O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 6: Resiliência

—...Ugh...Ughnn...

A súbita dor me fez recobrar meus sentidos. Uma vasta quantidade de luz entrou em meus olhos — causando uma pequena agonia. A única coisa que me reconfortava era o céu azul, que pairava sobre minha vista. Se eu fosse tentar fazer um parâmetro sobre minha situação atual, seria como: acordar numa piscina a céu aberto, com a — pequenina — diferença de todo seu corpo tivesse sido surrado a pauladas.

Pelo jeito, estava certo sobre não ser um riacho, mas sim, um rio; visto que, movimentando meu pescoço com um pouco de esforço conseguia enxergar claramente uma cachoeira atrás de mim. O som da água caindo era ensurdecedor, típico de regiões assim. Nunca fui muito chegado em programas sobre o meio-ambiente, porém, lembro com clareza sobre uma reportagem na cachoeira de Kamadaru¹ em Kawazu².

*CHUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUÁÁÁÁÁÁAA!!!!

Eu sempre escutei que o som das cachoeiras eram revigorantes... mas não parecia ser assim pra mim...

Meu corpo estava todo dolorido, mas o que me surpreendia era outra coisa: — como me mantive vivo? Tudo bem que a cachoeira não era a mais alta do mundo, entretanto, também era longe de ser a menor.

— Bem, ficar boiando aqui não vai adiantar nada...

Estava bem no raso, então, não precisei de tanto esforço pra chegar na margem. Apesar disso, não era como se eu estivesse em plena forma — longe disso, meu corpo latejava de dor. Minhas articulações não estavam me ajudando em nada, é como quando você dorme em seu próprio braço; aquela mesma dor e formigamento. Mas o pior eram minhas costas... ao tentar me forçar a me levantar, quase dei um berro. Lembro de cerrar meus dentes enquanto suportava a terrível dor.

—...Aghh... Droga...

Pra completar a sucessão de coisas ruins: o frio. Ainda não sabia como funcionava as estações desse mundo, mas era evidente que o inverno não havia chegado. Porém, pelo que sabia, virar a noite dentro d’água não era algo muito bom... isso se fazia evidente, devido ao estralo de meus ossos.

O pior de tudo é que eu ainda perdi minha cumbuca. Na verdade, era bem provável que ele estivesse na cachoeira... mas que era o louco que ia entrar lá? Eu que não ia.

— [...]

...Pffffff... Hahahahahaha! — ri, enquanto olhava pros meus dedos enrugados devido a água — Ah! Tô na merda de novo... fazer o quê né...

Com o resto de minha força restante, me coloquei de pé. Minha visão ficou turva depois disso, provavelmente, o sangue não tinha chegado no meu cerébro. O lado direito do meu corpo, era o mais comprometido. A marca da queimadura não era tão grande quanto pensava, mas ela estar ali, provava que o que tinha vívido na noite passada era real.

O que era aquilo? Primeiro, a sombra que me perseguiu até a floresta de Yve. Depois, aquela — coisa — assustadora... talvez poderia ser apenas uma alucinação de meu cérebro? Não seria uma grande surpresa, minha mente com certeza estava estável devido ao choque que tinha acabado de passar. Sim, o abalo tinha sido enorme... era apenas as folhas das árvores, além disso, estava muito escuro... eu devo apenas ter me confundido.

Tentando superar todo aquele baque com minha força mental, consegui  ,enfim, reunir forças para conseguir dar meus primeiros passos em direção a floresta. Talvez o correto naquela situação seria descansar um pouco, mas creio que estava incomodado com todo aquele barulho de água caindo.

— Vamos lá, Iori! — disse, com empolgação. — Nenhuma dorzinha vai me parar, é muito melhor do que ser um escravo de Yve...

Gritando isso pra mim mesmo, forçava minhas pernas a me movimentar. Meu braço esquerdo ainda doía devido ao ataque anterior, então o apertava com meu braço direito para suportar a dor.

Os meus curtos passos se estendiam pela floresta. Praticamente obrigando meu corpo a se movimentar, o mesmo me dava alertas claros de que eu deveria parar. Ofegando a cada passo dado, uma pequena camada de suor descia pelo meu rosto. Meus olhos mal conseguiam se manter abertos, o que me mantinha em pé era saber que — se caísse — não conseguiria me levantar de novo. Além disso, era provável que morreria ali mesmo, visto que não haveria ninguém para me dar algum socorro.

