O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 25: Sim, eu sou um egoísta!

Ventava naquele dia. O ar forte que vinha do sul carregava as folhas secas de outono consigo. Pelo menos, as que já estavam caídas no chão; visto que as mesmas já estavam desgarradas dos galhos das árvores. 

 

Alguns pássaros planavam sobre o céu azul. Eles pareciam aproveitar aquela ventania para se locomover ao seu destino. Não dava pra ter total clareza sobre as suas aparências, tirando suas penas de cor preta e seus bicos amarelados. 

 

Estavámos no meio do entardecer, por isso, estava quente mesmo com todo aquele vento. Talvez tenha chovido um pouco enquanto Erich e eu tinhámos adormecido... isso explicaria todo aquele mormaço. A terra também parecia um pouco mais fofa do que o normal.

 

Queria me abanar um pouco, mas parecia que não tinha tempo para isso. Erich estava parado em pé na minha frente. Ele usava sua bengala para se manter em pé. Apesar disso, ele não parecia visualmente fraco ou abatido. Pelo contrário, Erich estava com um ar de austeridade. Sua compostura fazia com que fosse difícil se aproximar dele.

 

Entretanto, eu já sabia que quando Erich agia dessa maneira, isso significava que ele iria me ensinar algo importante. Algo que ele queria que eu prestasse á devida atenção. Tinha dúvidas quanto a isso, mas tinha que confiar em Erich, sabia disso mas do que ninguém.

 

— Iori...

 

— Velhote...

 

Erich foi o primeiro a quebrar o silêncio. Sua voz diferente da sua postura era meiga, como a de um pai preocupado. Parecia um tanto custoso para ele levantar sua cabeça, por isso, ele permanecia com os olhos para baixo. 

 

— Você cresceu... nos... últimos meses... nem parece mais... aquele... garoto franzino...

 

—...Você já parece tão forte...

 

—...Fico muito feliz... hehehe...

 

Erich não podia enxergar nenhum palmo a sua frente. Porém, ele ainda fazia questão de dizer o quão eu havia crescido. Assim como um pai que acompanha a altura de seu filho fazendo riscos em uma parede. No entanto, Erich e eu só haviamos nos conhecido há uns nove meses. Isso me fez me perguntar a mim mesmo algumas coisas na época.

 

"Será que nossa relação pode ser vista dessa maneira?"

 

"Eu realmente gosto de Erich. Sei disso... mas, como eu vejo Erich? O que ele é para mim?"

 

"O que eu sou para Erich...?"

 

"Mestre e aprendiz... sim, talvez essa seja a resposta. Mas, isso parece tão..."

 

Palavras nem sempre são necessárias. Eu sabia disso. Assim como eu, Erich era um homem que tinha dificuldades em falar algumas coisas. Talvez, por isso, eu o entendia tão bem. O que eu sabia é que Erich era meu mestre e não apenas isso, mas também uma pessoa que eu tinha extremo carinho e cuidado. 

 

Minha mãe sempre me dizia para ter cuidado com as coisas que gostamos. Desde que eu cheguei nesse mundo, Erich me tratou como um igual. Ele não me deu tratamento especial, mas também, não me destratou os desprezou. Erich sempre me elogiou quando eu acertei, mas também, me orientou quando eu errei. 

 

Por esta razão, sabia o que tinha que fazer. Para retribuir todo o carinho e felicidade que ele me deu nesses meses, não me importaria em cuidar dele mesmo se sua situação piorasse. 

 

—...Iori.

 

— S-Sim, velhote?

 

— Você já consegue usar o Nill sem problemas, correto? — Ouve uma mudança abrupta na forma de Erich falar. Sua voz era firme e severa. Tinha a confiança de um líder. Não havia pausas ou interrupções como algum tempo atrás. — Eu quero que você exponha a sua energia.

 

— M-mas por-

 

— Exponha a sua energia.

 

***

 

Demorou cerca de cinco minutos para que fizesso isso. Erich me observava a cada momento. Era minha primeira vez fazendo isso depois daquela sequência insana de treinamentos, por isso, me surpreendi quando notei a velocidade que consegui expor o meu Nill no meu corpo inteiro.

 

"Provavelmente, isso foi fruto do meu treino intenso."

 

— [...]

 

— Primeiro, eu gostaria de salientar algumas coisas... — Erich, exclamou. Sua voz parecia ecoar por toda floresta — Cada treino que eu lhe dei teve sentidos diferentes para um mesmo objetivo: despertar o seu Nill. Como eu já havia lhe dito, ele sempre esteve presente em seu corpo, contudo, você mesmo não tinha consciência dele.

 

— Vejo agora, que você já tem a consciência de sua existência. Isso é bom. Desde que você continue o treinando, você se tornará cada vez melhor em usá-lo. — Erich pareceu pressionar o bastão de madeira contra o chão antes de voltar a falar. Isso era uma mania dele. — Ainda não está perfeito, mas por enquanto, está bom. Sim, é o suficiente... por enquanto...

 

De repente, pareceu como se Erich tivesse tirado um peso enorme de suas costas. Ele encheu seus pulmões com o ar revigorante de outono e exclamou em alta voz:

 

— Iori, acho que eu estava errado....está terminado...

 

— O quê? Do que v-você está f-falando, velhote? 

 

— Parabéns, meu dis- não... parabéns, Iori! Você conseguiu! — Gritou á plenos pulmões — Já não tenho mais nada a lhe ensinar...

 

Aquelas palavras causaram um dano desconhecido a mim. Em uma situação normal, qualquer discípulo ficaria feliz em escutar que todo seu esforço finalmente havia sido recompensado. No entanto, escutar aquilo de Erich, por alguma razão, foi doloroso... como uma espada atravessando meu coração...

 

— Tenho certeza que você se tornará um grande herói se esforçar verdadeiramente... Hehehe, o que eu estou dizendo... é claro que você vai...

 

— Ve-velh-

 

— Já faz algum tempo, mas eu tenho alguns contatos na capital. Com a orientação certa, você com cert-

 

— Velhote!! 

 

Minhas palavras naquele instante pareceram cortar o ar de outono. Até mesmo Erich com toda sua calma e serenidade pareceu ficar abalado com meu grito repentino.

 

— Iori, o que foi? Tem alguma coisa errada?

 

Khhhhhh...

 

Cerrava meus punhos com tanta força, que parecia que minhas unhas encravariam na palma da minha mão. A forma como Erich falava... as suas palavras... o seu rosto...

 

"Você sequer sabe o que eu quero...?!!"

 

Este havia sido o mesmo motivo o qual pelo eu havia fugido do vilarejo de Yve. Pessoas se intrometendo em minha vida, dizendo o que eu devo ou não fazer. Me tratando como se eu fosse um mero boneco de pano. 

 

Eu não treinei todos esses meses para me tornar herói algum, mas sim, para conseguir me proteger. Aquela sombra ainda me trazia receio de andar por esse mundo sem qualquer forma de me defender, por isso, aceitei ser treinado por Erich para que conseguisse certo conforto. 

 

"Eu não me importo com as pessoas desse mundo..."

 

Mesmo no meu mundo só me importava com a minha família. É assim que sempre entendi sobre a vida: só nos importamos com quem é próximo a nós. Quanto mais nesse mundo, que sequer é o meu. Por que deveria arriscar minha pele por desconhecidos? Por pessoas que não tenho carinho algum? 

 

Amor? Empatia? Para mim, na época, isso não passava de algumas poucas palavras bonitas. 

 

"Quem eu verdadeiramente me importo..."

 

É Erich. Ele é a única pessoa que realmente me importava naquele vasto e desconhecido mundo. Também, não via necessidade em conhecer mais alguém. Foi ele que cuidou de mim, foi ele quem me tratou como um igual desde o início. Ninguém além dele! 

Nesse meio-tempo conheci mais sobre ele: sobre suas forças, suas fraquezas, seus medos... sobre Erich em si. Sobre um velho homem que mudou seu destino mesmo sujando suas mãos com sangue. Que viveu sua vida inteira em prol de outros, para sentir nem que seja um pouco de alívio em sua alma. 

 

Infelizmente, esse mesmo homem perdeu quem era mais importante para ele. Isso causou uma tristeza inimaginável para o mesmo. 

 

Erich mora em uma casa na floresta. Longe de tudo e todos. Isso dar a entender que ele é um homem solitário que ama ficar sozinho. Mas, isso não é verdade! Erich odeia ficar sozinho. Sei disso, porque nesses momentos é onde ele faz esse rosto tão... triste. 

 

Por isso, eu quis ficar ao seu lado. Permanecer com ele! Esse era meu desejo...Mas, esse mesmo homem estava me dizendo para que eu fosse embora. Que o abandonasse sozinho nessa floresta. O homem que odeia ficar sozinho, escolhe ser um solitário... por quê? 

 

Não me importaria em cuidar dele todos os dias. Aprenderia até mesmo a cozinhar pratos variados para ele — alguns mais saudáveis claro. De levar ele para tomar banho de sol todos os dias. De carregá-lo em minhas costas quando não pudesse se mover. Limparia a casa cedo todos os dias com um sorriso no rosto. Não me importaria em acordar cedo... Cada segundo do meu dia seria para cuidar dele. E isso me faria feliz. Não me cansaria de fazer isso, nem me sentiria sobrecarregado. 

 

Se eu tivesse que ajudá-lo a fazer suas necessidades, não teria nojo algum dele. Nem ficaria envergonhado. Ajudaria ele sem problemas e com confiança! Se ele ficasse doente, cuidaria dele! Me tornaria até um médico se fosse necessário! Melhor até que um! 

 

E mesmo se fizesse tudo isso, todos os dias, até o dia em que Erich descansse em paz. Ainda sim, não pagaria o que ele fez por mim. Nem mesmo um pouco. 

 

Talvez eu estivesse agindo como um egóista?! Sim, eu estava. Porém, se eu era um egoísta, Erich era cem vezes mais. Se eu estava agindo com egoísmo por querer permamecer ao seu lado, Erich estava agindo cem vezes mais por querer que eu fosse embora! 

 

— Herói?! Quem disse que eu quero isso? Eu alguma vez disse isso?! Hein, velhote?! 

 

— [...]

 

— Eu não quero ir embora! Não quero arriscar minha vida pela a de outros que sequer conheço! — Minhas palavras eram fortes. Não consigo nem pensar sobre a cara que eu estava fazendo na época, mas com certeza, era bem feia. — Eu quero ficar aqui, velhote! Eu quero ficar com você! Por que não entende?! 

— [...]

 

— Garoto... eu não te ensinei a ser um egóista... — Disse, Erich. Sua cara era de poucos amigos.

 

— Eu não me importo se você acha isso! Você é bem pior que eu! 

 

O vento antes forte e destemido, pareceu cessar diante daquelas palavras afiadas. Ambos, Erich e eu, não parecíamos dispostos a abrir exceção alguma. Penso agora, que aquele momento relembrava os velhos e bons tempos em que brigavámos praticamente todos os dias.

 

— Você não entende, garoto? — Exclamou, Erich. Quebrando o silêncio. — Você é um teleportado! Você tem a força e o talento para salvar milhares de pessoas! E agora, você vem me dizer que não quer ser um herói?! Que quer ficar vadiando nessa floresta?! O que aconteceu com seus miolos?!! 

 

— E eu ligo?! Estou pouco me ferrando se sou um teleportado ou não! Não vou viver minha vida como os outros querem só porque tenho talento, vá se catar velhote maldito! 

Grrrrrrrr! Moleque desgraçado! 

 

— [...]

 

— [...]

 

Pfffff.... Hehehe!

 

— Hahahaha...

 

O clima antes severo se tornou leve como uma pena. Os velhos tempos pareceram voltar por um breve momento. Apesar disso, ainda não havia acabado. 

 

— Iori... por favor, apenas me escute dessa vez...

 

— M-mas, vel-

 

— Apenas dessa vez! Por favor... eu já lhe disse eu não tenho mais nada a lhe ensinar. Na verdade, sequer sou um mestre de verdade. 

 

— Isso não é verdade! Você disse não?! Você salvou muitas pessoas como herói, junto de Holly. 

 

— [...]

 

— Isso foi mentira. 

 

Hã?!

 

— Quer dizer, sim eu fui um herói junto de Holly. Mas, estavámos longe de ser os grandes heróis que contei para você. — Murmurou, Erich. — Nós não passamos de heróis irrelevantes que ajudavam alguns pequenos vilarejos em coisas básicas como: cuidar de animais, casas e na lavoura...

 

— [...]

 

— Talvez, se Holly quisesse ela poderia ter tido mais sucesso que eu. Ela sempre teve algum talento. As suas habilidades com certeza seriam úteis para alguém. E eu orientei ela a fazer isso algumas vezes. Entretanto, ela nunca quis se desvencilhar de mim. Isso, com toda certeza, acabou sendo um desperdício de talento... 

 

— Por isso, Iori... não faça como Holly. Não desperdice suas habilidades aqui. Você tem talento para fazer grandes coisas, diferente de mim. Eu nunca passei de um herói irrelavante de pequenos vilarejos e aldeias, mas com você vai ser diferente! Sei disso! 

 

— Velhote... eu não quero isso... você sabe disso. — Disse em resposta. — Eu quero ficar com você! Não quero te deixar sozinho! Não me importo em desperdiçar meu talento...

 

— Eu sei, Iori. Eu fico feliz de verdade com isso. — Relatou, Erich. Ele tinha um tenro sorriso em seu rosto. — Mas, você não pode perder tempo com alguém velho como eu. Alguém que sequer pode ser salvo...

 

— Hã?! O que você...

 

— [...]

 

As curtas palavras de Erich ressoavam pela minha cabeça. A dura verdade que eu não queria aceitar e que não queria enxergar de maneira alguma. Mas, que dessa vez, se mostrou nua e crua em minha face. Todo meu corpo gelou com as palavras que escutaria a seguir:

 

— Iori...

 

—...Eu estou morrendo.

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários



Comentários