Volume 1
Capítulo 11: Erich Lume (2)
Ponto de vista: Erich Lume
"A morte é o fim de tudo — um destino inelutável."
A morte de Anna foi um terrível choque pra mim. Minha amada mãe não estava mais comigo, então, a partir daquele dia estaria por minha conta. Ela era a única pessoa que estava sempre ao meu lado, não importava qual situação enfrentasse. Todas as pessoas a consideravam uma mulher forte e indomável, e eu também pensava dessa maneira.
Mesmo que meu pai, vez após vez, tentasse nos separar; ela como um — nó forte — não se soltava de mim. Pensava que nada podia nos separar. Ela era muito ligada a mim e com o tempo, eu também me apeguei a ela. Éramos inseparáveis... ou era o que eu achava. Havia um fator que eu não havia considerado até então. Um destino irrevogável e cruel a todos que vivem — a morte. A morte é o fim de tudo, não há como se opor a isso. A morte... me separou de minha mãe.
Esse é o ciclo da vida: nós nascemos, vivemos e por fim, morremos. Nem mais, nem menos — apenas isso. Por isso, sempre achei a vida como algo injusto e cruel. Somos apenas mais um; vivendo muito ou pouco, não faz qualquer diferença — é irrelevante. Se compararmos nossas vidas a um manuscrito, então a morte é como uma labareda enorme, que subjuga cada página desse manuscrito.
Se eu fizer uma autorreflexão isso fica mais evidente. Tive a — sorte — de nascer como um nobre, porém, no fim, terei o mesmo destino de alguém que vive na miséria. Pode demorar mais, pode acontecer mais rápido, mas o resultado é o mesmo. Por isso, eu considero a morte a única coisa que é justa no mundo inteiro; já que no fim, ela vem a todos.
Considero a vida como um manuscrito, porque — escrevemos — nossa história nele. Amor, amizades e sonhos — nossa história é escrita a base de tinta.
Considero a morte como fogo, porque ela — apaga — qualquer evidência do manuscrito. Tudo o que você escreveu nele é jogado no fogo ardente, até que não sobre nada.
Então, do que adianta escrever nesse manuscrito, se no fim, ele será apagado?
Talvez a exceção em meu mundo, seja as pessoas famosas: como reis, imperadores e heróis famosos. Mas, ainda sim, isso é relativo. Eles apenas são ocasionalmente lembrado por seus feitos, mas com o passar dos anos, eles são esquecidos. Seus feitos antes incríveis são reduzidos a comuns. De modo que, se a morte por fim é justa, então, o tempo é cruel.
A morte de Anna teve um enorme impacto na família Lume. Não apenas a senhora da casa havia morrido, mas ela também estava grávida. Isso era muito grave. Não apenas isso, todos sabiam que havia sido meu pai — o responsável pela sua morte. Apesar disso, todos os funcionários de minha casa tinham muito medo dele. Por isso, eles não o denunciaram a nenhuma autoridade. Mesmo se o fizessem isso não teria nenhum sentido, ele é um nobre. Ele provavelmente podia ocultar tudo isso com enorme facilidade.
Ainda sim, ocultar a causa de sua morte seria muito díficil. Nesse caso, meu pai precisava de um álibi pra agir e foi o que ele fez.
Ele apenas divulgou que Anna tinha sofrido um acidente trágico — caindo depois de passar mal da janela de nossa casa. Minha mãe realmente gostava de passar um tempo respirando um pouco de ar fresco na janela de seu quarto; ela gostava de cumprimentar nossos vizinhos que caminhavam pelas ruas ou as crianças que brincavam em frente a nossa casa. Anna sempre foi uma pessoa muito amável e carinhosa; mesmo sendo uma nobre ela sempre foi querida por todos.
Apesar disso, a frente de nossa casa sempre foi bastante movimentada. Isso deixou alguns furos em sua história. Mais tarde, ele complementou dizendo que ela tinha caído da janela a partir das 22:00 e que só foi encontrada 1 hora depois por um servo da casa. Foi uma jogada de mestre dele, visto que além de abafar toda aquela confusão, também explicou os motivos dela não ter conseguido resistir ( já que demoraram até perceber a ausência dela ).
Os moradores não costumam ficar fora das suas casas a partir das 20:00, então, seria difícil alguém perceber aquela mentira. Além disso, vivemos em um lugar muito frio e cheio de neve, então o barulho da queda teria sido abafado, dificultando os moradores de escutarem alguma coisa. E mesmo que alguém soubesse que tudo isso era mentira, não adiantaria nada — devido ao meu pai ser um nobre.
