O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 11: K'ak' Witz (2)

Aegreon, Shiina, Luna e Raymond saíram do que sobrou da arena e entraram na capital, deixando Sariel e Yaxun a sós.

— O que pretende fazer com este buraco? Quer que eu o preencha? — perguntou o viajante.

— Consegue tapá-lo?

— Provavelmente, não é muito grande.

— Não é muito grande?! Daria para construir outras três arenas nesta área destruída.

— A barreira absorveu boa parte do impacto, apesar de ter se partido. Caso contrário, teria sido bem maior — explicou Sariel conforme caminhava para o centro da depressão. Em seguida, se ajoelhou e encostou ambas as mãos —que emitiam um estranho brilho marrom — no chão.

Com isso, a terra se multiplicou magicamente, preenchendo aos poucos a área afetada.

— Vai demorar algum tempo para ficar pronto, já que meu elemento principal não é Alteração.

— Compreendo, pode me dizer por que Aegreon estava tão empenhado em matá-lo?

— Eu esperava que você pudesse me responder isso, o que sabe sobre ele?

— Vocês não estão juntos?

— Mais ou menos, é uma história complicada.

— Entendo. Ele não fala sobre si mesmo, então apenas o conheço um pouco. Contudo, ele não é uma má pessoa, ele nos ajudou em uma emboscada que sofremos dos anjos antes, se não fosse pela sua força K’ak’ não existiria hoje.

— Então ele lutou contra os anjos, mas deseja visitar o mundo deles...

— Como é?! — assustou-se Yaxun.

— É isso mesmo o que ouviu.

— E por que ele pretende fazer isso?

— Infelizmente não sei os detalhes.

O rei permaneceu em silêncio e tentava encontrar algum motivo para Aegreon visitar sozinho o outro mundo. A única possibilidade seria o desejo de exterminar a raça deles, já que ele lutou com uma fúria indescritível quando ajudou K’ak’, contudo por que ele faria isso sozinho?

— Não consigo pensar em nada que faça sentido...

Hmm... Se me permite um conselho, é melhor você recursar o pedido dele.

— Que pedido? Sabe o que ele deseja de mim?

— Sim, ele quer usar seu exército para se disfarçar entre seus soldados e se aproximar do Éden para o grande exercício anual da Vigília. Com isso, ele poderá se aproximar do Astrum Lux com Luna facilmente.

— O quê?! Se fizermos isso, seremos considerados traidores pelo Conselho!

— Exato, por isso é melhor você recursar seu pedido.

Yaxun se viu mais uma vez em silêncio enquanto considerava o que fazer.

— Contudo... eu devo um grande favor a ele...

— E pretende retribui-lo mesmo que isso traga o fim ao seu reino?

— Bem... se eles conseguirem passar pelo portal sem ninguém ver, então ninguém saberá que nós o ajudamos.

Sariel permaneceu em silêncio e apenas focou seus esforços em finalizar o buraco. A quietude intrigava Yaxun, devido ao assunto que conversaram agora.

Sariel finalizou sua tarefa, se levantou e virou-se para Yaxun.

— Bom, se tiverem alguém que possua o Elemento Natureza vocês poderão reflorestar essa área facilmente.

— Infelizmente são poucos aqueles que podem usar este elemento. Há um tempo, havia um outro reino chamado Ueyi Kojtlan que fazia fronteira ao nosso. Eles viviam na floresta, entretanto foram dizimados pelos anjos. A maioria das pessoas daquele reino possuíam este elemento, porém apenas uma pequena parcela deles sobreviveram. Talvez seja melhor esperar que as árvores cresçam naturalmente.

— Então aqueles vilarejos que passamos...

— São resquícios do que um dia foi um grande reinado. Você deve ter percebido que a maioria deles vestiam verde, era a cor do reino deles, enquanto aqui usamos vermelho, a nossa cor.

— Entendo... e as cores neutras?

— São aqueles que sofreram ferimentos incuráveis na guerra contra os anjos e se tornaram incapazes de lutar.

— Incuráveis? Magia de Proteção cura quase tudo.

— Não à magia dos anjos. A maioria dos ferimentos causados pela mágica deles são curáveis, mas alguns deles são ou incuráveis, ou demoram muito mais para serem curados, mesmo com Magia de Proteção.

— A magia deles é a mesma que dos humanos, entretanto... eles só têm mais Poder Mágico que nós... — contemplou Sariel.

— Quantos anos você tem, garoto?

— Farei 20 em breve.

— Um pouco antes do fim da guerra então... Você entenderia se tivesse lutado contra eles, há algo de especial na magia deles.

O viajante se manteve em silêncio e com uma expressão pensativa.

— De qualquer maneira, devemos ir agora, já que terminou o que estava fazendo — disse Yaxun.

 — Tudo bem.

Ambos caminharam para dentro da capital de K’ak’ apenas alguns minutos depois que os outros partiram.

Conforme caminhavam, várias pessoas saudavam o rei com entusiasmo e ele respondia sempre com um grande sorriso e aceno. Alguns eram guerreiros que já haviam lutado contra ele e sido derrotados, e gritavam juras de revanche, enquanto Yaxun os provocava e incendiava seus espíritos esportivos.

— Ei! Aquele não é o cara que deu trabalho a Aegreon e ainda destruiu a arena?

— É ele mesmo!

— É melhor lutar comigo antes de partir!

— Serei o primeiro a lutar contigo!

— Não, serei eu!

O povo, ao reconhecer o viajante, dispararam uma metralhadora de convites de lutas. Nenhum deles sentia raiva dele por ter destruído a arena, na verdade estavam até animados por isso, já que ele havia superado as defesas da barreira apenas com sua força física bruta.

— Parece que estou famoso — disse acenando para as pessoas.

— É claro! Qualquer um o admiraria por ter lutado no mesmo nível que um Pilar.

— Apesar de eu ter sido o que mais sofreu danos naquela luta.

— Quê? Mas você destruiu a arena quando o atingiu.

— Eu estive na defensiva desde o momento que percebi que a barreira não resistiria ao nosso poder, por isso eu evitei atacá-lo até que o povo estivesse seguro.

— E por que você não tinha nenhum ferimento quando chegamos?

— Obviamente porque já havia me curado. Sem contar que apesar de ter sido atingido várias vezes, os danos causados foram mínimos.

— Impressionante, tenho certeza de que o Conselho cobiçaria você.

— Sim, todavia eles já têm um Pilar do Gelo — disse Sariel. — Ah, então aquela é a famosa pirâmide de K’ak’?

Apesar de distante, o viajante pôde ver claramente o belo e imponente palácio.

— Ele mesmo!

— De fato é estupendo...

— Não parece muito impressionado.

— Ah, peço perdão, meio que me acostumei a ver coisas impressionantes, haha!

Após algum tempo, ambos chegaram ao palácio de K’ak’, e no momento que entraram na pirâmide, um serviçal apareceu e dirigiu palavra ao rei: — Vossa Majestade, seus convidados estão aguardando e estávamos esperando sua chegada para levar o almoço.

— Ótimo, neste caso levarei a refeição eu mesmo!

Yaxun e Sariel se dirigiram à cozinha, e se depararam com uma enorme refeição à espera deles. Havia uma grande variedade de frutas tropicais, além de algo raramente encontrado nos reinos vizinhos de K’ak’: feijão. Vários tipos de carne estavam presentes também, como de aves, peixes e até mesmo macacos. De sobremesa, uma bebida feita de cacau, e vinho.

— Vossa Majestade, estávamos aguardando sua chegada para levar sua refeição.

— Não se preocupem com isso, deixe que eu levo!

— Eu posso cuidar disso — disse Sariel.

Em seguida, todos os alimentos começaram a flutuar de maneira organizada no ar e nem mesmo as bebidas foram derramadas. Toda a refeição pairava ao redor do viajante, que tinha uma fraca luz marrom brilhando ao redor do corpo dele.

Haha! Maravilhoso! É uma pena que Alteração não é muito comum em meu povo, assim teríamos outra forma de entretenimento além das lutas.

— Basta tornar a entrada para K’ak’ mais flexível e você terá os mais variados visitantes.

— Pensarei sobre isso, agora vamos.

Ambos caminharam novamente pelos corredores, e Sariel fez questão mostrar o controle da magia dele com vários malabares com a refeição, fazendo-a girar, ficar de ponta cabeça e até passá-los ao redor do rei, que ria e se divertia bastante com o espetáculo.

Em pouco tempo, ambos chegaram à porta onde o resto do grupo aguardava. O rei abriu a porta de maneira animada, animada até demais, pois foi ligeiramente violento, fazendo com que a porta batesse fortemente contra a parede.

— Cheguei! Peço perdão pela demora!

Porém, todos olharam estranhamente para o rei, sem pronunciar uma palavra.

— Oh, interrompi algo?

— Eles devem ter se assustado com sua entrada triunfal, até eu me surpreendi um pouco, haha! — disse Sariel logo atrás.

— Ah, peço perdão por isso, aqui está o nosso belo almoço, conversaremos enquanto comemos.

O rei se sentou junto do grupo em uma poltrona luxuosa que claramente era feita para ele. O viajante, com uma grande e exagerada reverência, fez os pratos circularem ao redor de toda a sala, passando por baixo de mesas, saindo e voltando por janelas, e até mergulhando na fonte antes de colocá-los na mesa.

— Exibido — disse Shiina.

— Obrigado — agradeceu Sariel. — Agora, sirvam-se — disse conforme se sentava ao lado da princesa.

— Sente-se em outro lugar, há vários assentos além desse — ralhou Raymond.

— Gosto desse lugar, é mais confortável!

— Não me faça ter que tirá-lo daí.

— Tá bom, tá bom... — disse Sariel, se levantando em seguida.

Entretanto, ao invés de ocupar outro sofá ou poltrona, o viajante sentou-se ao lado do guarda-costas, passando o braço por trás das costas dele, como se ambos fossem velhos amigos.

— O que pensa que está fazendo?

— Estou apenas estreitando nossa amizade.

— Não me faça rir, saia daqui!

— Então prefere que eu fique ao lado de Luna?

Raymond suspirou profundamente e desistiu de argumentar. Ele já o conhecia bem, e sabia que não desistiria de sair de seu lado.

“Pelo menos, é melhor ele aqui do que ao lado da Alteza.”

— Sempre soube que você tem um coração mole por baixo dessa sua armadura.

— Me deixe em paz... — murmurou derrotado.

— Muito bem, vamos comer enquanto discutimos o motivo de vocês estarem aqui. Aegreon — disse Yaxun olhando para o Pilar —, Sariel já me contou o motivo de sua visita, no entanto preciso me certificar de que o que ele disse é verdade. Realmente pretende abrir o portal?

Aegreon olhou para o viajante desconfiadamente antes de responder: — Sim.

— Por que pretende fazer isso? Qual seu objetivo?

—  Quando os anjos vieram, o portal não foi aberto por esse lado, o que significa que eles podem abri-lo quando quiserem. Por isso precisamos nos certificar se eles pretendem nos invadir de novo, e apenas um anjo pode ativar o Astrum Lux.

— Espera, essa é a primeira vez que ouço sobre isso! Você tinha me dito algo totalmente diferente — disse Luna após a explicação de Aegreon.

O Pilar não a respondeu.

Há! Achou mesmo que um lacaio de Ardos protegeria um anjo? É claro que ele queria usá-la desde o começo! — disse Sariel.

Raymond olhou indignado para o Pilar. É claro que ele não acreditou em nenhum segundo que Aegreon desejava ajudar Luna, porém não esperou que o objetivo dele fosse tão desprezível. O guarda-costas estava prestes a dar voz a indignação que sentiu, mas se conteve por estarem na presença do rei.

— Eu pensei que... — começou a princesa com sua voz trêmula.

— Não importa o que você pensa  — interrompeu Yaxun. —  Por que Ardos não abre o portal ele mesmo? — perguntou para o Pilar.

— Eu tentei convencê-lo a fazer um reconhecimento, contudo ele diz que é perigoso e que uma segunda invasão não irá acontecer. Tentei reunir os outros membros para uma votação, entretanto Clementius foi contra. Por isso precisaremos nos esgueirar e passar pelo portal furtivamente, pois se Ardos matá-la nós perderemos esta chance.

— Hmm, entendo... Por isso você pediu para que eu mantivesse isso em segredo...

— Irá nos ajudar?

Yaxun permaneceu em silêncio e ponderou sobre o assunto.

Enquanto o rei não respondia, todos se deliciavam do suculento banquete. Shiina tinha sua máscara parcialmente levantada, revelando apenas a boca, e devorava carnes e bebia o doce vinho de K’ak’.

Quanto a Raymond, apesar de gostar de carne, comia apenas frutas e bebia o achocolatado, pois em respeito à princesa ele não comia nada animal em sua presença.

Luna, forçava-se a comer as frutas e as consumia devagar e desanimada, com uma leve expressão de desgosto devido toda aquela carne diante dela. Quanto às bebidas, deixou de lado tanto o vinho quanto o achocolatado.

Todo o apetite que sentira havia desaparecido após ouvir as palavras de Aegreon. Quando ele a salvou em Fordurn e contou seu plano, uma pequena brasa de esperança havia surgido em seu âmago, e agora suas expectativas foram completamente pisadas por ele. Era como se a própria Deusa Kura não a permitisse sentir o mínimo de felicidade.

Sariel, assim como a princesa, deixou de lado toda e qualquer carne e aproveitava o feijão, e ao ver o quão Luna estava desanimada, disse: — Por que não experimenta os feijões? É um alimento salgado, tenho certeza de que irá apreciar, já que frutas são doces.

Luna pegou os feijões e os olhou com curiosidade.

— São bons?

— Maravilhosos! Sempre levo alguns quilos para levar em viagens, já que é difícil encontrar algo salgado que não seja de origem animal.

— Entendo... Então você também não come nada animal.

— É claro, como eu poderia se também posso falar com eles?

— Ah, tem razão. Não pensei nisso. — A princesa olhou novamente o prato com feijões e deu uma colherada. — Bem, lá vou eu. 

Luna levou a colher até sua boca e experimentou o feijão com receio, e no momento seguinte, uma expressão de espanto seguida de felicidade apareceu em seu rosto. Depois, ela simplesmente devorou o prato inteiro, se esquecendo completamente dos modos da realeza.

— É delishioso! — exclamou com sua boca ainda cheia.

Graças a aquele simples prato salgado ela esqueceu totalmente do quão traída se sentira agora pouco.

Haha! Sabia que iria gostar! Antes de partirmos me certificarei de conseguir uma boa quantidade para levarmos.

— Providenciarei as melhores remessas para vocês — disse Yaxun após um prolongado silêncio.

— E quanto ao meu pedido? — insistiu Aegreon.

— Terei de organizar uma assembleia para apurar seu pedido, convocarei uma reunião extraordinária o mais rápido possível. Enquanto isso, providenciarei quartos para vocês ficarem e o livre arbítrio para visitarem onde quiserem — O rei olhou para a princesa antes de prosseguir: — exceto você.

— Por quê? — questionou Raymond.

— Ora, preciso dizer o motivo? Exterminarão ela sem hesitar se descobrirem que é um anjo. Eu apenas não a matei devido ao pedido de Aegreon. Além disso, não quero alguém de sua raça vagando pelo meu reino sem ser vigiada.

— Então basta que eu esteja com ela o tempo todo — sugeriu Sariel. — Posso usar Magias de Ilusão também, então poderei alterar a aparência dela.

— Ainda assim, não me sinto confortável com uma assassina vagando pelo meu reino.

A princesa ouvia toda a conversa segurando fortemente o tecido de sua calça e mantendo sua cabeça abaixada. Toda a alegria que o feijão havia proporcionado fora, mais uma vez, esmagado.

— É melhor medir suas... — começou Raymond.

— Basta encarregar alguém de confiança para nos acompanhar — interrompeu Sariel.

— Não acho uma boa ideia. Apenas Kura saberá quando ela pode simplesmente matar o meu povo.

— Comigo por perto? — perguntou Sariel. — Já se esqueceu da surra que dei em Aegreon?

O Pilar encarou o viajante, porém não disse nada.

Yaxun pensou por algum tempo quando finalmente cedeu e disse: — Tsc, se insistem tanto...

Em seguida, ele se levantou de seu assento e caminhou em direção a uma grande mesa com vários documentos em cima. Depois, ele aproximou a mão de uma pedra marrom flutuante e a pressionou por alguns segundos.

Passado algum tempo, a porta por onde entraram se abriu, revelando uma bela mulher vestindo roupas verdes.

— Estou aqui, pai.


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