O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 14: Aposta

Elise? Onde você está? — gritava uma voz masculina de longe e abafada.

“hmm? Ah, é outro daqueles sonhos.”, pensou Luna.

O ambiente estava totalmente escuro, com um pequeno feixe de luz iluminando parcialmente um teto rochoso.

Elise? — A voz ecoou, como se tivesse sido emitida através de um longo corredor.

“Eu estava com Sariel, Quetzal e Pagui até agora... Por que essas coisas acontecem tão do nada?”

Um cheiro desconfortável de sangue pairava no ar. Estava gelado, e o único som produzido era o de uma goteira, cujas gotas tocavam o chão de maneira inconstante.

Mas o quê!? — Gritou em pânico a mesma voz, que agora estava a passos de distância de mim.

ELISE! ACORDA, POR FAVOR! ELISE!

Em meio a esses gritos desesperados, pude perceber a voz se tornar cada vez mais trêmula e falha.

“Espera... eu conheço essa voz de algum lugar! Quem está aqui perto? Deixe-me me virar!”

Elise...

Não tardou muito para que o homem finalmente desabasse em lágrimas, chorando ao lado de algo que não podia ver, já que minha visão permanecia fixada no teto rochoso e escuro. Eu queria me virar, mas por algum motivo não o fazia.

O homem continuou a chorar por muito tempo. Tentei me virar, olhar ao redor ou até mesmo tentar chamar a atenção dele, mas nada. Essa agonia de não poder descobrir o que estava acontecendo era torturante.

“Minha voz não saí...”

Tentei de tudo para ter alguma ideia do que estava acontecendo, porém acabei desistindo. Seria apenas mais um daqueles sonhos que escuto vozes, mas não vejo nada.

O quê...?

E foi neste momento que fui surpreendida. O homem havia percebido minha presença.

Ele se aproximou e finalmente entrou no meu campo de visão, revelando um idoso de cerca de 50 anos, com cabelos e barba loiros — que já apresentavam vários fios brancos — e olhos escuros cheio de lágrimas.

 

***

 

— Pai!? — gritou Luna.

No momento que soltou este grito, sua mente despertou e foi levada de volta ao lugar onde estava, que se silenciou instantaneamente com sua voz.

Os presentes, que até então escutavam com atenção à música, olharam para ela confusos. Os músicos, que estavam no centro de uma roda de pessoas, também pararam de tocar.

— Luna? Qual o problema? — perguntou Sariel.

— Ah! — A princesa de Fordurn se encolheu atrás do viajante, envergonhada por ter interrompido a performance. — Não foi nada... — sussurrou com sua voz quase desaparecendo.

— Entendo... — O viajante se virou para os músicos e disse: — Podem continuar, foi só um susto.

Os músicos não se demoraram e deram continuidade com sua apresentação, atraindo a atenção que havia recaído sobre a princesa para eles.

A música de K’ak’ era bem distinta. A maioria dos instrumentos eram de sopro, como flautas, trompetes e cornetas, todas feitas de madeira, e a percussão também estava bem presente, com tambores ditando o ritmo da música. Alguns instrumentos ainda lembravam chocalhos, e outros imitavam o som de aves e animais.

A música era tribal e lenta, bem agradável de se ouvir a qualquer momento e relaxante, apesar de parecer algo mais apropriado para um ritual.

Algumas pessoas dançavam com movimentos lentos e encenados, e usavam máscaras de madeira ou de animais. A performance lembrava mais a uma espécie de cerimonia para pedir à Deusa Kura por prosperidade do que uma dança.

A apresentação foi curta, no entanto pareceu durar uma eternidade.

Ao fim da performance, todos se levantaram e foram embora aos poucos, com exceção de Luna que ficou sentada e pensativa.

— Que tal comermos algo? — sugeriu Quetzal oferecendo a mão para Luna e a ajudando a se levantar.

— Boa ideia, não comi muito durante o almoço.

— Então vamos.

O trio caminhou mais uma vez pelas belas ruas de K’ak’, movimentadas a alegres como sempre. Todos os pedestres tinham sorrisos no rosto e pareciam livres de qualquer preocupação.

Luna caminhava com sua mente focada no que ocorrera mais cedo. Aquele homem que ela viu definitivamente era seu pai, alguns anos mais novo.

Entretanto, o que significava aquilo? Que lugar era aquele? Por que ele estava chorando? E mais importante, quem era Elise?

— Alô? Vilon para Luna? — Sariel acenou com a mão na frente dos olhos da princesa, que olhava para frente sem perceber a presença do viajante.

— Ah! Sariel, perdão, estava distraída...