Entretanto, os parentes de Anna ficaram furiosos e muito abalados com essa notícia. Eles eram a pessoas que mais tinham desconfiança das palavras de meu pai. Meus avós queriam vê-la sua filha querida por uma última vez, mas meu pai sempre inventava uma desculpa — a sua mais padrão — era dizer que eles estavam sendo insensíveis com ele, visto que ele tinha perdido sua mulher e filho numa só noite.
Meus avós odiavam meu pai. Eles sabiam que ele é um homem odioso, por isso, eles tentavam conseguir alguma informação que os ajudasse a desmascará-lo. Eles tentavam convencer algum servo a abrir a boca, mas era em vão; ninguém estava disposto a falar nada. Lembro que eles tentaram falar comigo sobre o assunto, mas eu apenas desconversei sobre o assunto. Meus avós também não insistiram em falar comigo; eles também me odiavam, já que me aparentava muito a meu pai.
Não é como se eu não odiasse meu pai. Não é como se eu não quisesse vingar a morte de minha mãe. É só que... não valia a pena...
Minha mãe foi punida por culpa minha. Se não fosse pela minha rebeldia insensata... ela não teria morrido. Se apenas tivesse aceitado o meu destino, ela ainda estaria comigo. Caso agisse com rebeldia mais uma vez, nem consigo imaginar o que poderia acontecer... até meus avós poderiam ser pegos dessa vez.
Não podia mais ser egoísta. Teria que aceitar o meu destino, gostando ou não.
Com o tempo, toda poeira foi jogada pra baixo do tapete. Não havia qualquer prova que o incriminasse de algo e além disso, mesmo que aos poucos, as pessoas foram esquecendo do caso. Anna já estava morta e as pessoas tinham que seguir suas vidas.
Meu pai depois de algum tempo, também arrumou outra esposa — de uma família importante — de uma cidade vizinha. Ele era cada vez mais respeitado por todos e seus negócios estavam indo muito bem. Em outras palavras, ele estava vivendo em seu auge — enriquecendo a cada dia. Quando ficasse velho e cansado, seu filho então, poderia o sucedê-lo e finalmente ele poderia descansar seus velhos ossos.
Estava tudo ocorrendo conforme seu plano. E não tinha forças para lutar contra ele. Estava apático sobre tudo e todos.
E continuou assim até meu aniversário de 16 anos. O que seria apenas mais um evento chato e monótono se tornou o dia que conheci... ela. Nesse aniversário em específico, meu pai queria arranjar uma futura esposa pra mim, então, ele convidou inúmeras possíveis pretendentes de famílias importantes da nobreza. Os Lume estavam cada vez mais em ascensão, por isso, o número de famílias e candidatas era bem grande. Durante a festa, várias garotas iam vez após vez conversar comigo e me bajular pra ver se conseguiam alguns pontos comigo.
Não é como se eu não tivesse interesse em garotas de minha idade, mas achava tudo aquilo... um saco. Era apenas uma bajulação sem qualquer valor. Tentei aguentar o máximo possível, mas chegou um momento que apenas cansei de tudo aquilo e apenas fui tomar um pouco de ar na sacada.
Queria ficar um pouco sozinho, antes de voltar pra toda aquela algazarra. Mas, foi lá que encontrei... uma garota. Ela olhava atentamente para a neve que caía do céu — como se admirasse cada pequeno floco que descia. Ela era magra e não tinha um corpo tão esbelto. Sua concentração era seguida de súbitos balanços — ela segurava no parapeito e se mexia pra frente e pra trás vagorosamente. Seus movimentos eram tão delicados que me fizeram pausar em admiração.
O som de minha respiração inconstante, provavelmente chamou a atenção da garota — considerando sua reação seguinte. Ela, pouco a pouco, virou sua cabeça em minha direção. Seu rosto tinha um misto de curiosidade e julgamento, ela me olhava com atenção. A neve embelecia tudo em volta, inclusive aquela garota. Seus olhos se assemelhavam a cor do mel, eles se encontravam com os meus. Quando isso aconteceu minhas pernas tremeram como nunca antes. Engoli em seco esperando a sua resposta.
—.....He...
—...He?!
— Pfffff! Hehehe! É o esnobezinho!
— Hã?!! Esnob...
Toda aquela beleza que havia em meus olhos foi despedaçada pela personalidade exótica daquela garota. Seu nome era Holly — Holly Larue. Uma das famílias mais importantes da região. A família Larue, por sinal, chega ser mais importante que a própria família Lume. Holly também tem uma irmã mais velha, chamada Georgina. Georgina também estava na festa e meu pai queria que eu me casasse com ela.
Ou melhor, ele enxergava a família Larue como uma excelente família e achava que Georgina tinha as qualidades necessárias pra ser uma boa futura líder. E Holly? Holly... ele tinha uma péssima impressão dela.
Holly era conhecida em toda cidade como alguém rebelde. Uma garota que já foi detida pelas autoridades inúmeras vezes e que vive fazendo algazarra e bagunça por onde vai. Ela conhecida como uma típica — garota-macho — mesmo que sua aparência não revele isso. Na nobreza, uma garota tem que ser feminina, educada e com excelentes valores morais. Holly... era bem o contrário disso. Bom, pelo menos essa era a opinião das pessoas sobre elas.
Descobri que muitas pessoas nem tinham ideia de que Holly era uma nobre. Isso porque ela não agia como tal. Ela sempre estava brincando por toda vila, fazendo amizades com todos que encontrava.
Eu não saía muito de casa. Era um comodismo meu, que mudou quando conheci Holly. Algo em Holly me fez ficar curioso sobre ela, sobre sua forma de agir. Ela era encantadora de alguma maneira que eu não entendia. Ela tinha a minha idade, mas agia como se fosse uma criança.
Descobri que se seguisse um pouco adiante na rua principal, estaria em frente a casa Larue. Em frente da sua casa, havia uma fonte congelada, ela normalmente ficava assim, devido ao frio. As vezes, sentada na borda dessa fonte, eu encontrava Holly Larue — observando a neve cair. Quando seus olhos se fixavam ao céu, ela ficava tão... linda. As pessoas diziam que Holly não era feminina, mas se ela não é feminina, então, ninguém no mundo é.
Algumas crianças também brincavam em frente da casa Larue, elas gritavam a plenos pulmões e faziam um verdadeira bagunça. Entretanto, Holly não desviava seu olhar para elas. Enquanto me aproximava de Holly, ela acabou se virando em minha direção (talvez tenha escutado o barulho de minhas pegadas na neve).
— Oh?! Hehehe! Se não é o esnobezinho, de novo! — ela me deu um olhar travesso e sorriu quando disse isso. Ela parecia feliz em me ver.
— Ah...eh... o-oi.
Quando ela me viu, Holly gentilmente chegou um pouco pro lado — como se me convidasse a sentar perto dela. Eu queria dizer que apenas estava de passagem, mas agora isso seria impossível. Então, apenas fiz o que ela queria.
Mesmo quando me sentei ao seu lado, Holly continuava admirando cada pequeno cristal de gelo. Ela parecia realmente interessada naquilo.
— Você... gosta tanto da neve assim? — disse, depois de reunir toda coragem que tinha naquele momento.
— Hã?!
— T-Tipo... é só neve não...? — perguntei isso, porque vivemos em um lugar frio, então nevar é algo bem rotineiro. Na minha opinião, não fazia qualquer sentido tamanha admiração a algo tão comum.
— [...]
— Hehehe! Então é assim que você pensa, esnobezinho? Faz sentido...
— Alguém tão rico, nunca entenderia essas coisas... — disse, Holly.
— Ué?! Mas você também é rica!
— Agora você me pegou!! Hehehe!
Era difícil de entender seu raciocínio. Holly agia com bastante imaturidade, então, não era uma tarefa tão fácil se comunicar com ela. Além disso, ela uma hora ou outra parecia esquecer que também era uma nobre.
— Eu entendo o que você quer dizer, mas... — Holly então desviou seu olhar para seus pés dessa vez. Ela os balançava com sutileza. Até mesmo eu fiquei um pouco absorto em suas pernas. — Mas, eu não consigo concordar com você.
— [...]
— Mas a neve... não é apenas algo comum? Tipo, neva aqui quase que todo dia.
— Hehehe! É verdade. Mas, eu gosto de admirá-la, as vezes. Quando eu fico com a mente muito cheia, gosto de tirar um tempo para observá-la. Isso me ajuda a esvaziar a mente.
Pensando bem, realmente, Holly passava a maioria dos dias brincando. Apenas em alguns dias, ela tirava um tenpo para observar a neve. Isso é algo que apenas notei agora.
Naquele momento, percebi que o seu rosto estava um tanto vermelho. De início, pensei que fosse devido ao frio, mas notei que havia a marca de dedos em seu rosto. Não precisaria ser um gênio pra entender o que ela queria dizer com aquilo. Holly também precisava lidar com problemas de nobre, na família dela.
Eu admirava Holly — sua força inabalável, sua coragem, sua maneira de agir. Ela me lembrava alguém... sim, eu sabia quem era. Holly, assim como essa pessoa, lutava dia após dia contra o seu destino e vivia cada dia como se fosse o último. Sua briga era por sua própria liberdade.
— Senhorita L-Larue...
— Me chame apenas de Holly, esnobezinho!
— O-Ok... senhori...
— A-p-e-n-a-s Holly! — Holly fez um pequeno beicinho enquanto falava isso.
—.....Holly...?
— Sim, querido?! — perguntou, obviamente me provocando.
— S-Sua...
— Hehehe...!!
Ela literalmente segurava a barriga de tanto que gargalhava. Aquela situação incomum tinha me feito esquecer a personalidade excêntrica daquela garota. Ela não perdia tempo!
— Holly.
—...Hehe... S-Sim...?!
— Eu admiro sua coragem. Mas, você não acha que já não é o bastante?
— Hã? Do...quê?
— Você já lutou o suficiente! Se você continuar agindo dessa maneira, você vai acabar se machucando!! Ou até pior!!
Eu acabei alterando um pouco minha voz nesse momento. As crianças que brincavam em nossa frente, voltaram sua atenção pra nossa conversa.
— Você é uma nobre!! Aja como tal!
— Você sabe muito bem qual é o seu destino! Amadureça e se torne logo esposa de alguém!!
— Pare de agir como se fosse uma criança!! Você não vê que isso suja a imagem de sua família?!
Por que estava agindo daquela maneira? Porque eu a amava, mas ainda não sabia disso. Não queria que algo de ruim acabasse acontecendo com ela. Como também tinha acontecido com Anna.
Mesmo assim, disse aquelas coisas terríveis. Coisas que nunca deveriam sair de minha boca, as quais, sequer concordava...
— E...
Em algum momento, Holly apenas voltou a olhar para a neve. Suas pálpebras tremiam, seu corpo se contorcia um pouco. Lágrimas desciam de seus olhos enquanto ela encarava os flocos de gelo.
Ela então me engoliu em seco e me disse:
— Hehehe... e eu pensava que você era diferente, esnobezinho...
— [...]
Holly parecia querer explodir! Ela parecia querer gritar comigo, dizer que eu estava errado e que eu não deveria se intrometer em sua vida. Mas, ela apenas continuou olhando para branca neve que descia dos céus.
— Sabe o porquê de eu gostar de olhar tanto pra neve?
— [...]
— É porque quando eu a observo, acabo esquecendo que eu sou uma nobre. Esqueço que tenho responsabilidades a zelar. Também acabo esquecendo o meu destino inevitável, nem que seja por um segundo.
— Quando a observo cair... esqueço dos meus problemas. E lembro que também tenho meus próprios sonhos.
— Mas... você não está sendo egoísta? Você já é uma nobre, você já nasceu abençoada.
— Não. Ninguém é egoísta por querer viver ou por sonhar. Mas, aqueles que vivem pelos objetivos de outros... esses sim são egoístas. — Holly falava com uma voz séria como eu nunca tinha imaginado, ela era convicta em tudo o que falava. — Esnobezinho, você tem um sonho?
Falar de sonhos é uma completa baboseira no mundo dos nobres. Quando você nasce sua vida inteira já é decidida. As palavras de Holly mais pareciam completa criancisse naquela altura.
— Sonho? Levarei a família Lume até o mais alto patamar da nobreza. Construirei uma grande riqueza e então, por fim, irei me aposentar. Preciso de algo, além disso?
— [...]
Holly, nesse momento, se virou e olhou em meus olhos. Quando fez meu coração quase que parou por meio segundo. Então, ela sorriu e me disse:
— Mas, Erich, esse é realmente o seu sonho? Ou é o sonho de seu pai?
— [...]
Ela me olhou por mais algum tempo, mas eu não tinha qualquer resposta. Apenas encarava o chão, enquanto esperava o que ela iria dizer a seguir.
— Se...
— Sim?
— Se esse é realmente o seu sonho... então persiga-o. Mas... se assim o fizer, pelo menos sorria mais um pouco. Desde que eu te conheci eu ainda não te vi sorrir nem uma vez.
Quando ela disse isso, eu não tinha onde colocar minha cara. Realmente as pessoas estavam erradas, até eu estava. Holly era tão madura... mas eu não sabia disso. Ela era muito mais madura do que eu.
— Eu gostaria de vê-lo algum dia...
— Hã?!
— Até mais, esnobezinho...
Holly então se despediu de mim e entrou em sua casa. Então, apenas eu fiquei ali — olhando atentamente para a neve que caía dos céus.
Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários