O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 1: Solitária Princesa de Prata

Centenas, talvez milhares de pessoas — civis comuns — se amontoavam nos muros de um castelo, tentando escalá-lo com escadas e gritando mais ofensas do que uma marinheiro embriagado.

Em cima dos muros estavam posicionados vários guardas vestindo armaduras, tentando conter o povo e evitar que a situação piorasse.

Os poucos soldados que eram capazes de usar magia lançavam ataques no ar na tentativa de assustar as pessoas.

Contudo o povo estava em frenesi e ignorava as magias e espadas dos guardas, tentando a todo custo invadir o palácio real de Fordurn.

— Estão usando escadas! — gritou um jovem escudeiro.

— Não os deixem subirem as muralhas! Empurrem as escadas! — gritou aquele que parecia ser o comandante.

— Mas... eles irão se ferir. São apenas civis!

— Civis que estão causando uma rebelião! Ande logo ou será punido!

— Mas... Por que estamos fazendo isso? Por que proteger aquela assassina? — O jovem questionou suas próprias ações.

— Espero que não esteja considerando desertar... escudeiro — ameaçou o comandante.

— Eu... não senhor!

— Então andem logo e empurrem estas malditas escadas!

Os guardas então empurraram as escadas que o povo usava para tentar escalar a muralha. Muitos faziam isso com desgosto, pois a maioria concordava com o povo e acreditava que o anjo que seu rei protegia deveria ser entregue para poupar o reino da fúria da Vigília, um exército especial liderado pelo Conselho.

Porém, apesar de toda esta confusão e gritos, havia duas pessoas próximas deste alvoroço que pareciam alheias a todos estes acontecimentos. Estas pessoas eram Luna, a filha adotiva do rei e o último anjo naquele mundo; e Raymond, seu guarda-costas.

Raymond se destacava bastante por sua aparência: jovem e de altura média, possuía músculos definidos, mas que estavam escondidos pela armadura prateada que vestia. Seus olhos eram roxos, e seu cabelo era levemente espetado — da mesma cor de seus olhos — e curto. A falta de barba realçava a beleza e jovialidade de seu rosto.

O guarda-costas permanecia atento à toda comoção. Esta não era a primeira vez que o povo de Fordurn tentava invadir o palácio de maneira desesperada, mas nunca foram tão insistentes quanto neste momento. Até mesmo os guardas estavam tendo problemas em contê-los! O que era de se esperar, já que faltava menos de dois dias para a Vigília apagar aquele reino dos mapas.

— Alteza, é melhor entrarmos — disse Raymond. A situação estava se intensificando, e Luna poderia estar em perigo se permanecesse por mais tempo no jardim do palácio.

Entretanto ela não reagiu e continuou sentada observando as flores laranjas diante dela sem mover um músculo.

— Alteza? — repetiu ele, elevando um pouco sua voz gentil e firme, típica de um guarda-costas.

Desta vez a princesa o escutou, pois seu corpo tremeu suavemente como se tivesse se assustado levemente.

Luna virou seu rosto na direção do guarda-costas e disse: — Ah, Raymond. Desculpe-me, estava distraída.

Sempre que ela falava Raymond sentia-se um pouco atordoado. A voz dela era suave, gentil e carregada de bondade, era como uma mãe carinhosamente cantando uma canção de ninar ao filho. Era uma voz acolhedora, que seria capaz de parar guerras e trazer a paz, mas ninguém a ouviria por ser um anjo, o inimigo mortal da humanidade.

Além disso, sua aparência era tão bela quanto sua voz: as proporções de seu corpo eram tão perfeitas como se a própria Deusa Kura tivesse a moldado. Os longos cabelos eram como fios de prata que reluziam belamente com a luz do sol, e a pele branca como neve complementava sua imagem como se fosse uma frágil fada do inverno.

Os olhos eram azuis como gelo, possuíam anéis de luz na parte escura das pupilas — a marca que todo anjo possuía — e pareciam sempre observar algum lugar distante e inalcançável.

Qualquer um que direcionasse seu olhar para Luna ficaria desnorteado e se apaixonaria instantaneamente se não fosse pela sua identidade. Raymond até se perguntava se ela não seria, de alguma maneira, a própria Deusa Kura ou a filha dela.