— Você está bem avoada hoje, hein? Ainda não se sente bem?

— Não é isso, estava apenas pensando em meu...

BAM!

Um som alto de um objeto grande batendo no chão interrompeu Luna.

— EEEH? Ele já tomou 16 doses e ainda está ganhando?

Quando a princesa olhou para a origem desta agitação, se deparou com ninguém menos que Raymond, bebendo duas doses de alguma bebida alcoólica em um único gole e, logo em seguida, competindo com um cidadão de K’ak’ em um braço de ferro.

Shiina estava ao lado dele e torcia pela vitória do guarda-costas, que venceu seu oponente sem nenhum problema e virando mais duas doses em seguida.

— Mas o quê... — Luna não conseguia encontrar palavras para reagir àquela cena que presenciara. Nunca esperaria ver Raymond, alguém que sempre se mantinha sério e formal, agir daquela maneira. Era tão surreal que se perguntava se não era uma ilusão.

— Parece que estão se divertindo... que tal não estragarmos a diversão deles? — sugeriu Quetzal.

— Boa ideia, por que não vamos comer em outro lugar?

— Aah... pode ser.

O trio voltou pelo caminho que foram, entretanto não antes que Pagui deixasse o ombro de Luna, roubasse um grande pedaço de carne que estava no prato de um homem desatento, e pousasse novamente no ombro dela.

— EEI! ESSA CARNE ERA MINHA!

— Foi mal! — gritou Quetzal, segurando o riso o máximo que podia.

— Ora, que encrenqueiro! — comentou Sariel.

Luna se limitou a apenas rir e fazer carinho em Pagui, que ainda engolia o enorme pedaço de carne que roubara.

Enquanto isso, Raymond continuava sua sequência de vitórias, bebendo mais duas dozes.

Tudo se tratava de uma espécie de jogo em K’ak’. Nem sempre a arena ficava disponível para lutas, por isso os cidadãos criaram este jogo para competirem fora dela.

As regras eram simples, duas pessoas competiam em um braço de ferro. Quem perdia tomava uma dose, e quem ganhava tomava duas. A pessoa que ganhava deveria continuar jogando até que perdesse — ou tivesse um coma alcoólico, que era o caso mais provável do guarda-costas.

Sua contagem já estava nas 24 doses, e neste ponto ele falhava miseravelmente em esconder o quanto estava se divertindo.

Já havia anos que não tinha um momento de folga ou diversão, já que seu trabalho exigia que ficasse 24 horas por dia ao lado da princesa.

Além disso, também era exigido que sempre mantivesse uma postura dura e rígida, por isso fazia muito tempo que não se permitia relaxar.

— Vamos lá amigo! Dessa vez você será derrotado! — disse um homem se sentando e oferecendo sua mão ao guarda-costas.

— Hm. — Ele se limitava a apenas murmurar em uma tentativa de ocultar sua animação.

Ambos deram suas mãos e aguardaram por Shiina permitir o início da competição.

— Muito bem. Em suas marcas... — Ambos se encararam profundamente.

— Preparar... Já!

Mais uma competição se iniciou, contudo dessa vez Raymond não obteve uma vitória imediata. Seu braço ganhou uma vantagem inicial, baixando o braço de seu oponente até a metade, porém ele segurou o tranco e se recuperou aos poucos.

Ao perceber a força de seu oponente, Raymond aplicou ainda mais força e aos poucos forçou o braço do oponente a quase tocar a mesa.

entretanto, seu oponente, retirando todas as forças possíveis de seu ser, segurou o avanço, parando seu braço a míseros centímetros da superfície da mesa.

A competição pareceu durar uma eternidade, porém após longos segundos de impasse, Raymond aplicou toda sua força restante e forçou o braço de seu oponente contra a mesa.

— A vitória é de Raymond! — declarou Shiina animada.

Ouch! Você é realmente forte hein — comentou o homem conforme bebia sua dose.

— Obrigado, qual seu nome?

— Ti-Chaak. É um prazer — cumprimentou o homem, oferecendo sua mão.

Raymond apertou a mão de seu oponente energeticamente.

— Bom, minha vez agora — disse Shiina ao se sentar na cadeira.

— Dessa vez eu ganharei — respondeu Raymond seriamente.

— Ora, ainda está doído por ter perdido na arena? — provocou Shiina. — Por que não tornamos isso mais interessante com uma aposta? — sugeriu em um tom sensual.

— Que tipo de aposta?

— Aquele que ganhar poderá ordenar ao outro a fazer qualquer coisa, e ele não poderá recusar.

Raymond hesitou por alguns segundos, entretanto aceitou a proposta sem pensar muito e pegou firmemente a mão dela.

— Feito.

— Pode deixar que eu dou início à disputa — ofereceu-se Ti-Chaak. — Preparar... Já!

Em um movimento único e rápido, Shiina imediatamente inclinou a mão de Raymond e quase a fez tocar na mesa, e o guarda-costas quase não reagiu a tempo para segurar o tranco e travar seu braço.

A partir dali, a assassina forçou o braço de Raymond milímetro por milímetro. O guarda-costas tentava conter o avanço, porém a bebida já reduzira muito sua força.

— Qual o problema grandão? Desse jeito vai perder — provocou a assassina. — Parece que todas aquelas doses estão fazendo efeito, huh?

“Maldita! Esperou que eu bebesse muito para me provocar e fazer uma aposta”, praguejou Raymond.

Ao perceber o quão facilmente fora manipulado, uma fúria e indignação ascenderam em sua alma, elevando seu espírito esportivo aos limites de seu ser.

Com suas forças reacendidas pela raiva, o guarda-costas empurrou a mão da assassina de volta ao ponto inicial, e seu avanço não parou, aproximando o braço dela cada vez mais da mesa.

Shiina se arrependeu instantaneamente de ter provocado ele e usava todas as forças para pelo menos segurar o avanço. O braço tremia, seu rosto — escondido pela máscara — estava vermelho e seus dentes rangiam com o esforço, no entanto era inútil.

Raymond, imparável e lentamente forçou o braço da assassina contra a mesa, fazendo-a encostar e conseguindo sua vitória.

— HÁ! GANHEI! — O guarda-costas se levantou e ergueu seu braço, comemorando sua vitória.

Acompanhando sua animação, os outros competidores que haviam sido derrotados ou estavam esperando por sua vez comemoraram junto dele.

Huf! Droga... talvez eu devesse ter esperado mais algumas doses... — lamentou a assassina.

— Ainda admite seu plano em voz alta... não sei por que me impressiono com algo assim vindo de uma assassina. 

— Ei! Não acha que está sendo um pouco grosso ao dizer isso?

O guarda-costas se sentou novamente, mas não respondeu. Ele colocou sua mão na cabeça e manteve seu olhar baixo.

— Ei, o que ta rolando? Você está bem? — Shiina se levantou e se pôs ao lado dele.

— Estou um pouco tonto, só isso...

— Hmm, por que não voltamos então?

— Está bem, mas me ajude.

— Certo.

A assassina o ajudou a se levantar e o levou de volta para o palácio de K’ak’.

— Foi mal pessoal, temos que ir.

As pessoas lamuriaram-se em uníssono, dando continuidade ao jogo sem Raymond e com pouca animação.

Ambos caminhavam lentamente pelas ruas. O sol havia começado a se esconder atrás da grande montanha cujas sombras tocavam apenas a base da montanha.

Argh, se soubesse que tinha planejado algo assim nunca teria aceitado seu convite... Você realmente me enganou com toda aquela insistência — reclamou o guarda-costas.

— Mas eu não planejei nada disso, eu realmente queria conhecer K’ak’ contigo.

— Conta outra...

— To falando sério! Acha mesmo que eu saberia sobre um jogo que civis comuns de um reino que nunca visitei antes jogam?

Raymond permaneceu em silêncio por alguns segundos. O que ela havia dito fazia sentido... contudo nesse estado qualquer coisa podia fazer sentido.

— Você não viaja o mundo matando pessoas de alta classe? É claro que você já esteve aqui e sabia sobre o jogo.

— Então por que me forçaram a lutar na arena se sabiam quem eu era?

— Porque... Você é uma assassina, deve ter entrado aqui furtivamente.

— Acha mesmo que Yaxun me permitiria se fosse o caso?

O guarda-costas tentou retrucar, no entanto os argumentos dela eram bem convincentes.

— Se diz mesmo a verdade, então me fale o que pretendia pedir para mim caso ganhasse.

— Ah... isso é meio... embaraçoso...

— Me diga se quer que eu acredite em ti.

Shiina se manteve em silêncio conforme ajudava Raymond a caminhar.

Como ela não respondeu, o guarda-costas assumiu que havia a encurralado e também se manteve em silêncio.

Ambos caminharam em silêncio de volta para o palácio, que neste momento já estava coberta pela sombra da montanha.

— Ia te pedir para me chamar pelo meu nome... — sussurrou Shiina após um longo silêncio.

— ...Quê?! — Raymond precisou de alguns segundos para processar o que acabara de ouvir.

