Volume 1
Capítulo 10: Erich Lume (1)
PONTO DE VISTA: ERICH LUME
"Ter uma vida plena é a melhor benção que um humano pode ter."
Eu não pensava dessa maneira no inicio... esse ideal foi moldado a partir do meu convívio diário com Holly — ela me ensinou isso. Antes de conhecê-la, meu objetivo seria um dia liderar a minha família; me tornando um nobre de mente e alma e levar nosso clã ao topo. Meu pai queria isso, ou melhor, ele me disciplinou pra alcançar esse sonho.
Como uma criança que só quer ver o seu velho contente, tomei o seu sonho como se fosse meu e me moldei para alcançar esse alvo. Estudava como louco: como eu deveria me comportar, boas maneiras e os valores virtuosos de um nobre. Além disso, tive que receber instrução especial para que um dia me tornasse o chefe da família. Conciliar isso com os estudos era realmente difícil...
Era pequeno, mas isso não significava nada. Se demonstrasse qualquer mínimo indício de fraqueza, era punido de maneira severa.
Hehehe! A régua de madeira deve ter o formato de minha mão cravado nela...
Apesar disso, até aquele momento, não odiava meu pai. Eu era da nobreza — isso era algo bem comum. Contanto que um dia conseguisse fazê-lo sorrir de orgulho pra mim já seria suficiente.
Meus dias eram todos enfadonhos. Não podia sequer brincar com as outras crianças de minha idade, meu pai enxergava isso como — desnecessário — ele sempre me dizia: — Se tem tempo pra jogar tempo fora, então tem tempo pra estudar!
Claro, não vou mentir, com o passar do tempo comecei a ficar realmente exausto com todas aquelas coisas. Desde pequeno, tive que — amadurecer — precocemente, nunca me foi permitido agir como uma criança normal. Eu não podia chorar — não podia brincar — não podia fazer birra. Só me era permitido estudar, para um dia suceder o meu pai. Apenas isso.
Minha mãe era bem diferente do meu pai. Ela não era da família Lume — ela foi dada em casamento ao meu pai — e sua maneira de pensar era bem diferente dele. Ela dizia pra ele, que eu tinha que me divertir, ser uma criança comum. Mas, meu pai enxergava isso como uma grande bobagem!
Ás vezes, quando ela insistia muito no assunto, meu pai se irava com ela e a agredia.
Não entendia o porquê dela fazer isso. Não por que não entendia seus sentimentos, mas sim, porque era inútil. Éramos nobres. Ela também vinha de uma família nobre, ela já deveria saber disso.
Sem contar que ela é uma mulher. Ela sabe muito bem que por mais que ela tenha certa — autoridade — por ser esposa de um nobre, o mesmo se volta contra ela quando ela age dessa maneira. Mas, ela não desistia! Sempre que tinha alguma oportunidade ela se voltava contra ele.
Com o tempo a relação entre os dois foi se deteriorando. Tinha algum medo de que ela sofresse alguma — punição por parte dele — meu pai tinha algum poder visto que era um conde. Por isso, eu mesmo pedia pra que ela parasse de se opor a ele.
Eu sempre fui mais próximo ao meu pai. Eu o respeitava, logo queria ser como ele. Mas, com o passar dos anos, fui me tornando mais próximo de minha mãe.
O que me fez me aproximar dela? Não tenho certeza... mas ela brilhava pra mim. Acho que seu esforço em me fazer feliz, brilhava aos meus olhos. Quando percebi, ela era a pessoa que eu mais amava. Aos poucos, minha relação com meu pai esfriou — não que tivesse alguma coisa pra esfriar... Hehehe!
Bem, acho que o ponto de partida pra isso acontecer foram meus aniversários. Para meu pai, meus aniversários eram mais uma forma de estreitar laços com outros nobres. Eu não podia convidar as crianças de minha idade que brincavam até tarde na rua. Os convidados eram pré-selecionados por meu pai. A maioria eram homens de meia-idade, que vestiam terno e gravata.
Não podia me divertir ou encher minha pança de comida, visto que tinha que manter uma boa aparência e agir de — maneira apropriada — isso significava ficar em pé no meio de todos apertando as inúmeras mãos que vinham me cumprimentar. Era bem cansativo, eu tinha vários dias ruins, porém, com toda certeza o pior dia do ano era sempre meu aniversário.
Até porque, se eu não agisse como um verdadeiro nobre durante todo o dia — se eu cometesse um pequeno deslize — eu já sabia o que me esperaria no fim do dia...
Minha querida mãe, notou isso. Então, ela teve uma ideia ousada.
Todo dia — seguinte ao meu aniversário — ela me dava outra festa. A mansão da nossa família era enorme: com vários cômodos e quartos de diferentes tamanhos. Em um desses cômodos, minha mãe me deixava agir como eu quisesse, eu era livre pra agir como uma criança comum. Ela me comprava um bolo enorme e me dizia que eu podia comer o quanto quisesse e enchia a mesa desse cômodo de diferentes pratos diferentes.
Nos dois primeiros aniversários, eu ainda estava um tanto nervoso. Tinha medo de que meu pai descobrisse; se ele encontrasse essa sala ele com certeza não teria a menor piedade. Ainda assim, não queria desfazer dos esforços de minha mãe, então passava aquele tempo com ela.
Com o passar dos anos, aquele dia se tornou muito especial. Eu podia rir e brincar com minha mãe — juntos podíamos comer comidas gostosas e ela podia passar a mão em meu cabelo. Se o dia do meu aniversário era o dia mais triste, então o dia seguinte a ele, era o dia mais feliz.
Claro, evitávamos fazer muito barulho. Isso podia acabar nos denunciando. Ainda sim, nos divertíamos bastante! Eu não podia trazer algum amigo — não que eu tivesse algum — mas não me importava, porque minha mãe, minha amiga, estava comigo.
Infelizmente, depois dos dias de calma, logo vem a tempestade...
Meu pai acabou descobrindo sobre o que minha fazia. Pelo jeito, umas de nossas servas acabou escutando e acabou relatando pra ele. Ele já desconfiava, visto que eu sumia todos os dias após meu aniversário. Isso era estranho, já que ele não me encontrava em lugar algum.
Quando ele descobriu, ele ficou com tanto ódio que me espancou como nunca tinha feito. Ele fez isso com um bastão de madeira — e não parou até que hematomas roxos — aparecessem em minha pele. Eu tinha 12 anos, quando isso aconteceu. E ele só parou de bater em mim, quando um visitante chegou, ele precisava manter as aparências então saiu.
Minha barriga doía muito. Ele tinha batido nela com a extremidade do bastão. Era difícil até de respirar; lembro que o chão a minha frente estava coberto de saliva, porque tentava manter minha boca aberta para conseguir respirar.
Se mexer era doloroso, devido aos vários machucados presentes em todo meu corpo. Pequenos espasmos se estendiam dos meus pés a cabeça. Parecia um inseto esparramado no chão. Talvez meu pai pensasse a mesma coisa. Talvez ele me enxergasse da mesma maneira.
Não tinha qualquer força mental ou física para me levantar — nem queria — mas então, eu me lembrei de minha mãe. Se ele tinha feito isso comigo, nem imaginava o quão longe ele tinha ido com ela.
Então, mesmo sem qualquer força em minhas pernas, me obriguei a me levantar. Eu não tinha visto ela o dia inteiro, então seria difícil de procurá-la. Talvez ela até mesmo tivesse fugido de casa, se ela fizesse isso eu não me importaria — desde que ela ficasse bem.
Mas, então eu escutei um grito longe, vindo do fim do corredor.
— KYAAAAAAAAAAAAAA!!! M-MINHA SENHORA!!! A-ALGUÉM AJUDE!! POR FAVOR!!
—...M-Mãe.....
Minha perna direita estava uma porcaria, doía muito quando eu pisava, então decidi apenas usar a parede do corredor pra me manter em pé.
Praticamente me arrastei até a sala onde minha mãe estava. Vários de nossos funcionários corriam para dentro da sala. Aquele lugar... era onde fazíamos os meus aniversários escondidos.
Quando eu finalmente cheguei na sala, havia muitas pessoas lá dentro. Eles estavam todos em volta de minha mãe, então era difícil de ver alguma coisa. Quando os nossos servos, me perceberam, viram o quão machucado estava.
— Vossa excelência?! Por que o senhor está tão machucado?! — Indagou, com medo e surpresa em sua voz. Era visível que ele estava temeroso, visto que se eu me machucasse seriamente eles poderiam acabar sendo punidos. — Alguém leve o senhor Lume até um médico!! Rápido!!
Eu não tinha interesse neles agora. Eu apenas queria ver a minha querida mãe. Então, nem levantei minha cabeça em direção a eles — apenas segui em frente — em direção a ela.
—.....Ah...Ah...Aah...
Os servos devem ter percebido minhas intenções. Visto que eles abriram caminho. De relance observei os seus rostos — eram amargos e tristes.
Não me importei. Apenas segui em frente, ansioso para ver o rosto de minha mãe. O lindo rosto que fazia as trevas de meu coração se dissiparem. O rosto que trazia paz a minha alma — o meu porto seguro.
Mas... quando olhei em seu rosto... ela não era minha mãe...Não! Na verdade, era sim. Só não parecia.
Seu belo rosto estava deformado. Meu pai provavelmente deu vários golpes nele com aquele bastão. Sangue escorria dele para a madeira, formando uma poça de sangue. Ela estava com o corpo jogado no chão de uma forma totalmente antinatural. Semelhante a mim, espasmos percorriam todo seu corpo, mas eram bem mais evidentes.
—...COF! NHH...COF! NHH...
Sua boca estava aberta — sangue e saliva — escorria por ela. Ela começou a tossir como louca, era óbvio que ela estava se engasgando.
— Alguém segure a cabeça dela!! Não deixem ela se engasgar!!
— Droga!!! Cadê o médico?!!
Uma das servas levantou a cabeça dela e deixou a mesma virada de lado, para que ela não engasgasse com sua própria saliva. Ela também pediu para que ninguém tocasse no corpo dela até que o médico chegasse.
Nesse momento, minha mãe cuspiu uma grande quantidade de sangue e saliva. Ela também parecia respirar com dificuldade. Seus olhos tremiam e estavam foscos, mas ainda sim, ela mantinha eles fixos em mim.
Eu estava boquiaberto. Minha mente estava — branca e vazia — mal conseguia formular pensamentos. Minha boca era incapaz de se fechar devido ao estado de pânico em que me encontrava. Não conseguia nem ficar irritado ou triste, pois estava apenas... existindo.
Quando o médico finalmente chegou na sala, ele passou como um raio por mim. Parecia que era sua folga, mas ele quebrou um galho, visto que um pedido da nobreza.
— Onde está a paciente?!
Assim, que ele viu o estado em que minha mãe se encontrava — seu rosto se nublou completamente. Não apenas isso, ele começou a usar sua habilidade de cura, para fazer os primeiros socorros. Mas, então... ele passou a mão pela barriga dela...
— Meu...Deus...
Sim. O verdadeiro motivo, pelo estado de choque em que todos ali se encontravam.
— Ela... está... grávida...?
Minha mãe estava grávida de oito meses. Ela já tinha dado a notícia a toda família e todos estavam muito eufóricos e contentes. Esse provavelmente era o motivo dos seus espasmos; por isso que eles eram tão fortes, diferentes dos meus.
— ELA ESTÁ ENTRANDO EM TRABALHO DE PARTO! QUALQUER PESSOA QUE NÃO FOR AJUDAR, SAIA DA SALA!
Os servos começaram a tentar me carregar pra fora da sala. Eu estava totalmente em choque, então, nenhum músculo meu se movia.
A única coisa que se movia era meus olhos. Foram eles que se moveram em direção a minha mãe uma última vez. Enquanto era carregado pelos servos da casa, observei o rosto dela mais uma vez. Ela levantou um de seus braços, mesmo engolindo tanta dor. Lágrimas saíam de seus olhos e então ela disse:
—......m-m...me.....des...cul...pe....
Eu que tinha que me desculpar. Eu que tinha que me desculpar...
Se eu não tivesse a escutado isso não teria acontecido. Se eu não tivesse ido a esses aniversários ao qual ela preparava pra mim, isso não teria acontecido. Eu perderia meus dias felizes, mas isso não teria acontecido.
Nunca me foi permitido chorar. Desde pequeno me foi ensinado que um homem nunca deveria chorar, quanto mais um futuro sucessor da família Lume.
"Nunca mostre fraquezas." — Esse foi sempre o lema de nossa família.
Eu sabia que se derramasse lágrimas. Levaria um soco por cada lágrima derramada. Eu sabia que se chorasse, alguém sofreria por mim: seja algum servo ou até minha mãe. Por isso nunca fui egoísta e sempre me esforcei para que nunca chorasse.
Quando foi que me tornei tão egoísta? Por ter demonstrado minhas — fraquezas — minha mãe agora estava pagando por isso. Eu sou nobre, já nasci — abençoado — visando a quantidade de pessoas em nosso mundo que vivem em pobreza extrema.
Nunca me foi permitido chorar. Por isso, me mantive forte. Não desisti de você, até eu mesmo receber a notícia mais tarde...
Já era noite, quando o meu servo pessoal veio ao meu quarto me dar a notícia. Lembro de ficar andando pelo piso de madeira até que ele chegasse.
— Heitor! Me diga, por favor... como está ela?
— [...]
— HEITOR!!
—.......M-Me des...culpe...
— Hã?!
—...A Senhora Anna... Faleceu...
Nunca me foi me permitido chorar. Por isso não fiz, até aquele momento.
“Mas...mãe... só por hoje você poderia fazer vista grossa? Me permitiria que eu chorasse por você?”
Mesmo que não permitisse, eu choraria. Mesmo que meu pai se irritasse e gritasse comigo, eu choraria.
Choraria porque naquele momento, eu não era mais Erich Lume — o nobre. Mas sim, Erich Lume — o filho de Anna Lume.
“Então me permita...chorar. Por você...”
Então, eu chorei. Derramei lágrimas e gritei como jamais tinha feito em minha vida. Porque naquele dia, perdi a pessoa que mais me amou e a qual eu mais tinha amado até então.
Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários