O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 3: Questionamentos

O estralo da madeira era reconfortante. Os passos de Noana eram a única coisa que chamava a atenção naquela enorme casa. O restante era muito simples, apenas uma modesta casa.

Na verdade, talvez isso fosse algo bom. Quando entrei naquele casarão enorme, me sentia um tanto ansioso. Isso se devia há vários fatores. Mais um dos principais motivos, com certeza era a quantidade de pessoas me seguindo, como se eu fosse um grande salvador — ou algo do tipo.

Eu pensei que alguns deles nos seguiriam, mas, quando chegamos na porta, aquele que aparentava ser o — líder — da vila, disse que aquela seria uma conversa particular. Bom, isso tem sentido. Por mais que a casa fosse grande, não acho que todos aqueles malucos caberiam aqui.

Os únicos que estavam na casa eram: O líder, Noana e eu. Noana estar conosco não me surpreendeu; eu acabara de escutar ela chamando esse esquisito de — vovô — o que mais me surpreendia era uma garota tão fofa ser neta de alguém tão feio e acabado.

Noana, por sinal, parecia estar de bom humor. Ela cantarolava e saltiva de um lado para o outro.

 

*Creeeeeeeeeeeec  *Craaaaaaaaaaaaac¹

 

— Que casa acabada... — suspirava.

O casarão era, basicamente, preenchido por alguns poucos movéis de madeira. Obviamente, não tinha ideia de que tipo de madeira, mas com certeza, não estava conservada...

Apesar disso, era um sensação... reconfortante. Talvez por já ter vivido algo parecido.

Sentamos no chão, em cima de um — tapete — feito com uma folha parecida com a de uma Palmeira. Na nossa frente, uma pequena mesa redonda que lembrava muito um Chabudai² me separava do líder de Yve. Em cima da mesa, estava 2 copos de cerâmica.

— Ah... é mesmo... Ho Ho! O chá...

Ele se levantou, e foi em frente ao fogão de barro, onde ele começou a preparar o chá. Com uma calma e uma paciência semelhante a de monge, ele pegou a lenha e aos poucos foi colocando dentro daquele grande fogão. Então, ele pegou um graveto e ficou segurando em cima de toda aquela lenha... eu não tinha a menor ideia do que ele estava fazendo, mas então, o graveto começou a pegar fogo como em um passe de mágica!

— Que merda é essa?!

— Ho Ho! Gostou Iori?

Estava boquiaberto — sem reação — pelo o que tinha acabado de ver, mas nem tive tempo para ficar surpreso. Ele tirou a água que estava dentro de um balde, e começou a despejar em um bule de cerâmica ricamente ornamentado. Então, quando a água começou a ferver; com uma elegância sem igual, ele separou as folhas de Dodra em nosso copos. Ao despejar a água quente, as folhas começaram a subir em direção a superfície do copo e um aroma muito semelhante ao matcha³ impregnou no ambiente.

Depois de apagar o fogão com um pouco da água que havia restado do balde, o senhor mais uma vez se colocou em monha frente. Ele espreguiçou seus velhos ossos e deixou seu cajado junto a mesa. Noana então separou alguns biscoitos pra nós dois e os deixou reservado na mesa.

—...Fuuuuuuuuuuu... bom, então podemos começar? Iori? — perguntou, se espreguiçando.

Estava incomodado. Eu tinha sido o único a me apresentar, de fato. E ele não parecia se importar com a minha situação, lidando de maneira — despretensiosa — a todo momento. Meu incômodo deve ter sido transparecido no meu rosto, já que em seguida ele começou a falar.

— Oh? É mesmo! Me esqueci de me apresentar, perdoe a minha falta de educação... Ho Ho! — gargalhou, como um louco.

— Eu sou Golmar. Paul Golmar, líder da vila Yve. É um prazer conhecê-lo... Herói...

Golmar agia de forma misteriosa. Ele transparecia um lado simpático e sereno, mas também era evidente que ele tentava ser o mais vago possível. No mínimo, ele parecia ser uma pessoa bastante ambígua, o que combinava perfeitamente com o fato dele ser o chefe daquele vilarejo.

— Prazer Golmar... eu tenho muitas perguntas, então espero que você não seja desonesto comigo! — disse, sendo rude.

— Ho Ho! Pegue leve comigo Iori!

A forma como ele levava tudo como — piada — me fazia cerrar os dentes. Estava quase jogando aquele chá na cabeça dele e era provável que ele sabia disso; porém, dúbio como sempre, ele deixou claro que seria honesto.

— Mas não se preocupe, não tenho nada a esconder — alertou — se tivesse não teria o chamado aqui em primeiro lugar, certo?!

— Ou talvez... você gostaria de se livrar de mim sem testemunhas.

— Que maldoso, Iori! Ho Ho...

Não tinha muito tempo para piadas ou brincadeiras. Nem sabia em que lugar estava, não tinha rumo algum... então, tinha que adquirir o máximo de informações possíveis.

— Em primeiro lugar, não estamos no Japão correto?

— Sim, você não está no Japão.

— Mas eu estava antes, correto? — Indaguei.

—...Fuuuuuuuuuuu... Sim, provavelmente...

— Então, por que eu estou aqui?

— Não sei.

Ele fumava o tempo todo, enquanto olhava pro teto. Suas respostas eram tão vagas que me davam nos nervos. Sempre que ele baforava, me dava vontade de pular no pescoço daquele velhote maldito.

— Você poderia responder essa merda direito?!! Ou tá difícil?!!

O que eu realmente queria desde o início, era perguntar aos — moradores — de Yve, e o motivo era óbvio. Assim, eu poderia conseguir muita informação e de pessoas diferentes. Dessa maneira, poderia filtrar a informação, para ter certeza de que ninguém estaria me enganando.

Mas eu acabei indo parar na casa do chefe deste lugar. Qualquer pessoa acharia isso bom, mas ele poderia muito bem estar me manipulando. Ou ele poderia acabar escondendo muita informação de mim; na verdade, ele com certeza fará exatamente isso. Até porquê, qual seria o sentido de revelar informações importantes a um moleque forasteiro? Não via sentido algum nisso.

Naquele momento, ele me olhou com uma expressão mais severa, mas que logo se desfez com um pequeno sorriso.

— Calma, calma jovenzinho... beba um pouco do seu chá...

Ele parecia como sempre, apenas fugindo das perguntas. Mas decidi fazê-lo. Estava curioso sobre o sabor daquela coisa.

Ao beber do chá, o gosto era bastante incomum. Em nada se aparentava ao matcha, era um sabor único. Enquanto bebia, Golmar me dava um sorriso malicioso, ou pelo menos tinha uma aura incomum nele...

— Você é bastante esperto... não é Iori?! Mas, você cometeu um erro...

— Gulp...

Eu fiquei em choque. O chá! Eu bebi sem nem pensar que ele poderia ser venenoso ou algo do tipo.

— Cof... cof... cof...

— Ho Ho! Calma Iori, não há qualquer perigo na bebida. Eu apenas percebi que você é muito cauteloso... isso é algo bom! Mas você não deve beber qualquer coisa que alguém te oferecer, pode ser perigoso... muitas pessoas já morreram por isso. — Me alertou, com uma voz imponente.

O seu jeito de agir, havia mudado mais uma vez. Entretanto, a forma como ele proferiu essas palavraz, me deixou curioso. Era muito específico.

—...Cof... v-você fala como já tivesse passado por isso...

— Ho Ho! Você é realmente inteligente, Iori! Bem, sim. Eu já vivenciei coisas bem perigosas, até porque eu já fui um herói no passado.

Oh! Isso com certeza era uma informação importante. Os moradores desse vilarejo me chamavam de herói, mas pelo jeito, eu não era o único.

— Então, eu não sou o único herói?

