O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 13: Sombras de Sua Raça

Quando os três deixaram a pirâmide, inúmeros olhares recaíram sobre Luna.

Ela tentou deixar seu rosto à mostra, já que acreditou que não haveria risco de ser reconhecida graças à magia de Sariel, mas colocou o capuz sobre sua cabeça no momento que aqueles olhares recaíram sobre ela.

Entretanto as pessoas ainda a encaravam, apontando dedos e cochichando entre si.

Sua frequência cardíaca acelerou, passou a suar frio e sentiu-se tonta.

Aqueles que a observavam se transformaram em sombras com formas aladas e cheias de correntes. Os olhos deles ficaram maiores, vermelhos; as pupilas com formato vertical — igual aos das serpentes — a encaravam com intensidade para o fundo de sua alma.

Suas figuras pareciam ficar cada vez mais perto e maiores, como se desejassem consumi-la e envolvê-la na escuridão de seus corpos.

Sua visão se tornou cada vez mais turva, e suas pernas falhavam em manter-se firme. Sua respiração enfraqueceu, como se uma mão invisível apertasse seu pescoço, e por mais que tentasse erguer seus braços para soltar aquele aperto, tudo o que conseguia fazer era tremer.

Sons equivalentes a milhares de pessoas gritando em agonia invadiram seus ouvidos numa intensidade que beirava o insuportável, e sentia que seus tímpanos poderiam estourar a qualquer momento.

Tudo pareceu durar uma eternidade, até que ela sentiu um toque quase imperceptível. Aos poucos, esse toque a envolveu e se tornou quente e acolhedor, o que fez as sombras recuarem e diminuírem.

Uma voz distante e aconchegante dizia algo indiscernível, e se aproximava na medida que afastava aquelas terríveis silhuetas.

Aos poucos, seu corpo se tornou mais aquecido e as sombras finalmente desapareceram.

Seus sentidos finalmente se estabilizaram e ela pode entender perfeitamente o que aquela voz dizia.

— Luna, você está bem? — A voz gentil e relaxante soou bem perto de seu ouvido.

— Qu-Quem?

— Está tudo bem, sou eu, Sariel.

 A visão da princesa clareou e ela pôde ver o rosto do viajante bem próximo do seu.

— O que... aconteceu? — Sua cabeça ainda girava intensamente.

— Você empalideceu, perdeu o equilíbrio e caiu. Tentei chamá-la, mas você não ouvia, então usei Magia de Ilusão para acalmá-la. Está tudo bem?

Com isso, Luna percebeu que estava no chão e sendo segurada por Sariel, que a abraçava gentilmente, enquanto Pagui mantinha-se ao seu lado e esfregava a cabeça contra sua mão.

— Es-Estou bem... Só preciso de um pouco de ar...

— Certo, vamos para um lugar mais aberto.

O viajante ajudou a princesa se levantar, e foi neste momento que ela percebeu que uma multidão havia se formado ao redor dela.

Mais uma vez, por ver toda aquela gente olhando para ela, seus batimentos aceleraram, contudo o toque de Sariel a ajudou a se manter calma da melhor maneira possível.

— O que aconteceu?

— Ela está bem?

— Está tão branca quanto um fantasma.

A multidão estava profundamente preocupada com seu mal-estar. Muitos ofereceram ajuda, água e até mesmo ajuda médica, no entanto sua generosidade passou despercebida pela princesa, que ainda se sentia zonza.

— Ela está bem, só precisa de um pouco de espaço, portanto se afastem por favor! — pediu Quetzal.

A multidão deu espaço para ela conforme o viajante — com Pagui em seus ombros — a levava.

Após uma pequena caminhada, ambos foram até uma praça e se sentaram próximos de uma fonte.

— Eu vou buscar algo para ela beber. Fique aqui e cuide dela. — Quetzal se afastou logo em seguida.

— Me desculpe, eu não queria dar trabalho para vocês...

— Não é culpa sua, Luna. Mas o que houve? Você estava bem até agora pouco.

— Eu... não sei... Quando vi todas aquelas pessoas me olhando eu... eu...

Suas mãos começaram a tremer, no entanto Sariel percebeu e as segurou carinhosamente.

— Shh... Está tudo bem, não precisa falar nada, apenas descanse, ok?

— Cer-Certo.

Pagui, ao perceber a ansiedade de Luna, sentou-se no colo dela e tentou acalmá-la esfregando o bico gentilmente contra sua mão.

A princesa afagou a ave com suas mãos ainda um pouco trêmulas. As penas eram macias, bem cuidadas e até cheirosas, apesar de seu aspecto bagunçado.

