O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 28: As noites de inverno trazem consigo males e bençãos

Era uma noite fria de inverno. Havia-se passado 2 meses depois daquele combate acirrado. Aonde tinha-me consagrado como vencedor. Estávamos bem no meio da estação, então, lembro de estar nevando bastante.

Estava fazendo muito frio lá fora. No entanto, dentro da cabana estava quentinho. A lareira estava fazendo bem o seu trabalho. Foi uma boa ideia limpá-la devidamente antes do começo da estação.

Creeeeeeeeec! Creeeeeeeeeec!

Balançava a velha cadeira de madeira de um lado para o outro. A cadeira não era de balanço, por isso, tinha que ter cuidado para acabar não me desequilibrando ou até mesmo caindo dela. Sem contar que Erich provavelmente me daria uma bronca se continuasse com aquilo.

“...”

“Bem, se ele estivesse acordado, no entanto.”

Desde a luta, Erich vivia mais tempo dormindo do que acordado. Isso também acontecera antes do confronto. Quando acordava, ele apenas come um pouco ou vai fazer suas necessidades

Algumas vezes, ele tinha um pouco de febre e eu repetia o processo com um pano úmido em sua testa. Sorte que havia um pouco de água estocada na cabana.

“...”

Estava entendiado, então, decidi olhar o quão estava nevando. O piso de madeira velho rangia a cada passo que dava, entretanto, Erich ainda não acordava. Abri a porta que fazia um som estridente. Ela mais uma vez, fez um som bem alto.

Porém, Erich não reagia.

“...”

Nevava muito lá fora. Com certeza, uma das mais fortes nevascas que já presenciei. Não poupei forças para fechar a velha porta de madeira.

BAAAAAAAAAAM!

“...”

Sem sinal de Erich.

Talvez, no fim, apenas fiz tudo aquilo porque queria que ele acordasse e briga-se comigo mais uma vez. Como um filho que faz birra mesmo sabendo que seu pai voltar tarde do trabalho. Ele faz isso porque quer atenção.

— O que estou fazendo?

RIIIIIIC RIIIIIIC RIIIIIC

Já era madrugada, provavelmente uma ou duas da manhã, quando escutei alguns sons estranhos. Eram alguns pequenos gemidos e barulhos vindos da direção da escrivaninha.

— Velhote!

—...Hunm... o que foi... moleque...?

Pensei em levantar e ligar a lamparina, para ver como ele estava. São poucas a vezes que ele mantém a consciência assim. Quando ele acorda ele só come alguma coisa e volta a dormir de novo. Mas, lá estava ele sentado na velha cadeira de madeira em frente a escrivaninha.

Até mesmo ir ao banheiro é uma coisa difícil. Ele não me deixava ajudá-lo. Ficava um tanto chateado, já que parecia que ele não confiava em mim. Mas, percebi que se eu estivesse na situação dele, talvez me sentiria igual. Não gosto de ser um fardo para outros e Erich é assim também.

“Ele está... escrevendo?”

Tudo era extremamente estranho. Primeiro, por ele estar acordado a essa hora. Segundo, por que ele estava escrevendo no meio da noite e, terceiro, como sequer ele conseguia fazer aquilo naquelas condições.

No entanto, quando estava prestes a me pôr de pé, escutei as palavras de Erich:

— Apenas... volte... a dormir...Iori...

Não queria obedecer a o que Erich dizia. Amanhã de manhã ele poderia não estar acordado e vai saber quando ele iria acordar de novo. Mas, desobedecê-lo poderia acabar o irritando e eu não queria piorar a situação dele.

Então, decidi fazer as duas coisas.

— Como está se sentindo, velhote?

— [...]

— Pior... que ontem, com certeza...

— Mas, ontem, você não estava acordado — Disse em resposta.

— Você... me entendeu...

— Entendi? — Coloquei o dedo indicador no queixo e revirei os olhos para cima. Também fiz uma voz de desentendido.

— Sim... sim... você entendeu...

— Hehehe...

Amava conversar e provocar Erich. Conversavámos praticamente todo o tempo apenas alguns meses atrás. Mas, já fazia algum tempo que era difícil eu puder falar assim com ele.

[...]

— Velhote...

— Hum...

— Não é melhor eu te levar a algum médico, ou algo assim?

— Médico? Que médico?

— Qualquer um.

— [...]

Erich nunca foi do tipo de falar que estava se sentindo mal. Ouvir da sua própria boca que ele não estava bem, foi aflitivo. Mesmo que ele tivesse falado em tom de brincadeira.

Isso também era uma ideia que já tinha a algum tempo. Claro, eu nunca fui tão inocente. Sabia que Erich estava em uma idade bem avançada, porém, era exatamente por isso que levá-lo a um profissional seria o certo a se fazer naquele momento. Era assim que me sentia.

—...Eu já não... lhe disse, Iori? — Indagou, Erich. — É inútil. Não tem porquê de você... gastar energia... comigo...

— Não diga isso! — O vago silêncio da madrugada foi interrompido pela minha alta voz. — Você prometeu, não?! Você disse que se eu vencesse eu poderia cuidar de você.

— [...]

—...Eu sei. Me desculpa...

Para mim, Erich era alguém precioso. Tão valoroso como se fosse minha família, mesmo que não tivesse meu sangue. Ele havia feito tudo por mim, nesses poucos meses. Por isso, queria retribuí-lo; claro, de maneira genuína, não por obrigação. Eu realmente queria fazer isso.

E mesmo se o fizesse, não conseguiria fazer isso. Erich me ensinou a ser mais forte, a pescar... a ser um homem mais feliz consigo próprio.

Eu não sou cego. Nos últimos meses, havia visto Erich piorar dia após dia. Mesmo aquele homem tão forte e destemido foi afligido pela velhice e pela doença. A sensação de ver alguém tão importante para você, sofrendo... gemendo de dor... quase que implorando por sua morte. É terrível. Eu não desejaria isso nem para meu pior inimigo.

Sabia que estava agindo como um egoísta. Ele estava sofrendo muito. Talvez, deveria ter feito como Erich disse, e ter partido para um lugar distante para salvar pessoas que realmente poderiam ser salvas. Mas, eu não queria fazer isso. Porque sabia que se assim o fizesse... não poderia ver Erich de novo...

Se eu era um egoísta por não querer que Erich morresse, então, Erich era um egoísta por querer morrer sozinho.

A forma como Erich se comportava também me trazia sensações terríveis. Era como se alguém esmagasse meu coração. Estava me esforçando para cuidar dele: acordando cedo, cozinhando, cuidando da casa... tudo! Mas, ele estava desistindo... não, ele já tinha desistido...

“Droga... droga...”

— Garoto — Erich chamou minha atenção. Sua voz era estranha, mas, tenra e gentil. — talvez... tenha alguma forma...

— Hã?! Como assim?!

— [...]

—...Um médico...

 — É-é s-sério? — Indaguei. — Onde?

Erich não se virou em momento algum para falar comigo. Ele também não interrompia o que estava escrevendo.

— Há no leste daqui... fora da floresta... uma caixa...

— Uma caixa? E para que serve?

—...Essa caixa serve para... enviar mensagens...

“É tipo uma caixa de correios?”

—...Ela é usada por... heróis e civis... para se comunicar... com grandes... cidades...

Erich não havia nem terminado de falar, mas, eu já havia entendido onde ele queria chegar.

— Ah! Entendi! — Disse, batendo uma mão na outra. — Você quer que eu envie uma mensagem pedindo a ajuda de um médico! Estou certo?

— Sim... isso mesmo...

Parecia interessante. O problema é que estavámos no inverno. De uma hora para outra, poderia cair uma forte nevasca como estava acontecendo naquela noite. Outro problema, é que eu teria que sair e deixar Erich sozinho, sem qualquer auxílio.

Foi quando pensei numa alternativa.

— Velhote e se, ao invés disso, eu for para a Vila de Yve? É mais perto e com certeza, eles devem ter um médico ou alguma forma de chamar algum.

Na minha visão, parecia ser uma ideia bem mais segura. Além de bem mais perto. Não demoraria nem meio dia para chegar lá.

— Não... péssima ideia!

— Hã?! Po-por quê?

— [...]

Era estranho. Erich pareceu ficar extremamente incomodado com minha ideia. Era como se ele não quisesse nem ouvir o nome daquele lugar.

— A única coisa... que posso dizer é isso... me desculpe...

— Velhote...

“Isso foi algo que acabei me esquecendo com o tempo. Mas, é realmente estranho...”

“O velhote disse que veio morar nessa floresta por causa de Holly. Mas, talvez, isso também foi uma mentira...”

“Pense bem: Erich assassinou o seu pai — um nobre. Por causa disso, ele teve que viver a vida fugindo junto de Holly, e alternou isso com a vida de um herói nômade.”

“Indo de vilarejo á vilarejo, ele não podia, provavelmente, ficar muito tempo em uma vila. Ele mesmo disse que isso poderia acabar trazendo muita fama, e assim, acabaria sendo descoberto. Em algum momento, vivendo essa vida cansativa, ele e Holly acabaram chegando aqui. Possivelmente, devido a fama emergente da vila Yve, que começou a crescer.”

