O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 9: Pequeno Jardim

Já havia se passado um mês desde a — grande ideia — do velhote. Eu não tinha consciência, do quão absurda era e só fui notar a furada em que tinha me metido já muito tarde...

O treino também estava ficando cada vez mais pesado. Estava fazendo cerca de 500 flexões apenas para começar o dia. Entretanto, já estava conseguindo ver algum resultado no meu corpo — na verdade — acho que até o velhote tinha notado, por isso, houve algumas mudanças no meu treino desde então.

Depois de eu reclamar pra ele sobre o quão minhas antigas roupas atrapalhavam no meu treino, ( estavam rasgadas e acabadas ) ele acabou me dando um short ( ou o que aparentava ser um ) para eu treinar. Visto que minha roupa antiga estava acabada e rasgada. Além de — imprópria — para treinamento.

Isso mais parece uma roupa pra tomar banho no rio, do que uma roupa adequada. Mas fazer o que...

Ele disse que não aumentaria mais o meu número de flexões, esse seria o limite. Obviamente, eu fiquei um tanto chateado quanto a isso. Logo agora que meu corpo estava ganhando alguns músculos, sem nenhum prévio, eu teria que simplesmente parar de treiná-lo? Fiquei irritado com ele e deixei isso bem claro!

Mas, ele apenas riu de mim, como sempre fez. Apesar disso, aquele velho gagá me deu um — trabalho — a mais, uma vez por semana. Talvez tenha a ver com meu treinamento, mas não tenho certeza. Ele apenas disse algo sem muito contexto, como toda vez.

— Não adianta ter muitos músculos, se você não saber como usá-los. — explicou, com um tom sério como se quisesse que eu prestasse atenção. Por isso, eu te dei a tarefa com o jardim.

— Além disso, não é como se eu tivesse dito pra parar de treinar o seu corpo. Eu só não vou aumentar mais a carga sobre ele.

Eu não entendia tudo o que aquele velho gagá falava. Algumas vezes, ele só parecia estar mais senil do que o habitual, mas, eu o respeitava. Naquele pouco período de tempo em que estive vivendo com ele, eu já o reconhecia. Claro, isso não significava que eu concorde com tudo o que ele falava, as vezes, era só loucura dele mesmo. Mas... sei lá... ele é legal.

Desde que eu cheguei naquela cabana, ele nunca me tratou mal, e tipo... ele nunca aparentou ter segundas intenções, como as pessoas de Yve. Não havia nem sentido nele me deixar vivendo ali. Se ele quisesse apenas me salvar, ele apenas teria me ajudado e depois me mandado embora. Mas, ele não fez isso.

Eu ainda não tinha entendido o motivo dele querer me treinar, mas, acho que isso é irrelevante. Ele cuidou dos meus ferimentos, sem nada para ganhar em troca. Dividiu de seu próprio alimento comigo, mesmo não tendo muito. E me deu um teto para que pudesse viver, mesmo que não seja nada tão luxuoso. O que eu quero dizer é... todos os dias que compartilhei com ele até agora são divertidos.

Nós conversávamos, brigamos e nos divertimos todos os dias. Nos provocamos a todo tempo, como se fossemos crianças, mas acho que é nossa forma de nos comunicar.


Talvez depois que o jardim estivesse concluído e o meu treinamento tivesse acabado, eu teria que ir embora. Mas talvez... só talvez... ele precisasse de alguém pra cuidar dele. Ele já está bem velho e acabado. Quem sabe ele precisasse de um jovem forte e saudável pra cuidar dele... bem, eu não me importaria em ajudá-lo, como uma forma de retribuir o que ele fez por mim.

Bom, isso não importa agora. Era mais um dia de trabalho no jardim. Então, depois de fazer meu treino matinal e almoçar, Erich me deu a ordem do que fazer.

Era a mesma coisa da última vez. Eu tinha a esperança de que ele mudasse para algo mais tranquilo, visto que eu tinha quase morrido na última vez. Fui muito inocente achando que aquele demônio demonstraria um pingo de piedade comigo.

— Continue fazendo o mesmo de sempre, ok?

— Tem certeza, velhote? Realmente não tem mais nada para fazer?

— Não.

— [...]

Então, depois de respirar fundo e fechar meus olhos tentando — me estabilizar mentalmente — apenas aceitei meu trágico e fatídico destino...

— Quer que eu repita o que fazer ? — Perguntou, com um tom de voz calmo, como se já soubesse minha resposta.

— Não, valeu...

O trabalho era simples. Tinha que pegar o máximo possível de pedras, que serão necessárias para a decoração do jardim. Parece ser um trabalho — simples — mas não era mesmo. Isso porque as pedras que ficam ao redor da cabana, são um tanto pequenas em sua maioria.

Claro, se procurasse bem pela floresta, tinha uma grande probabilidade de encontrar pedras um pouco maiores. Mas, por alguma razão, o velhote insistia que eu fosse a CACHOEIRA buscar essas pedras. O que era muito mais cansativo e problemático, visto que eu teria que atravessar toda floresta com uma grande rocha na mão.

Não satisfeito, ele ainda me obrigava a correr com aquilo pela floresta. E por mais que eu tenha ganhado alguns músculos recentemente — correr — com uma pedra na mão numa — floresta — cheia de árvores e obstáculos era muito difícil.

Na última semana havia chovido durante o trabalho. Devido a isso a terra ficou molhada tornando ainda mais problemático de se mover. A quantidade de vezes que eu caí naquele lamaçal era incontável. Lembro de ficar tão moído a ponto de cair de cansaço, assim que acabei meu serviço. Acordei horas depois com um balde de água fria do velhote ( que provavelmente estava irritado por ter jogado conversa fora sozinho ).

Não aparentava que iria chover hoje, entretanto o sol estava de lascar! Daria pra fritar um ovo, se eu tivesse um pouco de óleo de soja ( acho que eu poderia ter um pouco mais no almoço ).
De qualquer forma, o trabalho hoje seria pesado. Era melhor eu começar o mais rápido possível.

Correndo em direção a cachoeira, me lembrei do trabalho impressionante que o velho faz. É realmente — incrível — quando vi o que ele faz, eu fiquei sem palavras. Ver aquilo com meus próprios olhos só meu deu mais vontade de aprender sobre o Nill.

Erich tem uma habilidade de modificação. Com esse poder, ele consegue moldar seres inanimados: como pedra e água. Assim, ele consegue decorar o jardim, da forma que ele e Holly sempre sonharam. Segundo ele, essa é uma habilidade bem comum. 

Por mais que seja uma habilidade considerada — simples — foi realmente incrível pra mim.

O problema é que Erich não aguenta fazer muito esforço. Ele é bem teimoso quanto a isso e se esforça mais do que deveria. O — jardim — é um tema delicado pra ele, isso faz ele agir de maneira irracional. Na última semana, ele acabou desmaiando; não entendo ainda nada sobre esse Nill, mas é claro que tem a ver com isso.

"Droga! Esse velhote idiota vive me preocupando."

Ver um senhor da idade dele perdendo a consciência foi desesperador. Ele acabou caindo no chão e se machucou um pouco. Tive que passar mais tempo cuidando dele, do que treinando. Não demorou pra ele recuperar acordar, mas ainda sim, não foi fácil.

Com certeza, seu desmaio teve a ver com excesso de trabalho. Mas se eu pedisse pra ele não se esforçar tanto, ele não me escutaria. E não posso culpá-lo por não escutar. Ele devia querer terminar com o jardim o quanto antes, eu sei disso.

Mudando de assunto, finalmente havia me encontrado com a cachoeira.

O sol quente batia na água, o que fazia doer um pouco os olhos quando me concentrava nela. Caminhei em direção as pedras que ficam envolta da margem, havia várias delas — mas Erich me disse pra sempre pegar a maior possível. Enxerguei um pouco a frente, uma que parecia perfeita.

Assim que comecei a andar sobre as pedras me arrependi em um piscar de olhos.

AI! AI! TÁ QUENTE, TÁ QUENTE! – Gritei, alternando pulos entre o meu pé direito e esquerdo.

Toda vez acontece a mesma coisa. Eu me esqueço que não estou calçado e piso nas pedras que estão pelando devido ao contato contínuo com o sol.

Depois de sair de cima das pedras, peguei meu pé esquerdo com ambas as mãos e estendi a palma para cima — vi que estava vermelho — ardia bastante e algumas bolhas se formaram sobre a pele.

Eu não ainda havia acabado meu dever. Tinha que levar algumas pedras para o velho que provavelmente já estava me esperando. O problema é que já tinha começado com o pé esquerdo ( literalmente ). Só de pensar na dor que sentiria agora, já me arrependia de não ter implorado pro velhote por outro serviço — ou que pelo menos — eu buscasse materiais em outro lugar.  Mas já era tarde...

Ainda segurando a sola de meu pé pra cima, fechei meus olhos para reunir a coragem que precisava. E assim que fiz... corri!

Ngh...Argh...Khhhhh...

A dor era excruciante. Mas tinha que ser rápido. Corri em direção a grande pedra que havia perto de mim e a agarrei! Em seguida, disparei pra dentro da floresta em alta velocidade.

 
A pedra era enorme. Seu peso fazia meus dedos ameaçarem a ceder a todo momento. Não apenas isso — seu formato — arranhava meus dedos, então busquei manter ela junto de meu corpo buscando algum conforto — o que não deu certo —  visto que isso me impedia de manter a velocidade.

Da cachoeira a casa do velhote era cerca de 30 minutos a pé. Mas, correndo a toda velocidade creio que esse número diminua para uns 20 minutos. Ficar andando com esse trambolho na mão, ( mesmo com o aumento do tempo de caminhada ) parecia ser a melhor opção a primeira vista — mas isso seria errôneo. Eu só iria me cansar ainda mais e meus braços e pernas, em algum momento, cederiam devido ao peso da pedra.

Então a melhor opção seria mesmo continuar correndo.

Essa era disparada a maior pedra que eu peguei até aquele dia, e a mais pesada... acho que cada semana eu acabava escolhendo uma maior, talvez fosse apenas instintivo, mas é algo a se notar. Provavelmente, isso era uma forma minha de testar minha força.

Correr por aquela floresta era exaustivo, mas com muito esforço, consegui finalmente chegar em casa.

Assim que vi o velhote, larguei a pedra perto do lugar onde ele estava. Ele estava podando os arbustos de frutinhas, era provável que estivesse cansado de me esperar e apenas optou por um trabalho alternativo.

— Oh? Chegou, garoto? — Indagou, obviamente me provocando, visto seu tom de voz. — Você demorou... Hehehe! Não me diga que estava pesado?!

Grrr! É Óbvio que não! — Exclamei, furioso. — Apenas... estava aproveitando a caminhada.

Ah?! É mesmo...? Hehehe... sei...

Aquele velhote safado não perdia uma chance de me provocar.

"Na próxima vez, vou pegar uma pedra ainda maior!! Você vai ver!!"

Depois de tatear a pedra. Ele pediu para que me mantivesse um pouco longe, pra caso houvesse algum problema.

Depois de fechar seus olhos, ele estendeu a palma de sua mão em direção a pedra. Erich então se concentrou, como se fosse bater um pênalti decisivo numa final de copa do mundo e então aquela pedra enorme começou a flutuar. Era incrível!

Ele então começou a tirar todas as — imperfeições — da pedra. A deixando perfeitamente adornada, para mais tarde ser usada como decoração do jardim.

Depois de terminar seu serviço, ele parecia exausto. Bom, ele tinha desmaiado na última semana, então pensava que tinha correlação com isso.

Ele logo se sentou em cima da mesma pedra e eu preocupado com sua reação, me ajoelhei ficando na altura de seu rosto. Ele tinha uma afeição cansada, mas parecia bem.

Ufa... garoto, me diga, a rocha tem alguma ponta ou está esfarelada?

Humm — olhei em direção a rocha em que ele estava sentado, parecia tudo OK — Não não, ela está bem lisa, sem qualquer imperfeição.

Depois de raciocinar um pouco, pelo o que eu tinha dito. Ele finalmente disse:

Huuumm... parece bom, então! Obrigado, Iori! — Disse, com um grande sorriso.

Ele então estendeu seu braço até minha cabeça e começou a esfregar meus cabelos com gentileza. Fui pego totalmente de surpresa com essa ação dele.

— [...]

— Velho...maldito... — Disse, com o rosto com um pequeno tom de vermelho, talvez um pouco emburrado.

Esse velhote sempre me pega desprevenido com essas ações dele. Ele é totalmente indecifrável.

Mas, eu não vou mentir que...talvez fiquei um pouco feliz com isso...

Eu nunca tive uma figura paterna. Ou até tive mas... ele não foi exatamente alguém admirável, como eu penso que um homem que se diz — pai — deve ser.

Minha mãe, também foi meu pai. Eu valorizo isso. Por mais que eu seja alguém ruim, eu sei todo o esforço que ela fez pra me criar devido a ausência de um — pai. Ainda sim, acho que a figura paterna não pode ser substituída por ninguém, assim como a materna também não.

Além disso, minha mãe muitas vezes estava ocupada. Ela tinha que assumir a falta de um pai, então, ela tinha que cuidar de casa e ir trabalhar. Isso, com certeza, era exaustivo para ela.

Então, não era sempre que ela podia passar um tempo comigo. Contas, aluguel, comida... com o passar dos anos, nosso tempo juntos foi ficando cada vez mais escasso.

Claro, Emi sempre se esforçava para passar o pouco tempo que tinha comigo. Mas, eu mesmo comecei a me afastar dela. Talvez por rebeldia... não... acho que apenas queria que ela descansasse devidamente, ao invés de ocupá-la fazendo ela se preocupar comigo.

Nesse meio tempo, ainda houve o nascimento de minha irmãzinha — Hana. Então, o tempo dela que já era escasso se tornou ínfimo.

Então, enquanto caminhava sozinho — ás vezes — observava pais levando seus filhos: pra escola, pra um parque de diversão... algumas vezes, só passando algum tempo com eles.

Uma cena que não me esqueço até hoje, é de um casal segurando a mão de seu filho. Seus olhos brilhavam enquanto olhava para seus pais e os mesmo retribuíam com um sorriso genuíno. O pequeno garoto saltava tendo certeza que seus pais não largariam de sua mão.

Yey!

Hahahaha! Yuichi, esse garoto!

— Ele é igualzinho a você quando pequeno. — Disse, a mãe do garoto. — Yuichi, o que você vai querer no jantar, querido?

Katsudon¹!!

— De novo?! Hahahaha!

Acho que o invejava... Mas não tinha consciência disso.

Em alguns momentos, imaginava como seria a vida com um pai. Será que ele me levaria a escola? Jogar conversa fora com ele faria as monótonas caminhadas pra escola seriam menos tediosas. Talvez ele poderia me ensinar a jogar Baseball. Constantemente via meus amigos jogando na escola — mas era meio chato jogar sozinho. Se eu fosse acampar com ele, quem sabe ele poderia me ensinar a pescar... tenho certeza que seria divertido!

Quando o velhote agia dessa maneira, ele me lembrava do estereótipo de um — pai perfeito — que sempre ponderei em minha mente.

Claro, nessa perspectiva — nossa relação — estava longe da forma como eu idealizava quando criança. Brigamos e discutimos o tempo todo, pregamos peças um no outro e agimos como se fossemos pirralhos. Contudo, ele cuidou de meus machucados.  Ele me aconselhou todos os dias como ser alguém melhor — um homem melhor...

"Talvez eu esteja pensando demais... é, provavelmente..."

Nesse meio tempo, o velhote pareceu ter se lembrado de alguma coisa.

— Ah, é mesmo...

Hã?

—...O Verão já está chegando. Não é mesmo?

Huh...? Eh... está?!

Desde que eu vim para esse mundo, eu nunca pensei sobre como funciona o tempo aqui. Eu até tive bastante tempo para perguntar sobre esses assuntos, mas os dias eram tão divertidos que eu acabei me esquecendo.

Hehehe!

— ?

— Eu sempre quis fazer isso! — disse, com um sorriso de orelha a orelha. — Tenho certeza que será divertido!

 

 

 

 

 

¹Prato japonês, constituído por arroz coberto por tonkatsu temperado com molho próprio e envolto por ovo bem cozido ou não. 


 

 

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários



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