Luna sorria fracamente conforme focava na ave. O tempo passou lentamente conforme gotículas de água respingavam sobre ela, e o vento suave tocava gentilmente sua pele.

Enquanto aguardavam o retorno de Quetzal, uma criança bem jovem se aproximou de Luna com um leque de penas verdes e vermelhas em mãos.

— Moça, pra você... — ofereceu timidamente o leque.

Luna olhou para a criança e tentou dar o melhor sorriso que podia naquelas condições.

— Obrigada, mas onde está sua mãe? Ela sabe que você está aqui?

— Não se preocupe com isso — disse uma mulher que se aproximava acompanhada de outra que estava grávida. — Minha filha viu você passando mal e quis ajudar, aceite, por favor.

— Certo, obrigada. — Luna pegou o leque e o usou para se refrescar. — Qual seu nome, menina?

— Meu nome é Tikal! — respondeu dando pequenos pulinhos.

— É um belo nome, me chamo Luna.

— Você é muito bonita! Você é uma princesa? — perguntou entusiasmada a criança. — Nunca vi um cabelo da sua cor, é de verdade? Posso tocar?

Os olhos dela brilhavam de admiração.

— Tikal! Tenha um pouco de respeito, a moça acabou de passar mal — ralhou a mãe.

— Ah... Desculpa...

— Está tudo bem, foi apenas um mal súbito. Pode tocar sim, veja. — Luna pegou algumas de suas mechas na mão e as ofereceu à criança.

A criança encostou cuidadosamente nos longos cabelos da princesa com seus olhos brilhando, como se reluzissem com o brilho daquelas mechas.

— Uau! Seu cabelo todo é assim?

— Ah, si-sim... — A princesa baixou devagar seu capuz, revelando seu rosto e seu cabelo.

Assim como da outra vez, sentiu-se incomodada por se expor daquela maneira, mas o sorriso puro daquela criança a encorajou um pouco.

— Nossa, você é muito bonita! Como posso ficar que nem você?

— Ah, obrigada... porém não sou tão bonita assim...

— Do que está falando? — perguntou a mulher grávida. — Você deve ser a mulher mais bela que já passou por nosso reino, talvez até mais que a princesa Quetzal!

— Ela é muito modesta — comentou Sariel.

— Bem, temos que ir agora. — A mãe da criança se dirigiu à grávida. — Você não deveria estar passeando por aí, sabe que sua gravidez tem ficado cada vez mais complicada.

A mulher grávida, com sua barriga aparentando os sete meses, tinha o rosto levemente pálido e ofegava apenas por permanecer em pé.

— Eu sei, mas não aguento mais ficar naquela cama! Preciso caminhar e ver o sol de vez em quando.

— Sim, mas não se esqueça de todo o trabalho que você e Sak-Lu tiveram para que essa gravidez acontecesse. Se algo acontecer ele ficará arrasado.

A gravida suspirou mais uma vez. Pequenas gotículas de suor começaram a surgir em sua testa.

— Tem razão, estou ficando cansada de qualquer jeito...

— Muito bem, vamos filha. — A mãe ofereceu a mão para que a filha pegasse.

— Uhum.

Mãe e filha foram embora de mãos dadas com a grávida se apoiando no ombro da amiga.

Logo quando partiram, Quetzal retornou trazendo um grande copo com um suco laranja.

— Tome, isso vai te ajudar a recuperar suas forças.

— Obrigada.

Luna bebeu tudo em um único gole e imediatamente se sentiu disposta novamente.

— Melhorou? — perguntou o viajante.

— Sim.

— Então deveríamos voltar ao palácio para que possa descansar melhor — sugeriu Quetzal.

— Mas eu ainda quero conhecer melhor esse reino.

— E se você se sentir mal novamente?

— Eu... acho que não vai acontecer de novo.

— Neste caso, vamos continuar. — Sariel se levantou e ajudo Luna a ficar de pé — Aonde vamos agora?

Quetzal hesitou. Ela não sentiu firmeza na afirmação de Luna, entretanto decidiu continuar o passeio vendo o entusiasmo dela em conhecer o reino.

— Bem, vamos conhecer um pouco de nossa música então.

Quetzal partiu na frente, porém mantendo seu passo lento, enquanto Sariel permanecia ao lado de Luna com Pagui no ombro dela.

Desta vez, Luna não ergueu o capuz, apesar de ainda se sentir incomodada.

 

***

 

Aegreon encontrava-se em pé e completamente imóvel diante da janela de seu quarto. O aposento não era muito diferente da sala de Yaxun, apenas um pouco menor.

Ele observava aleatoriamente pessoas caminhando e cuidando de suas vidas.

O tempo passou devagar. As nuvens rastejavam pelo céu, cobrindo parte do reino com uma penumbra passageira.

Passados alguns segundos, uma silhueta quase imperceptível entrou no quarto de Aegreon pela janela. Em seguida, um brilho rosa revelou Shiina, a assassina.

— O que foi? — O Pilar manteve os olhos nas ruas.

— Há algo que preciso dizer. Sabe aquela conversa que tivemos em Fordurn?

— Hm.

— Aparentemente, Sariel estava nos escutando de perto.

— O quê? — Aegreon se virou brevemente. — Impossível. Apenas o Pilar da Ilusão seria capaz disso.

— Ele repetiu com precisão nossos diálogos. Ele ouviu tudo o que discutimos.

— Quando descobriu isso?

— Naquela vez que fomos juntos coletar ingredientes. Tentei matá-lo, mas ele era muito forte.

O Pilar se manteve em silêncio enquanto pensava. Conforme considerava suas opções, dirigiu seu olhar para as ruas novamente e viu Sariel, Luna e Quetzal caminhando juntos. Seus olhos fixaram-se no viajante e suas sobrancelhas franziram.

— Lidar com ele vai se complicado, não esperava que o Pilar da Ilusão teria tamanha força física.

— Espera, ele usou magia de gelo contra mim, tem certeza de que ele é um Pilar? Você não conhece todos no Conselho?

— Ninguém sabe o nome e aparência verdadeiras dele, exceto Ardos e Clementius. Tem certeza de que a magia que ele usou era de gelo? Ele tem um pouco do elemento Gelo e Alteração, mas tenho certeza de que seu elemento principal é Ilusão.

— Sim, pude sentir perfeitamente. Ela até arrancou algumas árvores pela sua força.

— A magia te feriu fisicamente?

— Si... — Shiina interrompeu a si mesma antes de completar sua resposta.

Neste momento ela se lembrou de sua batalha, apesar de Sariel ter usado magia de gelo, nenhuma delas a feriu, exceto...

— Apenas uma me feriu na verdade, eu não sei direito o que aconteceu, mas fui arremessada e bati contra uma árvore.

— Então você não viu... Como ele utilizava suas magias?

— Ele apenas se defendia... — contemplou Shiina.

— Então ele podia muito bem estar usando magia de Ilusão para parecerem ser de Gelo e engana-la.

— Mas sua magia arrancou árvores!

— Podia ser outro truque para tornar tudo mais crível.

A assassina permaneceu em silencio e relembrou com todos os detalhes toda a luta. De fato, tudo o que ele fez foi se proteger, e houve apenas três momentos em que ela foi atingida fisicamente: A rasteira que a derrubou, o empurrão que a arremessou contra a árvore e, por último, quando ele agarrou seu pescoço.

Então bem possível que ele estivesse usando magias de Ilusão para fingir possuir o elemento Gelo. Considerando que esse tipo de magia é capaz de enganar não apenas os olhos, mas também todos os outros sentidos, então as chances eram ainda mais altas.

— Tudo faz sentido então... Um nome que ninguém conhece. Nunca dormiu durante nossas viagens, nunca usou uma magia muito poderosa do atributo Gelo e ainda foi capaz de se esconder de você... mas qual será seu objetivo?

 — Não sei, não conheço ele, mas a alternativa mais provável é que foi enviado por Clementius para descobrir minhas intenções, por isso temos que nos preparar para um eventual encontro com outro Pilar, um com um Elemento de Combate.

— Então o que faremos? Ele já mostrou que sua força e habilidades estão no mesmo nível que você, e ainda possui o elemento Ilusão, então mesmo que você ganhe a vantagem em uma luta ele poderá simplesmente ficar invisível e fugir.

— Eu tenho um plano, contudo teremos de ser pacientes, pois seus elementos são difíceis de se lidar, portanto tenho de maximizar minha vantagem no corpo a corpo e lidar com as Ilusões dele.

— Como pretende fazer isso?

— Pedirei a Yaxun uma Gema de Alteração e uma Gema da Ilusão. Depois passaremos perto das Planícies Vulcânicas no nosso próximo destino.

— Ah... Entendi. — Shiina sorriu maleficamente.

Aegreon continuou observando Sariel de longe. Apesar da distância, seus olhos eram capazes de enxergar qualquer alvo a quilômetros.

— Você deveria aproveitar sua estadia aqui, é um grande reino, afinal.

— Tem razão, verei se Raymond quer ir a algum lugar...

A assassina se tornou invisível novamente e desapareceu do quarto.

O Pilar continuou a encarar o viajante de longe, com uma expressão sombria.


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