— Você ouviu — disse em um tom levemente irritado.

— Não me venha com essa, se era algo tão simples então qual a necessidade daquela aposta?

— Os costumes de onde venho são diferentes, chamar alguém pelo nome lá é um sinal de amizade e confiança.

— Se há algo que definitivamente não há entre nós é amizade e confiança.

— É exatamente isso que estou tentando mudar, diferente daquele Sariel que continua criando atritos.

— Como confiarei em você e Aegreon após ele ter confessado que deseja apenas usar Luna?

Shiina suspirou audivelmente.

— É óbvio que ele estava mentindo. Acha mesmo que Yaxun aceitaria oferecer seu exército se dissesse que o objetivo dele é simplesmente abrir o Astrum Lux para proteger a sua princesinha?

— Aah... Bem, isso até que faz sentido... mas isso não garante se suas intenções são verdadeiras ou não.

— Escute, eu não deveria dizer isso para você, mas... — A assassina se silenciou por alguns segundos e observou atentamente os arredores.

Não havia ninguém por perto, mesmo assim ela decidiu não ser descuidada.

— É melhor falar sobre isso no palácio.

— Certo... — concordou Raymond desconfiado.

Ambos aceleraram seus passos e retornaram à pirâmide. Shiina levou o guarda-costas ao quarto dele e fechou a porta quando entrou.

Em seguida, ergueu sua mão esquerda que manipulou a luz ao redor, como se absorvesse pequenas partículas de luz, e criou uma pequena esfera de luz rosa. Em seguida, essa luz se expandiu ao redor do quarto, cobrindo as paredes, chão e teto.

— Essa magia... é a mesma que Sariel usou — observou Raymond.

— Ele usou essa magia antes? — perguntou invasivamente a assassina.

Enquanto isso, o brilho rosa no cômodo reduziu aos poucos e desapareceu completamente.

— Sim, ele cobriu as paredes da estalagem da mesma maneira. Disse que iria impedir o som de vazar para fora.

— Você o viu usar outra magia além de ilusão, gelo e alteração?

— Eu o vi usando proteção também, mas o escudo era fraco.

A assassina removeu sua máscara, revelando uma expressão intrigada.

— Bem, serei direta. Há uma grande chance de Sariel ser o Pilar da Ilusão, portanto eu e Aegreon precisaremos de sua ajuda para eliminá-lo.

— Como pode ter certeza disso? Eu o vi usando magia de gelo.

— Era uma magia de alto nível?

— ...Não.

— Então a chance é que ele provavelmente tem um pouco do elemento gelo, mas seu elemento principal é a ilusão. É bem provável que esteja usando uma magia para alterar sua própria aparência.

— Isso ainda não garante nada — disse ele.

— Escute. — Shiina se aproximou dele e olhou no fundo de seus olhos. — Sei que é difícil, mas entre nós e Sariel é melhor confiar em nós. Você sabe quem somos, diferente dele. Se quer proteger a princesinha então deverá ficar do nosso lado.

Raymond permaneceu calado mais uma vez e com uma expressão pensativa. De fato, o que ela dizia fazia sentido, pois confiar em alguém cujo passado e intenções no grupo era pior do que se ficasse ao lado daqueles dois, ainda mais considerando que Sariel era tão forte quanto um Pilar.

— Está bem, ficarei ao lado de vocês até eu descobrir as intenções dele.

— Ótimo, fez uma boa escolha. — A assassina sorriu, se virou e caminhou em direção à porta.

— Espere! — disse Raymond.

— O que foi?

— Eu ganhei a aposta lembra? Está na hora de dizer minha ordem.

— Eh? E pretende me cobrar agora? É melhor fazermos isso mais tarde, quando todos estarão dormindo — disse em um tom ainda mais sensual e sugestivo do que de costume. — Além disso, preciso me lavar... A menos que queira fazer isso no banho... completou ela ao mesmo tempo que colocava o dedo indicador em seus lábios.

— Não tente me enganar, me escute de uma vez.

— Ora... você está mesmo me descartando? Sabe quantos homens e mulheres dormiram comigo e viveram para se vangloriar disso? — Ela levou uma de suas mãos para sua gola e a abaixou lentamente, revelando um pouco de seu busto que, apesar de sua altura, eram fartos, firmes e redondos. — Nenhum!

Tsc! Pode parar com seu fingimento de uma vez e me ouvir? — insistiu Raymond, ignorando completamente as provocações da assassina.

O rosto de Shiina se fechou em uma expressão irritada, e ela abandonou imediatamente sua postura sensual.

— Você é tão chato... — desapontou-se. — Diga logo então.


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