Volume 1
Capítulo 12: Um Presente Especial
Meus dias com o velhote eram todos divertidos — mas também imutáveis. Treinava durante o dia inteiro e a noite conversava com Erich. Passar esse pouco de tempo com ele era muito satisfatório. Isso, porquê, gostava de escutar as suas histórias. Nas últimas noites, ele me contou um pouco sobre o seu passado. Nunca imaginei que ele — um nobre — teria enfrentado tamanhas dificuldades.
Além disso, senti um pouco de empatia por ele. Assim como eu, ele também perdeu alguém importante pra ele. E a coincidência de ser sua mãe me deixou igualmente abalado. Sua relação com Holly também me deixou intrigado, não esperava toda essa confusão entre esses dois — pombinhos apaixonados — isso me fazia ter dúvidas de como eles, enfim, se tornaram um casal.
Porém, nos últimos dias, o velhote parou de me contar sobre o seu passado. Talvez, seja um assunto delicado pra ele; então, ele não se sente confortável em me contar. Bem, pelo menos, era isso o que eu pensava...
Ontem a noite, quando já estavámos nos preparando para dormir, Erich chamou a minha atenção.
— Ei. Garoto...
— Huuuahhh... velhote...? O que...foi...?
— Amanhã não haverá treinamento. Em vez disso, vamos a um lugar diferente...
— Hã?! Por que?
— É isso... Boa noite...
É simplesmente impossível ler a mente desse velhote, então apenas desisti de fazer perguntas e voltei a dormir. Mas, já era de manhã cedo e não era necessário fazer treino algum hoje. Isso estava me deixando um tanto incomodado. Além disso, o velho estava agindo de uma maneira diferente do habitual. Normalmente, ele acorda de manhã — bem cedinho — e fica observando meu treinamento. Já hoje, ele estava fazendo alguma coisa dentro de casa.
Até pensei em dar uma olhada, mas apenas decidi fazer alguns alongamentos. Apenas pra dizer que fiz alguma coisa hoje.
Enquanto esticava meu corpo, escutei o barulho da velha porta de madeira se abrindo. Ela precisava de um conserto urgente. O seu rangido era tão alto que me acordava todas as manhãs. Olhei pra trás e vi Erich carregando com dificuldade um par de varas de pescar acabadas. Elas ficam sempre guardadas ao lado do armário, jogadas de qualquer jeito. Estava convencido,de que, elas estavam quebradas. Mas, pelo jeito, o velhote consertou elas — ele tem algum jeito pra essas coisas.
Sei disso pois tenho tentado aprender uma coisa ou outra com ele. Os móveis, utensílios e até a própria cabana já estão bem velhos. Até entendo a sua razão emocional em não se desfazer de certas coisas, mas tudo tem limite. Certa vez, perguntei ao velhote a razão dele não comprar moveís novos e ele me disse: — Não é necessário gastar dinheiro, se dar pra consertar!
Não tiro sua razão. Vim de uma família bem pobre, minha mãe fazia coisas parecidas para evitar gastos desnecessários; contudo, tem objetos ali tão velhos e desgastados que já parecem ter sido remendados umas 3 ou 4 vezes. Estão quase que inutilizáveis!
Tem um prato artesanal feito de barro que tem uma rachadura ENORME bem no meio dele. É evidente que ele acabou o derrubando em algum momento, mas, ao invés dele comprar um novo, ele apenas o colou com alguma cola vagabunda!
Só percebi isso quando fui tomar um pouco de sopa com aquele prato...
De qualquer maneira, o velhote apenas caminhou calmamente até mim, com um sorriso de — orelha a orelha. Erich é um homem sempre feliz, mas hoje ele estava contente até demais, era até estranho.
“Será... que ele pensou em um novo método de tortura ( treinamento )?”
Comecei a pensar que talvez ele me fizesse escalar alguma montanha com as mãos nuas, eu o carregaria e o mesmo bateria nas minhas costas com aquelas varas de pescar ( a segunda seria de emergência, caso a primeira quebrasse ).
Ele também estava usando uma roupa estranha, totalmente diferente do habitual. Se me lembro bem, essa era uma das suas antigas roupas de aventureiro — ele a usava, quando ainda era um herói.
Mas, talvez apenas estivesse pensando demais. Quando ele chegou até mim, ele apenas pediu para que eu entrasse dentro de casa. Não entendia o seu pedido, mas fiz o que ele mandou. Corri em direção a velha cabana e abri a porta da frente, a mesma fez rangeu bem alto mais uma vez. Ao entrar dentro de casa, não notei nada novo a príncipio — estava ainda um pouco escuro devido ao horário visto que ainda era cedo.
Meu primeiro pensamento foi de acender a lamparina, por isso, caminhei em direção a mesma para acender o pavio. Porém, isso se tornou desnecessário. Quando fui buscar um pouco de óleo em uma das gavetas para acender o pávio, logo notei de soslaio algo — diferente — em cima da cama onde Erich e eu dormíamos.
Parecia um lençol a príncipio, entretanto, depois de pegar percebi que o tamanho não era tão grande pra ser um. Também duvidava que o velhote teria me chamado pra ver um lençol, então era obvío que não era isso. Decidi que seria melhor acender a lâmpada antes de qualquer coisa. Então, foi o que eu fiz. Depois de pegar o que precisava para acendê-lo, me movi e acendi o pavio.
*TCHUF!
Uma tímida luz iluminou a cabana. A pequena chama afastava a escuridão do local. Apesar disso, ela não era forte o suficiente pra clarear toda cabana, por isso, depois de pegar a lâmpada, andei em direção a cama. A lamparina ficava do lado da porta, então alguns poucos passos foram precisos para alcançar a cama.
Assim que alcancei a cama, coloquei a lamparina em cima da escrivaninha. Assim que o fiz, peguei aquilo que estava na cama. E sim, não era um lençol.
— Uma... roupa?
Estava boquiaberto. Em minhas mãos, o que parecia ser uma roupa de um herói. A parte de baixo da roupa era um cinza escuro — um pouco da parte de cima também — mas a maior parte da peça de cima era de um cinza mais claro. Somando tudo isso — uma capa preta — se estendia por toda roupa. Apesar disso, a gola era de um roxo escuro, o que dava uma excelente impressão.
Algo estava enganchado na roupa. Quando a estendi, algo acabou caindo no chão fazendo um pouco de barulho. Estiquei meu braço para alcançar o que tinha caído e percebi que era um cinto. Parecia ser de couro e era enorme — sua fivela realmente chamava atenção. Era um tanto óbvio que devia ser usado junto com a roupa.
Além disso, um par de botas estava junto ao travesseiro. Elas pareciam um tanto velhas e desgastadas.
Foi aí que eu entendi o motivo do velhote usar uma roupa tão diferente hoje. Talvez fossemos fazer algum tipo treino especial, ou melhor ainda, finalmente iríamos treinar o meu Nill. Quando pensei sobre isso, não demorei para trocar de roupa.
“Enfim, meu esforço valeu a pena!”
Depois de colocar a aquela roupa. Pus meus pés do lado de fora; o sol estava começando a aparecer e com isso, o dia estava finalmente esquentando. Pequenos raios de luzes entraram nos meus olhos, me fazendo os fechá-los por reflexo. Num instante, juntei forças para olhar adiante, foi quando vi Erich sentando numa das pedras onde almoçamos. Ele não parava de mexer suas pernas — as batendo contra o chão — ele segurava os seus cotovelos como se estivesse com alguma coisa em mente.
Movido pela minha curiosidade, decidi então seguir em direção ao velhote. Acelerei minha passada e me movi em sua direção fazendo um tanto de barulho, devido aos estalos que se faziam ao pisar na grama. O velho já estava um tanto surdo e cego, mas era comum ele perceber minha presença já bem de longe. Por isso, me surpreendi quando ele ainda não parecia ter percebido minha presença.
Isso acabou atiçando meu desejo de me — vingar — dele. Claro, seria apenas uma brincadeira. O velhote sempre vive me provocando, dia e noite, então isso seria justo!
Então, bem devagar, acabei chegando nas costas dele e gritei o mais alto que pude:
— BUUUUUUUUUUUUUUU!!
— AH!!! — Erich exclamou e deu um grande salto ficando de pé. — Oh...? É você, Iori? Já se trocou?
— Hahahaha! Desculpa, velhote. Não deu pra resistir — disse, segurando meu estômago visto que estava gargalhando — mas a culpa é sua. Por que você estava viajando tanto? Isso não é de seu feitio.
—...E-Eu? N-Nada! Absolutamente nada!
Erich era bom em muitas coisas, mas definitivamente mentir não era uma delas. Seu rosto estava enrusbecido, isso costuma acontecer quando ele está escondendo alguma coisa. Era muito divertido continuar provocando o velhote dessa maneira. Talvez, eu devia ter feito isso mais vezes... sim, sim!
Se o velhote estava escondendo alguma coisa, isso devia ser algo que ele tinha medo ou, pelo menos, alguma incerteza se eu iria gostar ou não. Foi ai que eu saquei! A roupa! Sim, com certeza era isso. Ele devia estar preocupado se eu iria gostar ou não do — presente — por isso que ele estava tão relaxado. Esse velhote...
— Mas, e então...
— Hã?!
— Go-Gostou...da roupa?
Estava instigado — o quão podia provocar o velhote. Por alguma razão, ele parecia estar bastante emotivo. Ou seja, ele era um prato cheio para minhas brincadeiras infantis.
“Gehehehe! Agora você me paga!! Velhote!!”
— Huuum... não sei...
— V-Você não gostou?
— Huuuuum... não é isso. Mas, talvez se tivesse um pouquinho mais disso aqui...
— Do q-que você está falando? — Interrogou, com preocupação. — A manga ficou pequena, Iori?
— Não sei... não sei...
Estava literalmente zombando do velhote. Ele sempre via por trás dessas brincadeiras, posto isso, é o motivo da minha continua provocação. Sua pertubação, era algo incomum; o que fazia da brincadeira ainda mais divertida.
— Será que da pra colocar um emblema de uma espada aqui?
— E-Espada?!
— Sim, isso mesmo! Bem aqui...
— O-Onde? Você sabe que eu não enxergo direito.
— Aqui, velhote! — Exclamei apontando pra gola da minha roupa. — E um dragão na capa também! Vai ficar tão maneiro!!
— D-Dragão?! Onde que eu vou arrumar isso?!
Era tão divertido!! O velhote estava caindo nas minha provocações como um patinho. Até tinha a intenção de continuar por mais um tempo, porém, ele realmente parecia ter ficado um pouco triste. Então, era hora de mostrar a minha gratidão pelo presente.
—.....Pffffff!! Hahahahaha!! Eu estou apenas brincando, velhote! Como é que você caiu nisso?
— Brin-Brincando?!! He...Hehehe... eu sabia disso! Sim, eu já sabia... eu também só estava brincando com você! Garoto idiota! Hehehe!
Ele obviamente estava mentindo, mas aquilo também era engraçado. Naquele dia, eu descobri mais um lado que não conhecia de Erich. Ele havia sido honesto comigo, a cada dia, me mostrava um pouco mais de si mesmo. Seria injusto ele ser o único a fazer isso. Eu também precisava ser honesto com meus sentimentos.
— Eu...
— Gulp!
—.....Realmente gostei da roupa, velhote... obrigado...
— [...]
Erich parecia surpreso. Ele colocou uma de suas mãos no seu peito e em seguida, deu um sorriso de orelha a orelha. Erich nunca gostou de mostrar como se sente. Talvez seja reflexo de sua criação, afinal, ele era um nobre criado pra se tornar o futuro sucessor de sua família. Ele foi criado para não mostrar seus sentimentos, porque isso seria uma demonstração clara de fraqueza.
Mas, aqui estava Erich. Me mostrando o maior sorriso que ele poderia me dar.
— Que bom que você gostou, Iori. Eu fico muito muito feliz.
— Hahaha! O que deu hoje em você, velhote? Você tá tão sentimental!
— Hehehe! Ora, cale a boca moleque!
— Hahaha!!
— Hehehe!!
Nós rimos por um tempo. Entretanto, era como se o mundo tivesse parado, ou melhor, eu gostaria que tivesse parado. Em momentos como esse, não seria tão bom se o mundo apenas deixasse de seguir o seu rumo? Não precisaria de mais nada. Apenas isso me seria suficiente.
— Hum?! Iori?! — O velhote então se aproximou de mim. Ele então apertou seus olhos com muita força.
— Hã?! O que foi, velhote?!
—.....Tá...
— Tá...?
— Tá tudo errado!! Você vestiu a roupa ao contrário! Moleque burro!!
— Ah... Hahaha... Teehe! — disse, com um sorriso travesso.
Pensando bem, a roupa estava realmente um pouco folgada...
Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários