O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 26: O último desafio... sou eu

Meu cérebro pareceu paralisar naquele momento. Tudo a minha volta pareceu parar. Os céus e até mesmo a terra seca se tornaram cinzas. Era difícil respirar, o menor movimento doía como um monte de agulhas fincadas em meu peito. Eu tentava puxar o ar para meus pulmões, mas eles pareciam não funcionar corretamente.

Eu já estive nesse mundo algumas vezes. Na verdade, muitas vezes. Não sei se esse mundo é algum lugar como a Terra ou apenas algo que existe na minha cabeça. Não sei se outras pessoas vivem ou respiram nesse mundo, muitos menos se comem ou bebem aqui. Nunca vi alguma pessoa ou animal.

As cordas do tempo parecem não fazer sentido nesse lugar. Já que em primeiro lugar, não parece haver sol ou lua algum aqui. Não há dia ou noite. Também não tem relógios, seja de pêndulo ou de bolso. Também não há casas, ruas, cidades, florestas, cadeiras, mesas... o que for! Este parece ser um mundo vazio.

Não há plantas, não há montanhas, não há praticamente nada. A única coisa que existe nesse mundo é um grande mar preto como piche. Eu prefiro olhar para cima do que olhar para o mar. Eu prefiro olhar para os lados ou para frente do que olhar para as águas escuras. Prefiro até mesmo fechar meus olhos do que olhar para esse oceano, porquê, mesmo que seja escuro, é ainda menos do que esse mar.

Foi quando percebi que nunca foi um mundo, em primeiro lugar, mas sim uma ilha. Uma ilha cinza no meio do mar escuro. A ilha não é grande. Nem mesmo cinco pessoas cabem nesse monte de terra no meio da água. Não há palmeiras também...

Também sinto a presença de alguém aqui. Por mais que esteja sozinho, essa presença estranha parece estar me acompanhando nesse lugar. Não o enxergo, não sinto o seu cheiro... na verdade, não sinto absolutamente nada. Mas sei que ele está aqui, parado... me observando...

Odeio ser observado. Então, apenas fingi que não percebi sua presença. Mesmo que ele notasse, acho que ele não faria nada de mal a mim de qualquer forma. Além disso, eu confiava nas minhas habilidades de atuação.

Buscando esquecer dessa — presença — esquisita, olhei ao meu redor mais uma vez. Mas, sem muito sucesso

Por mais que procure alguma coisa nessa ilha, não acho nada. É como se tudo a minha volta fosse uma aberração natural. Não encontro sentido em nada aqui.

Ainda sim, essa ilha existe. Esse mar também. Se para cada existência há algum propósito, me pergunto qual seria a de cada coisa desse lugar. Naquela época, não encontrei a resposta.

Talvez, eu pudesse nadar. Porém, aquelas águas escuras me dão arrepio... e se eu me afogar? E se tiver tubarões ou algo do tipo? Se for um mar de tinta ou de piche talvez eu me sufoque...

Tudo me leva a entrar nesse mar. É como se eu soubesse a resposta desde o início. Entretanto, eu não quero morrer. Não quero me afogar e muito menos quero enfrentar o que estão de baixos da águas de cor escura.

"Odeio esse mar."

A voz de Erich como que desapareceu no meio daquele mundo acinzentado. Tudo parecia irrelevante, sem valor. Apesar disso, eu não sentia nada. Não sentia tristeza, vontade de chorar ou até mesmo gritar... apenas não sentia nada.

"Iori."

Erich continuava falando, mas eu não escutava. Ou pelo menos, já não entendia suas palavras. A sua voz parecia vir dos céus, como um a de um anjo. Mas, não escutava suas palavras divinas, apenas queria... fechar meus olhos e tapar meus ouvidos. Não queria escutar nada, não queria ver nada e muito menos perder algo de novo.

Se fosse pra ser assim, seria melhor eu ficar sozinho mais uma vez.

"Iori, está me escutando?"

Assim, não precisaria enxergar aquele mundo estranho e sem cor. Dessa maneira, aquela voz não chegaria aos meus ouvidos. Apenas precisaria abraçar a mim mesmo e torcer para que tudo fosse mentira. Que tudo fosse apenas um sonho ruim; sim, um pesadelo. Torcendo para que alguém me acordasse, e eu enxergasse mais uma vez o mundo colorido.

***

— Iori!! — Erich me empurrou para frente e para atrás meus ombros com ambas as mãos. Ele tinha uma expressão desesperada — Você está bem?

— Hã?! Sim... eu estou bem...— Me afastei de Erich dando alguns passos para atrás. Mesmo com minhas palavras, ele ainda sim parecia preocupado. Então, percebi que teria que ser ainda mais convincente — É sério! Eu apenas fiquei um pouco chocado... só isso...

— [...]

Erich não pareceu menos preocupado, mas ele parou de falar sobre isso. Talvez, ele realmente quisesse ir mais a fundo sobre isso. Porém, Erich sempre foi muito respeitoso e cuidadoso sobre entrar na vida dos outros. Provavelmente isso se deve a sua criação, visto que ele foi um nobre na sua juventude.

Eu também não gostava de preocupá-lo. Ele já estava mal o suficiente, ele não precisava de mais problemas ou preocupações. Então busquei amostrar para ele logo de cara que eu estava bem. Muito provavelmente não tiraria todas os seus anseios, mas seria o suficiente por enquanto.

Dei um sorriso falso para Erich. Ele não pareceu comprar minha ideia, já que ele não retribuiu. Ao invés disso, ele apenas voltou o seu rosto para o chão e mais uma vez voltou a esfregar o bastão contra a terra e a relva.

Antes que eu pudesse dizer algo a ele, escutei sua voz tenra chegar aos meus ouvidos.

— Não tenho muito tempo, Iori. Já estou muito velho... não tem sentido em você perder tempo aqui comigo. Então...

— Não! — Exclamei. — Isso não é verdade!

— [...]

— O que você está dizendo, velhote?! Nem parece você! — Não queria aceitar as palavras de Erich. Por isso, rebatia repetidamente as suas afirmações.

Para mim, Erich sempre foi o mais forte. E não digo isso, necessariamente no aspecto físico ou no quão bem ele usava o Nill. Naquele tempo, sequer tinha alguma ideia sobre isso na verdade. Havia chegado apenas alguns poucos meses atrás.

Eu sempre enxerguei Erich como uma rocha: forte, inabalável e imutável. Um homem com convicções tão fortes quanto ele mesmo. Por isso, talvez, sempre tive esse respeito com ele. Mesmo que ele fosse irritante para mim no início, tinha profundo respeito pelas suas paixões, sonhos e forma de agir — tanto nas grandes ou pequenas coisas.

Mas, agora eu via um homem... fraco. Um homem covarde que mal parecia conseguir se manter de pé. Não enxergava um medo natural da morte, isso seria natural. No fim, somos seres humanos. O que eu via era alguém que tinha desistido antes mesmo de tentar. Como um corredor que desiste antes mesmo de enxergar a linha de chegada.

Esse — Erich — que eu não conhecia me assustava. Erich é um homem forte, sabia disso. Esse sentimento nunca se apagou em mim. Sei que seria muito difícil para ele, provavelmente, muito desgastante para um velho homem de idade tão avançada. Porém, se ele desistisse antes mesmo de tentar sabia que seria impossível.

Por isso, precisava que ele ao menos tentasse. Lembrava que Erich havia falado sobre uma habilidade de cura envolvendo o Nill. Resguardava claramente que ele disse que até mesmo Holly contava com tal poder. Se eu levasse Erich para algum médico ou herói que contasse com tal talento, tinha certeza que ele poderia ser curado!

Ele apenas precisaria se manter forte por alguns dias. Sabia que Erich conhecia a floresta como a palma da mão, então, sair dali não seria um problema.

O que enxergava como dificuldade seria os dias para isso. Aquela era uma floresta bem grande, então, poderia ser uma viagem muito longa. Isso poderia ser cansativo para Erich. Eu podia o carregar nas minhas costas durante toda viagem. Mesmo sendo desgastante eu não me importaria nem um pouco de fazer isso. O problema é que Erich não gosta de ser um — peso — para mim, então, eu teria que conversar devidamente com ele primeiro.

Também tinha como alternativa o vilarejo de Yve. É mais perto e as pessoas são gentis e receptivas. Mesmo se elas não quisessem me receber, eu sei que eles ajudariam Erich. Porque eles são boas pessoas, diferente de mim. Sim, sei que eles ajudariam.

— Cadê aquele homem irritante e gritalhão que vivia enchendo meu saco a todo momento? Aquele cabeça dura que não fazia o menor sentido e só falava besteira?!

— [...]

— Você está diferente, velhote... está parecendo um covarde! Falando nada com nada!

— [...]

Estava irritado. Por isso, estava tentando jogar tudo para fora. Estava cheio de um sentimento ruim que permeava todo meu corpo, e tentava ao máximo afastá-lo o tanto que eu podia. Hoje vejo que estava agindo como um verdadeiro babaca naquele momento, mas não tinha noção na época. Só queria afastar aqueles pensamentos o máximo que podia.

—...Velhote.

Nesse momento, tentei falar com a voz de Erich. Aquilo pareceu surtir efeito visto que, enfim, Erich estendeu a cabeça em minha direção.

—...Não se preocupe. Eu tenho certeza que tem algum médico que pode te ajudar! — Exclamei com um sorriso no rosto. Esbanjava confiança e positividade. — Eu vou te ajudar, não se preocupe. Você pode contar comigo dessa vez, velhote. Por favor... só dessa vez...

— Iori...

Me esforcei para que meus sentimentos alcançassem o coração de Erich. E sei que naquele momento havia conseguido. Erich tinha no seu rosto, uma mistura de surpresa e felicidade.

—...Hehehe... como eu poderia não responder essas palavras á altura...

De repente, tudo mudou. Uma sensação que eu jamais havia sentido percorreu cada parte do meu corpo. Senti como se todas minhas células paralissasem no mesmo instante. Não podia mover um fio de cabelo mesmo se quisesse.

"O que é isso..."

"...Essa sensação..."

CROOOAAAAKKKKKKKK! CROOOAAAAKKKKKKKKKK!

FLAP!! FLAP!! FLAP!! FLAP!!

Primeiro, os pássaros que sobrevoavam pelo céu. Eles voltaram como loucos. Gritavam e batiam suas asas com tanta força que até mesmo eu podia escutá-los. Não deu pra ver se era os mesmos que eu havia visto mais cedo, já que não conseguia levantar o meu rosto.

Talvez, alguns deles tenham caído no chão. Acho que eu escutei uns sons estranhos que pareciam corpos caindo de um lugar alto. Mas, não tenho certeza já que os pássaros estavam fazendo muito barulho.

Segundo, alguns animais pareciam correr pela floresta. Totalmente desnorteados, eles pareciam estar fugindo de um predador terrível. Não vi nem um deles, já que meu corpo estava imóvel como pedra.

Foi quanto notei...

Essa pressão avassaladora vinha da pessoa que estava na minha frente. Talvez, por causa do treinamento que havia realizado; agora, enxergava perfeitamente. O — predador — de quem os animais estavam fugindo estava na minha frente.

— Iori. — Disse, Erich. Suas palavras pareciam romper aquela atmosfera. — Eu já não tenho alguma salvação. Mas, suas palavras e sua convicção... eu não posso deixar de dar valor aos seus sentimentos...

— Velhote...

—...Por isso, proponho um acordo entre homens.

Erich levantou o bastão em direção ao ar e bateu no chão com força. A pressão de seu movimento foi tão poderosa que fez minhas pernas se desequilibrarem e eu caí de joelhos no chão. Ele largou o bastão logo após isso.

— Esse será o seu último treinamento! — Exclamou Erich em alta voz — Darei a vantagem para você, então, isso não será injusto.

— D-do que voc-

De repente, tudo pareceu se encaixar. E eu compreendi em menos de um segundo o que Erich estava prestes a propor.

— Me vença em um duelo!! Acerte um golpe em mim apenas uma vez e a vitória será sua... se isso acontecer, pode ficar e cuidar de mim como você quiser. Eu não vou me opor a isso... nem vou te obrigar a nada...

—...Mas, se eu vencer... você terá que ir embora! Você buscará evoluir e treinar para ajudar o máximo de pessoas que conseguir. Se tornará um herói que ajuda todos que puder! Não importa quem seja: rico ou pobre, inteligente ou ignorante, fraco ou forte... qualquer um! Viverá uma vida para os outros, mesmo que não queira. — Finalizou, Erich. Suas palavras eram fortes e verdadeiras. Ele com certeza, não estava brincando.

— M-mas ve-velhote... i-isso significa...

— Sim, Iori...

— O último desafio...

—...sou eu.

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários



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