Sabia que se fechasse minhas pálpebras, perderia a consciência. Por isso, tinha que continuar caminhando. A minha teoria estava ainda mais viva devido a quantidade excessiva de água nesse lugar. Não entrava na minha mente que apenas o vilarejo de Yve se dispõe desse rio — com certeza existe mais alguma vila aqui! — era o que pensava.

*Crooooooooooooaaaaccccc    *Croooooooooooooooaaaacccc

Algum tipo de corvo, ou pássaro grasnava feito louco. Por mais que andasse, não enxergava fim naquela floresta. Meus músculos rasgavam a cada passo dado — implorando para que eu parasse de andar. Mas, se eu parasse... provavelmente, me tornaria o almoço desse pássaro.

A única coisa que me retinha consciente, eram meus passos. Um... passo. Dois... passos. Três...passos.

Minhas pernas encharcadas fazia um pouco de lama em contato com a terra. Não era uma sensação agradável, mas também não me incomodava naquele momento.

Certamente estava perdendo a consciência, até que uma pequena memória passou pela minha mente. Era uma memória antiga — esquecida — há muito tempo...

Estava voltando da escola, como sempre. Costumava sempre voltar mais tarde que as outras crianças da minha idade. Minha amada mãe acreditava que eu voltava mais tarde, porque estava estudando — uma mentira — que eu mesmo inventei para não preocupá-la. Ela presumia que era verdade, devido, as minhas boas notas que detinha na época.

Mas... a verdade é sempre cruel. A real razão pelo qual não voltava cedo: era os murros, pontapés e empurrões. Eu sofria bullying, e isso desde essa idade. Isso é algo que me moldou, provavelmente de uma forma ruim.

O motivo? Eu agia de maneira diferente deles. Não era como eles, nem queria ser. As pessoas ( não apenas as crianças ) temem o desconhecido, o — diferente — o anormal. Se eles te veem como alguém esquisito, ou que não segue as regras deles, eles te abominam — zombam de você pelas costas e gargalham no seu rosto. Se eles te etiquetam dessa maneira, você provavelmente terá um difícil ano letivo pela frente.

Os valentões estavam sendo bastante persistentes. Mesmo eu tentando mudar meu horário para não me encontrar com eles, sempre acabávamos nos encontrando. Isso era bem irritante, excessivamente irritante.

Tinha dias de sorte em que eles apenas zombavam de mim. Mas também tinha dias ruins, onde os mesmos só descansavam depois de me dar um ou dois tapas...

Ainda sim, era suportável. Essa era a razão pela qual não contei a minha mãe — não queria preocupá-la. Éramos bem pobres, mas minha mãe era bem obstinada. Tinha medo dela tentar me colocar numa escola particular ou algo do tipo. Não queria ser um peso pra ela, nunca quis.

Nesse dia, em específico, tinha sido o dia que mais apanhei. Devo tê-los o irritado como nunca antes — isso resultou numa bela surra.

Acabei voltando da escola bem machucado. Estava mancando bastante e com vários hematomas espalhados pelo corpo. Mal conseguia me manter em pé, mas me arrastava para casa em busca de meu porto seguro. Minha mãe por algum motivo me esperava na frente de casa, talvez ela tenha escutado de alguma mãe de algum colega meu... ou elas apenas estranhou minha demora exagerada.

Eu não queria que ela visse meus ferimentos. Não queria que ela se preocupasse comigo. Não queria que ela brigasse comigo. Mas se ela fizesse, não ficaria chateado com ela. Naquele momento, apenas queria vê-la... isso me reconfortava por algum motivo.

Antes mesmo de eu chegar em frente de casa, ela correu em minha direção. O pôr do sol pintava o fim daquela tarde de vermelho e laranja. O clima seco, tornava aquele momento mais difícil do que já era. Não queria olhar pra ela, não queria me encontrar com seus olhos. Minha mãe era há única pessoa que sempre esteve do meu lado; se ela também odiasse... eu ficaria sozinho.

Mas não tinha pra onde fugir, tinha que encarar aquela situação de frente. E se ela porventura ela me odiasse, seria merecido — mas eu não a odiaria, porque eu a amo.

Cansado daquela situação, decidi ser o primeiro a falar:

— M-Mãe...

— Satoru.

Mas ela não disse nada disso. Ela não deu uma dura. Ela não me castigou. Emi Iori apenas se ajoelhou, ficando na minha altura.

Bem vindo... Satoru! — disse, abrindo seus braços e com um grande sorriso.

Emi tinha visto meus ferimentos, ela certamente estava morrendo de preocupação. Ela sempre foi inteligente, então ela provavelmente já tinha entendido tudo. Ela tinha todo direito de ficar irritada — nós éramos muito próximos — ela podia muito bem  se perguntar o porquê de eu ter guardado segredo dela. Mas ela não fez. Ela apenas me deu o que eu mais precisava naquele instante. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas, ela se manteve forte pra mim.

A memória termina, enfim, com um tenro e caloroso abraço. Provavelmente depois de chegarmos em casa, minha mãe pode ter me dado uma bronca, mas isso era irrelevante. Porque no momento, em que necessitei dela, ela mais uma vez me salvou — como minha heroína.

Pensando bem, aquele dia se assemelha a esse. Pelo menos, no sentido dos meus machucados. A diferença circunstancial é que infelizmente, Emi Iori não está mais aqui...

Meu corpo já estava desistindo... não havia nada, além de árvores. Estava cansado de continuar tentando...

Mas continuava me movendo, mesmo que não fosse recompensado, no fim. Então, arrastando meus membros inferiores; continuava a me movimentar pela densa floresta.

Então, num último esforço de olhar ao meu redor — notei algo. Alguma coisa se diferenciava entre a enorme quantia de árvores e vegetação. Era notório que era algum tipo de construção. Estava salvo!

Ainda sim, não poderia abaixar minha guarda. Até porque não sei como seria recebido. Eu também não queria dizer que era um — teleportado — visto que, no fim, resultaria no mesmo resultado do vilarejo Yve. Decidi que seria melhor dar uma olhada primeiro.

Então, assim que cheguei perto — me escondi atrás dos arbustos. Apesar que provavelmente, não estava tão bem escondido, visto que não podia me abaixar...

Ao estender meus olhos já cansados para frente, finalmente tive a concretização do que era. Era apenas uma única cabana feita de madeira. Talvez um pouco mais ajeitada que as casas do vilarejo Yve. Uma parte do chão era decorado, mas a maior parte era apenas a velha grama verde. Talvez o dono dessa cabana apenas desistiu de decorá-la apropriadamente.

Ao redor da cabana, pequenos arbustos cheio de frutinhas — bem parecidas com amoras — de cores roxo e rosa embelezavam ainda maos aquele ambiente recatado.

Olhando pra aquela casa, mas parecia que a intenção dela; era ser escondida. Ela estava no meio da floresta, totalmente fora de vista do vilarejo.

Imerso nesses pensamentos quase não notei alguém abrindo a porta daquela casa — era um idoso — sua aparência era bem acabada... não havia um fio de cabelo em sua cabeça, contudo, em seu queixo era o contrário — uma grande barba branca — que quase chegava em seu peito. Vestia uma roupa azul, que parecia mais velha do que minha vó, somado a uma capa escura, que retinha algum brilho quando a luz do sol se encontrava com ela. Em sua mão segurava uma pequena cesta, bem comum..

Em outras palavras... era um velho acabado. Se eu fosse dar um chute, diria que ele tem — no mínimo — uns 90 anos de idade. Se ele levantasse a mão, Deus levava.

Aos poucos, ( bem aos poucos mesmo ) ele foi se movimentando. Ele desceu as pequenas escadas da cabana, com muito cuidado. E então, foi se movimentando pelo campo de grama, em direção aos arbustos. Sua velocidade se assemelhava a minha, de tão lerdo que estava. Quando finalmente chegou, ele com muita paciência começou a colher as frutinhas.

Eu fiquei o observando por um tempo... mas nada acontecia. Através das árvores fui me aproximando dele aos poucos, mas quando cheguei bem perto dele, acabei tropeçando em uma pedra, sem querer acabei soltando um urro e logo pensei que o mesmo iria me notar.

— M-Mer...

Mas ele não notou. Ele nem expressou qualquer mudança, em seu rosto cheio de rugas. O velho homem apenas continuou a colher as frutas dos arbustos.

Fixando meu olhar no do idoso, percebi que ele era cego, provavelmente devido a idade avançada. Pra ele não ter esboçado reação no meu grito, também era possível que já estivesse ficando surdo.

Ele já está nas últimas, mesmo que eu peça alguma ajuda — duvido que ele possa fazer algo. Tinha pensado que ele poderia ser útil a mim, mas esse pensamento logo passou, seria bem melhor eu ter me encontrado com algum vilarejo... ou cidade.

Nesse meio tempo, o velho parou de mover suas mãos em direção aos arbustos e parecendo satisfeito, se moveu em direção a sua cabana. Foi nesse momento que um pensamento iminente passou em minha cabeça. Uma ideia ardilosa, mas talvez... necessária.

E se... eu o matasse? Eu já estou nas últimas, mas ele é apenas um senhor com um pé e meio na morte. Se eu desse um golpe... sim, apenas um golpe na nuca dele, duvido que ele resistiria. Claro, eu não gostaria de matar ninguém. Por mais que eu seja alguém ruim, não vejo sentido em sujar minhas mãos de sangue. Mas, eu já matei minha mãe — apenas mais um — não mudará nada...

Talvez o vilarejo de Yve mande alguém atrás de mim. Além disso, ainda tem aquela sombra... todo cuidado é pouco. Se eu descansasse um pouco naquela cabana, tenho certeza que ficaria melhor...

Mas, para este futuro se concretizar... aquele homem não poderia estar vivo...

Mesmo esse homem sendo surdo, com cuidado, estendi minha mão até onde podia — em encontro — com um pedaço de madeira que estava próximo a mim. Tem um bom tamanho e a espessura parece o suficiente... com isso, apenas um simples golpe já basta...

Saí de trás da árvores então em direção ao pequeno senhor. Não tinha dito isso, mas ele era bem pequeno. Devia ter uns 165 cm de altura. Mas isso era irrelevante, já que ele não estaria mais vivo.

O único problema, no entanto, seria lidar com o cadáver. Não tinha forças para cavar uma cova. Talvez teria que descansar uma noite, para reunir alguma. Nunca lidei com um corpo antes, então isso seria difícil. Talvez teria apenas que jogar o corpo na cachoeira, e então quando descansasse apropriadamente, poderia ir embora daqui.

Eu nunca escutei ninguém da vila falando sobre esse homem. E mesmo que o conheçam, quanto tempo demoraria para notar que ele sumiu? Acho que teria algum tempo.

Usei a última de minhas forças para alcançar as costas do homem. Não podia perder essa oportunidade. Então, movimentando o pedaço de madeira, o estendi a cima da cabeça dele — para ganhar algum impulso: — É agora ou nunca! Adeus velho... não pense que tenho algo contra você... — pensei, comigo mesmo — pode me odiar no outro mundo, se quiser, até mesmo me amaldiçoar. Você tem todo o direito...

Puxando o — bastão — com toda força, meu objetivo era visar a cabeça do velhote. Mas não consegui. Por algum motivo, não conseguia.

—...Argh...Ah ah ah... Droga!

Por mais que eu já tivesse matado uma pessoa, eu não conseguia baixar o bastão. Uma última memória se estendia pela minha mente, a mesma me impedia de efetuar o ato.

Era minha mãe. Talvez fosse a continuação daquela memória que tive mais cedo. A mesma me dizia, com um sorriso no rosto, enquanto eu chorava copiosamente em seus braços:

— Você é realmente um BOM menino, Satoru!

Eu sabia que era mentira. Eu não sou uma boa pessoa. Mas ela não me deixava puxar esse bastão, ela não me deixava me afundar ainda mais em mim mesmo.

A explosão de sentimentos me fez desabar no chão, estava acabado. Com meu corpo e mente, enfim cedendo. Acabei perdendo a consciência.

 

 

*( Algumas horas mais tarde...)*

 

 

O som da madeira estralando, era reconfortante — mas esse som era diferente — não era igual o som de passos que havia escutado em Yve — mas sim, era o som de madeira queimando. Estava deitado numa cama grande, com certeza, de casal.

Do meu lado direito, enxergava claramente, um senhor abaixado no chão em frente a lareira. Ele parecia estar manuseando um prato de barro em suas velhas mãos...

— Até que enfim, você acordou... garoto...

 

 

 

 

¹Uma das sete cachoeiras de Kawazu, no Japão.

²Kawazu é uma cidade localizada na costa leste da Península de Izu, no distrito de Kamo, província de Shizuoka, Japão. 

 

 

 

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários

 



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