— Perdão, Alteza. Era aquele sonho novamente?

— Sim... é a segunda vez que tenho este sonho enquanto estou acordada, antes só acontecia enquanto eu dormia... — Luna permaneceu em silêncio por alguns segundos quando se lembrou da maneira que o guarda-costas se dirigiu a ela. — E já lhe disse para me chamar apenas pelo meu nome, Raymond.

— Sabe que não posso fazer isso Alteza.

A princesa soltou um leve suspiro. Este era um assunto bem recorrente e ela já estava cansada de tanto se repetir.

— De qualquer forma, o que havia...

— A ABERRAÇÃO ESTÁ ALI! — A princesa foi interrompida por um grito repentino. — VAMOS PEGÁ-LA! —  Era um civil que havia conseguido escalar as muralhas do palácio.

— O QUE DIABOS VOCÊS ESTÃO FAZENDO? — ralhou o responsável pela guarnição das muralhas. — EXPULSEM-OS AGORA!

— Sim senhor! — Os guardas agarraram o civil e o arrastaram para arremessá-lo de volta na multidão.

— Bem... era sobre isso, Alteza — Raymond tentou controlar sua raiva de transparecer na voz. — É melhor entrarmos.

— Ah... certo... vamos... — A princesa tentou soar firme, mas sua voz saiu trêmula e baixa.

Só agora Luna percebeu as centenas de vozes gritando com todas as suas forças e clamando por sua morte.

Essas vozes eram como almas gritando do inferno e amaldiçoando sua existência, tentando agarrá-la e arrastá-la para o submundo e torturá-la pela eternidade.

Luna sentiu uma tontura forte, e quase não conseguiu se levantar, precisando do auxílio de Raymond. Aqueles gritos raivosos a faziam sentir ânsia, e um desespero tomou conta dela, fazendo-a tapar seus ouvidos na vã tentativa de bloquear aquele som terrível.

Esse inferno já se prolongava há meses, e quase todos os dias ouvia as vozes reivindicando por sua morte desde que Ardos, o líder do Conselho, intimou o rei a entregá-la de uma vez por todas.

Nem mesmo quando dormia tinha paz, pois o povo continuava gritando do outro lado das muralhas insultos terríveis contra ela, e na maioria das vezes apenas conseguia dormir por exaustão após chorar por muito tempo.

Ela chorou tanto por causa disso, que agora não conseguia mais chorar, como se suas lágrimas tivessem secado.

— ANDEM LOGO E JOGUEM-O DE VOLTA! — gritou o comandante nas muralhas.

O homem resistia aos guardas com uma força surpreendente, no entanto, não importava o quanto tentasse, ele ainda era um contra dezenas. Ele percebeu que não seria capaz de avançar mais e que mais ninguém havia subido além dele, por isso sacou o cutelo que mantinha escondido em sua calça.

— Ele está armado!

— Não vai conseguir fazer nada com esse brinquedo! Estamos todos com armadura! Continuem empurrando!

Porém, para a surpresa dos guardas, uma chama laranja surgiu da mão dele e cobriu a arma. Mas ao invés de atacar os guardas, ele segurou a arma pela lâmina, preparando um arremesso em um alvo que estava bem distante dali.

— O quê!?

— ELE PODE USAR MAGIA DE FOGO!

— JOGUEM-O ANTES QUE ELE FAÇA ALGO!

Todos os guardas fizeram um esforço conjunto e estavam prestes a empurrar o homem da muralha.

Porém, antes de cair, ele arremessou sua arma e gritou: — QUEIME NO INFERNO SUA ABERRAÇÃO!        

O cutelo rodopiou pelo ar com uma linha de fogo marcando sua rota. De alguma forma, o homem conseguiu mirar perfeitamente e a arma voava furiosamente na direção de Luna.

Contudo, surgindo do nada, uma descarga elétrica súbita atingiu a arma em pleno voo, destruindo-a completamente. O impacto causou um ruído metálico parecido com duas espadas colidindo.

— O que foi isso? — A princesa se assustou com o som, pois parecia perto, entretanto não viu nada quando olhou ao redor.

— Isso o quê?

— Eu ouvi algo...

— Deve ser os guardas nas muralhas. Vamos entrar antes que o povo se agite ainda mais.

— Tu-Tudo bem.

Ambos deixaram apressadamente o jardim e caminharam para o quarto de Luna, que estava apavorada o tempo todo.

Ao chegarem lá, Raymond se pôs de guarda do lado de fora enquanto a princesa entrou, onde se arrumaria para almoçar com seu pai Geoffrey, o rei de Fordurn.

O guarda-costas aguardava atento e preocupado. Fordurn era um reino pequeno, portanto não tinha a mínima chance contra a Vigília, um exército treinado especialmente para lutar contra Anjos. Sem contar que Ardos, o líder do Conselho, afirmou que enviaria um dos dez membros do Conselho, e cada um era tão poderoso que, sozinho, seria capaz de destruir qualquer reino.

Pensando logicamente, Fordurn tinha zero chances de sobrevivência. Contudo, o que diabos Geoffrey faria? Ele deveria simplesmente entregar sua filha — sua única família restante, mesmo que adotiva — que cuidou por 20 anos? Ou ele deveria sacrificar seu povo — que jurou defender no momento que assumiu o trono — pelo bem de sua filha?

De qualquer maneira, Raymond protegeria Luna independente do que aconteceria, mesmo que isso significasse sacrificar sua vida.

— Senhor Raymond, Sua Majestade o convoca em seus aposentos.

O guarda-costas estava levemente distraído quando um homem de cabelos e bigodes brancos o despertou.

Este era Karl, o braço direito do rei, e estava acompanhado de dois guardas.

— Devo esperar que Sua Alteza termine de se vestir.

— Sua Majestade urgiu por usa presença. Estes soldados foram enviados para proteger Sua Alteza enquanto o senhor está fora.

O guarda-costas observou bem os guardas tentando se lembrar de seus nomes: — Manfred e... Theodor, certo?

— Isso mesmo, é impressionante que consegue se lembrar de todos que trabalham aqui, até mesmo eu troco o nome de algumas pessoas as vezes, haha! — respondeu Karl. — Mas é melhor se apressar, deve ser algo importante.

— Tudo bem, voltarei em breve. — O guarda-costas deixou os aposentos de Luna para encontrar o rei.

Ele apenas aceitou deixar a princesa, pois sabia que Karl e os guardas enviados eram de confiança, caso contrário teria continuado lá até que alguém confiável aparecesse ou até que ela estivesse pronta.

Raymond caminhou rapidamente até os aposentos do rei, e mesmo assim demorou alguns minutos até chegar, pois o palácio estava extremamente agitado devido à ameaça do Conselho.

Enquanto caminhava, sentiu um leve incomodo atrás de sua orelha esquerda e, usando suas mãos, retirou um pequeno objeto metálico e afiado preso em sua pele, que estava levemente molhada de sangue.

— Deveria ter usado um pouco mais de poder... — comentou consigo mesmo.

Continuou seu caminho e finalmente chegou no seu destino.

Ao chegar, bateu à porta e pediu permissão antes de entrar: — Vossa Majestade, estou aqui atendendo vosso chamado.

— Raymond? O que está fazendo aqui? E que chamado? — respondeu o rei ao mesmo tempo que um serviçal abria a porta.

Ao entrar, se deparou com o rei Geoffrey. Estava sentado na mesa com pilhas de documentos logo em cima. Tinha um semblante cansado e sua aparência complementava isto: os longos cabelos e barbas brancas pela idade, os olhos escuros, cansados e com profundas olheiras e, apesar da altura, o cansaço o fazia curvar um pouco as costas.

— Karl me avisou que Vossa Majestade me convocou em seus aposentos. Peço perdão pela demora, todos no palácio estão agitados devido a...

— O quê? Karl estava aqui agora a pouco, ele partiu pouco antes de você cheg...

Antes que Geoffrey pudesse terminar sua frase, um grande estrondo pôde ser ouvido por todo o palácio. Pelo tremor e som, parecia ter sido uma explosão.

— Maldição! Raymond vá proteger Luna! — urgiu Geoffrey desesperadamente.

— Sim, Vossa Majestade! — O guarda-costas saiu em disparada de volta aos aposentos de Luna.


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