desceu o vulcão após caminhar por alguns minutos e se pôs de frente para Yaxun e do grupo.
— Sariel! — Luna se aproximou aliviada dele, por[em foi parada por Raymond, que estava profundamente desconfiado.
— Francamente... fico fora por apenas algumas horas, e quando retorno, me deparo com este caos... — disse em um tom entediado ao mesmo tempo que batia as cinzas das roupas.
— Maldito! O que diabos você fez? Pode enganá-los, mas não a mim! — irritou-se Aegreon.
— Ora, salvo este reino de um desastre que VOCÊ não é capaz de proteger e ainda me ofende? Bem, não podia esperar nada menos do Conselho...
— Seu...
— Já chega disso, Aegreon! — interrompeu Yaxun. — Sariel, foi você mesmo que parou a erupção?
— Quem mais teria sido senão eu?
O rei se manteve em silêncio e olhava para o viajante com desconfiança.
Enquanto isso, o povo olhava com admiração para Sariel, aquele que havia salvado seu lar e seus familiares do fogo das profundezas da montanha.
Porém, por algum motivo, os guardas se mantinham vigilantes e atentos aos movimentos de Sariel.
— Eu preciso conversar contigo em particular — disse Yaxun. — Agora.
— Certo, também há algo que preciso lhe dizer, vamos.
— Muito bem, fiquem atentos com a montanha, todo cuidado é pouco — aconselhou o rei.
Com isso, ambos começaram a deixar o local e se dirigiram à pirâmide, entretanto foram parados por Quetzal.
— Pai, você viu Pagui em algum lugar?
— Hmm, não...
— Ele desapareceu desde essa manhã, estou preocupada que algo tenha acontecido com ele por causa da erupção...
— Hm, se alguém avistar Pagui em algum lugar, informem a mim ou minha filha! — disse o rei para o povo.
Em seguida, ele e Sariel deixaram o local e foram para o palácio, abandonando o grupo.
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