“O que eu não entendo é o porquê deles não se estabelecerem ali. Eles podiam construir a casa perto do vilarejo ou até mesmo terem sua aposentadoria merecida da vida de heróis ali. Essa é uma vila muito afastada no meio de montanhas e florestas. Se fizesse isso, duvido que teriam quaisquer problemas...”

“Além de que, mesmo se por algum acaso, as pessoas descobrissem suas identidades verdadeiras. Os habitantes daquele vilarejo pareceram ser excelente pessoas. Eu não acredito que eles entregariam aqueles dois.”

“Holly até tinha poderes de cura incríveis. Ela poderia ser muito útil pra aquela vila, mesmo na aposentadoria.”

“Mas, então, eles decidiram irem morar totalmente afastados numa cabana no meio da floresta? Isso não parece muito certo...”

Foi então que algo veio em minha mente. Como um raio rompendo meus pensamentos.

“Será que... houve alguma espécie de briga ou desentendimento, entre Erich e Golmar? Ou até mesmo algo ainda mais sério que envolveu a vila inteira?!”

“Isso explicaria quase que tudo...”

—...demora...

Minha linha de pensamento foi interrompida por Erich, que voltou a falar mais uma vez.

—...dois dias para... sair da floresta...

— Dois dias...

Não era tanto tempo assim. Achava que a extensão da floresta seria bem maior. Mas, ainda sim, era algum tempo. Erich teria que ficar dois dias sem ajuda alguma. Isso parecia arriscado demais para mim.

— Iori.

Erich, então, chamou minha atenção, mais uma vez.

— Sim, velhote?

— Você poderia... entregar isso... para mim...? Por favor...?

—...Eu gostaria... de continuar... vivendo... — Murmurou, Erich.

Antes que eu pudesse me levantar, ele se levantou e mais uma vez deitou na sua cama. Quando olhei em cima da escrivaninha havia uma grande carta feita com um papel velho e sujo. Ela estava fechada, então, não era possível ver seu conteúdo.

Também havia uma pequena bolsa de pano. Sua cor escarlate era adornada com um pequeno laço dourado. Ao segurá-la na minha mão notei que havia certo peso dentro de si. Provavelmente, algumas moedas.

“O pedido de ajuda e o pagamento, certo?”

— [...]

— Eu posso.

—...Obrigado.

Não era bem o que queria, mas eu faria qualquer coisa pela saúde de Erich. Mesmo que tivesse que ir em baixo de uma nevasca no meio da noite.

Não demorei a trocar de roupa. Coloquei a roupa de herói que uso normalmente. Se saísse cedo, também chegaria cedo. E eu queria voltar o quanto antes para casa. Também peguei alguns pães velhos e enrolei em um pano. Também peguei uma das velhas cumbucas de água de Erich e coloquei um pouco de água. Também peguei a carta e a bolsa de moedas.

Enquanto mexia nas gavetas da escrivaninha em busca de coisas que poderiam ser importantes. Também achei aquele cristal incolor que achei no vilarejo de Yve. Já havia me esquecido completamente dele.

“...”

“Vai que seja útil...”

Coloquei tudo isso numa velha bolsa de couro dos tempos de herói de Erich. Ela é uma bolsa de ombro com um fedor terrível. Mas, viria a calhar naquele dia.

Entretanto, a forte nevasca realmente seria um problema.

“Se Erich souber que está nevando, ele não vai me deixar sair...”

Estava em dúvida se saía ou não no meio daquela neve toda. Mas, então, escutei Erich dizer:

— O que está esperando?

— A neve que desce dos céus, está realmente forte hoje, velhote...

— Neve? Que neve?

— Hã?! Ah, você não consegue ver... essa aqui...

“O quê...?”

“...Como isso é possível...?”

Naquela noite, os flocos brancos de neve desapareceram completamente. Foi como se eles nunca tivessem existido em primeiro lugar.

Como se os fios do destino estivesse me convidando para entrar na vasta floresta branca.

— Co-como você sabia? Velh-

Quando olhei para atrás, Erich já havia adormecido.

— [...]

— Hehehe... até mais, velhote!

Com minhas botas apertadas saí da cabana e caminhei até a direção leste da floresta. Estava muito frio.

Lembro até hoje que olhei para a cabana por uma última vez, antes de adentrar mais a fundo na floresta. Havia bastante neve em cima do velho telhado de madeira.

“...”

“Então, não foi mesmo um sonho...”

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários



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