— Ho Ho! Que convencido, Iori! É obvio que não. Existem milhares de heróis como você nesse mundo.

— Mas, então porquê vocês fizeram todo aquele escarcéu com minha chegada? Além disso, como é que eu estou aqui, em primeiro lugar? Há 1 horas atrás, estava no Japão, como diabos vim parar nesse fim de mundo?

Esgotado com tantas perguntas, Golmar mais uma vez, pegou seu velho cachimbo, e começou a fumar tranquilo...

—... Fuuuuuuuuuu... vamos aos poucos, Iori... uma pergunta de cada vez... — disse, tranquilo.

—...Arf... Ok...

Depois de respirar um pouco, voltei as perguntas.

— Como eu vim parar aqui ?

— Você foi — teleportado — para este mundo.

Teleportado? Isso era algum tipo de filme de ficção cientifica?! Alguma pegadinha?!! Cadê as câmeras escondidas?!!

— Ou melhor... você é um teleportado — complementou.

— Poderia me explicar mais a fundo?

—...Claro, claro — concordou, sem reclamar — Neste mundo, existem milhares de pessoas. Algumas decidem viver uma vida normal, escolhendo alguma profissão sem muitos riscos. Contudo, os mais fortes e habilidosos costumam preferir dedicar a sua vida a salvar as pessoas; estes, são chamados de heróis.

— Mas, se o seu mundo já tem heróis, porquê então eu fui teleportado?

— Como você disse, no nosso mundo já existem heróis. Nossos filhos, já crescem sonhando em ser um grande herói um dia...

— Porém...?

—...Fuuuuuuuuuu... porém, em algum momento no passado, com o descobrimento dos círculos de teletransporte em todo continente, algumas pessoas relataram ter sido teletransportadas de outro mundo...

—...Não apenas isso, essas mesmas pessoas costumam ter um grande talento para ser heróis. Com isso, se tornou comum a mesmas se tornarem heróis — disse, sem rodeios.

Sua postura direta era esclarecedora. O que ele falava fazia sentido, mas eu precisava de mais algumas respostas. O que me trazia dúvida era a questão do teletransporte em si: porquê especificamente eu fui invocado? E por quem?

— Certo, eu fui teleportado... mas como? Quem me invocou aqui?

— Ninguém. Ou melhor... nenhum ser humano. Você foi invocado pelo portal de teletransporte, aquele do bosque onde Noana te encontrou.

— Tudo bem... mas por quem? E por qual motivo?

Nesse momento, ele fez uma cara de cansado e já parecia angustiado em responder minhas perguntas. Mas, a único motivo que eu conseguia enxergar é que eu era especial de alguma forma, por isso fui invocado. Não é possível que tenha sido apenas coincidência

—...Tsc... deixe de ser presunçoso garoto — vociferou — não acho há realmente nenhum motivo especial para você ter sido teletransportado. Só aconteceu, apenas isso.

— Eu vou te falar o que sei. Pessoas sendo teletransportadas não é nada comum. Pelo o que eu sei, isso é um evento raro e único. Por isso, a vila inteira entrou em êxtase com sua chegada. É uma forma de dar boas vindas, a um futuro herói promissor, e só. Você não é especial, ou algo do tipo.

Sendo bem sincero, ser especial ou não era o de menos pra mim. Eu só queria esclarecer as coisas. Claro, fiquei um pouco irritado com a resposta dele, mas, pensando bem é melhor do que estar morto...

— Por último, em que lugar eu estou?

—... Ho Ho! Você está no território humano, no vilarejo Yve. Bem afastado da capital, mas com certeza um bom lugar para um grande herói começar! Aqui você será amplamente treinado para desenvolver todo seu potencial junto de outros possíveis futuros heróis.

A conversa, enfim, estava encerrada. Eu ainda tinha alguns questionamentos, mas já estava ficando tarde. Eu poderia fazer isso em outra hora.

O chá também ficou frio nesse meio tempo... bem, fazer o que... tive que beber daquele jeito mesmo. Ele tinha um gosto amargo agora, não sei por qual razão; talvez fosse algo da minha cabeça.

Golmar com a ajuda de seu cajado, se levantou com um pouco de dificuldade. Ele parecia um tanto aliviado que aquela infindável conversa tinha finalmente acabado. Por fim, ele mexeu em seus bolsos e retirou um relógio de bolso.

— Oh?! Está ficando tarde... Noana!

— Sim, vovô?!

— Antes que anoiteça, por favor, leve Iori — aquele lugar — tudo bem?

— Hã... Ah! Sim! Eu levo!

— Boa garota.

Ele acariciou os cabelos de Noana, e logo após isso, Noana veio em minha direção, me levar pra algum lugar.

Já estava ficando escuro lá fora. Noana e eu caminhávamos pela pacata vila á noite. Era bonito e reconfortante. As casas simples iluminadas  pelas tochas enfeitavam a noite escura. A grande lua que pairava no horizonte deixava aquele momento... único.

— É muito longe?

— Não. Já está ali.

Ao olhar adiante, não acreditei no que meus olhos viam: — Será que estão me enganando? — pensei.

Era uma pequena parte do vilarejo, escondido por uma Igreja. Algumas crianças observavam sentados em algumas pedras, uma criança em específico. Ela não estava fazendo algum truque. Ela não estava contando alguma piada engraçada.

Não... esse garoto fazia algo inimaginável pra mim até aquele momento. De suas mãos estendidas, saía fogo. Sim, fogo. Se fosse comigo, teria ficado desesperado, mas para ele, parecia mais uma diversão. Era o garoto de mais cedo, seu nome... Siror.

Noana deve ter percebido o quão eu fiquei surpreso. Apesar disso, ela estava com um sorriso no rosto.

— Como... ele faz isso?

—...É incrível! Não é?!

— Sim... de fato.

— Todos os heróis devem aprender a usar o Nill — explicava — Siror parece ter potencial, talvez ele se torne um herói no futuro.

Hã?! Nill?! Eu não tinha a menor ideia do que ela estava falando. Nem tinha muito espaço pra pensar nisso, visto que estava fissurado na demonstração do garoto.

Siror estava junto de seus amigos ao redor de uma fogueira. O manejo do fogo era realizado com tanta leveza... que mas parecia uma dança. Seus curtos braços, se entrelaçavam ao fogo; e seu sorriso tornava aquele momento mais bonito.

— Incrível...

Quando ele escutou meu elogio, ele acabou me percebendo. Siror subitamente parou de controlar o fogo, as chamas sumiram como num passe de mágica. Costumeiro de uma criança, ele acabou ficando bastante encabulado e contente.

—... Ahaha... Não é nada demais herói! Eu nem consigo criar o fogo por mim próprio... eu preciso de uma fonte, como aquela fogueira — disse, apontando seu dedo em direção a fogueira.

— Não se preocupe herói! Assim que começar a treinar seu Nill, você conseguirá fazer coisas muito mais incríveis!

Era a segunda vez que me falavam sobre esse — Nill — então estava ficando cada vez mais curioso sobre o assunto.

— Nill? O que é isso Noana? — indaguei

— [...]

— Bom... de uma certa forma pode ser chamada de – mana — também.

Noana, deu um pequeno sorriso. Tão imperceptível que quase não percebi. Ela então girou seu eixo, ficando de costas pra mim; e começou a caminhar em direção a sua casa. Eu pensei que ela evitaria falar sobre o tema por algum motivo, mas não foi o caso.

—...Nós ainda temos algum tempo... eu te explico...

 

 

 

 

 

¹Barulho da madeira estragada.

²Chabudai é uma mesa de refeições comum no Japão. Em geral, elas são de forma retangular ou circular, e muitas são dobráveis.

³O chá matcha é um chá verde feito com as folhas mais novas da planta Camellia sinensis, que é protegida do sol e depois desidratada.

 

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários



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