O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 19: "Sentir" é a resposta

Já faz alguns dias que a 2° etapa do treinamento com o velhote começou. Apesar disso, estou tão perdido como sempre. Isso me deixa constantemente irritado comigo mesmo, porque sinto que não estou correspondendo as expectativas de Erich. Estou cada dia mais nervoso e cansado.

Isso tudo é vago demais e ele não responde a nenhuma de minhas perguntas. Não obscuro suficiente, os treinamentos que Erich passou para mim sequer faz algum sentido lógico.

Um dos seus treinos estranhos, por exemplo, é que eu devo escalar árvores. Achei esquisito já que, na minha opinião, isso se encaixaria como um treino para o corpo. Entretanto, não esperava que o velhote não me deixasse utilizar força. Sempre que tento escalar as árvores, ele sequer me permite tentar. Quando vou começar a escalar o mesmo me manda parar e começar tudo de novo. Então, ele me adverte para eu não usar meus músculos.

“Como é que eu vou escalar uma árvore sem usar força?”

Outro de seus treinos é ainda mais estranho. É parecido com o outro treino na cachoeira, contudo, com suas próprias particularidades. Antes, eu meditava na cachoeira, recebendo toda aquela quantidade de água nas costas. Penso que aquele treino focava na minha resistência.

Já o treino atual é confuso. Erich pediu para que eu tocasse na superfície da cachoeira com a mão. Já era bastante estranho, mas então, em seguida, ele pediu para que eu movesse a água de lugar. Aquilo tudo era uma completa loucura para mim e deixei isso bem claro para o velhote. Sequer tinha ideia do que ele estava falando.

— Velhote, não consigo entender aonde você quer chegar! O que você está tentando dizer? Pode ser mais claro?!

—...Hum... não era minha intenção inicial — disse Erich. — mas talvez seja o melhor para você. — Erich então estendeu seu braço esquerdo em direção a cachoeira. Fui burro em não pensar em como alguém tão debilitado conseguia permanecer ali. Sua mão esquerda ao tocar a cachoeira moveu a água de lugar. Tudo ao redor de sua mão ficou seco. Seus dedos tocavam a parede de rochas que ficam de trás de toda aquela água. — Entendeu agora, garoto? É isso que quero que faça.

— Is-Isso é im-impossível... não tem como eu fazer isso.

Erich não respondeu. Ele apenas tirou sua mão da cachoeira e com isso, a queda das águas voltou ao normal. Em seguida, ele saiu dali e foi se sentar na grama seca enquanto me observava.

— Eu vou saber quando você tiver conseguido. Não me aborreça mais. — Exclamou, Erich.

Fiquei o dia inteiro tentando o que ele fez. Mas, obviamente, nada aconteceu. Já faz alguns dias que venho tentando e sem qualquer resultado. Foram quantos dias... 1, 2... não, esse já é o nono dia. O que mais me aborrece é que eu não tenho nenhum norte.

Os treinos físicos eram treinos que era fáceis de se entender. Flexões, abdominais, correr... esses são treinos comuns em meu mundo. Porém, os treinos que Erich tem me passado são treinos sem qualquer sentido. Bom, pelo menos não pra mim.

Há ainda um 3° treino passado pelo velhote. Esse é ainda mais brutal. É uma meditação noturna. Olhando assim parece bem simples. Até tenho certa experiência já que fiz o mesmo na cachoeira há algum tempo. Mas, é totalmente diferente! É assustador!

Não é como se eu tivesse medo de escuro... não sou uma criança! É ainda mais aterrorizante...

Erich descobriu que... que... eu odeio formigas! Droga, eu fui descuidado...

Tudo começou quando eu era bem pequeno. Acho que eu tinha uns 4 anos de idade. Estava brincando no parquinho que ficava há uns 100 metros de minha casa. Era um parque relativamente pequeno de areia com alguns brinquedos de playground já não tão novos.

A maioria das crianças de minha idade se me lembro bem faziam fila para brincar nos velhos brinquedos. Quem não tinha muita paciência apenas brincavam de pique-esconde com seus amigos.

Já eu, preferia ficar desenhando na areia com meus dedos indicadores.

Bem, não é como se eu não quisesse brincar com os outros. Eu apenas não tinha muita sorte, eu acho. Alguns garotos da minha idade tentaram algumas vezes fazer amizade comigo, mas, ou eu recusava ou eu tentava me enturmar timidamente, mas sem muito sucesso. No final, voltava a desenhar na areia.

Obviamente, quem me levava ao parquinho era minha mãe. Ela ficava preocupada por não conseguir me enturmar e tentou algumas vezes me apresentar aos outros garotos. Contudo, alguns garotos não gostavam de ser — forçados — a fazer amizade com alguém. Eles preferíam continuar brincando com seus próprios amigos e colegas.

Então, era minha mãe que acabava passando algum tempo comigo.

Num desses dias, estava bastante calor. O sol junto da areia quente não eram uma boa mistura. Minha mãe comprou um suco gelado para mim. Era sabor de uva — o meu favorito. Estava fortemente envolvido em um desenho que estava fazendo, por isso, tomei o suco enquanto desenhava na areia. Acabei derramando bastante suco em mim, sempre fui meio atrapalhado então não foi uma grande surpresa.

Depois de algum tempo desenhando, um cansaço repentino tomou conta de mim. Provavelmente, devido ao calor. Acabei adormecendo ali mesmo, agachado. Acho que adormeci por uns 10 minutos, no máximo. Acordei com várias formigas loucas por açúcar caminhando pelo meu corpo

Acho que aquilo me traumatizou para sempre.

Se me lembro bem, foi no dia em que Erich acordou. Eu estava observando o velhote deitado em sua cama. O nervosismo me fazia bater o meu pé direito de tempo em tempo no piso velho de madeira. Tentando me acalmar um pouco, me lembrei que já se passava das 16:00, era uma boa hora para começar a fazer o jantar.

“Talvez o cheiro da comida o acorde.”

Entretanto, quando ia me levantar, notei algo se movimentando pelas frestas da madeira. Pensei que era apenas um mal-entendido, mas então, uma, duas, três...

Meu músculos se enrijeceram. Minha mente ficou vazia, mas um amontoado de sentimentos permaneceram ali. Eram formigas. Não aquelas mais caseiras que disputam pelo pote de açúcar, mas sim, aquelas maiores e vermelhas de formigueiro.

— UWAH-

O meu cérebro quase que instantaneamente ativou o modo — alerta — em meu corpo. Isso fez com que eu reagisse, fazendo com que eu desse um grande salto pra trás. Isso além de fazer um grande barulho devido a piso de madeira, derrubou a velha cadeira no chão resultando com que quebrasse parte dela.

— O que é... isso tudo...

Obviamente, aquilo tudo fez um grande barulho e nesse meio tempo, o velho Erich acordou.

Ele não conseguia me enxergar — paralisado — em frente a porta, mas, notou que havia algo errado. Então, meio que fui obrigado a ter que falar sobre esse meu lado vergonhoso pra ele. Bom, pelo menos, ele afastou as formigas...

Minha reação foi bem vergonhosa, é verdade, mas... deixando isso de lado, isso foi realmente estranho. Claro, não é estranho ter formigas ou insetos numa floresta, porém, desde que eu vim para essa floresta nunca havia me encontrado com qualquer animal ou inseto. Nem mesmo um peixe ou alguma ave no céu.

O velhote parecia um tanto surpreso também, mas ignorou tudo depois de um tempo.

Claro, eu não sabia necessariamente como as coisas nesse mundo funcionavam. Então, apenas fiz como Erich. Apesar que no meu caso, eu não consegui dormir direito aquela noite ( olhar para as frestas de madeira no escuro foi realmente desgastante ).

Apenas coloquei a culpa nas frutinhas parecidas com amora que começavam a crescer mais uma vez ao redor da cabana.

O que eu não sabia era que aquela velha raposa ia usar meu medo contra mim. Claro, evidente que isso tem haver com seu — 3° Treinamento. Ele consiste em eu meditar a noite INTEIRA ao lado de um formigueiro. Que demoníaco...

Esse formigueiro era totalmente vazio há algum tempo. Entretanto, parece que algumas pequeninas se mudaram pra cá. Várias formigas como aquelas que vi na cabana, andam pra lá e pra cá, todo o tempo enquanto eu estou meditando. Ou pelo menos tentando.

Assim, como os outros dois treinos, eu não tinha a menor ideia de qual seria o seu objetivo. Talvez... enfrentar meu medo? Mas, não consigo ver como isso tem a ver, com a aprender usar o Nill. Isso mais parece aqueles desafios de coragem que as crianças fazem umas com as outras.

Não da pra fugir, já que o velhote fica me observando. No caso, ele fica dormindo sentado em cima de uma pedra. Mas, com certeza, fugir ou tentar trapacear nesse treino não resultaria em algo nada bom... o galo da minha cabeça dói só de pensar...

Apesar disso, ele vez após vez tenta me encorajar. Bom, pelo menos ele tenta. Não que adiante muita coisa.

— Já é de noite. As formigas já estão dormindo. — Afirmou, Erich. — Não há nenhuma razão pra ficar nervoso.

— Já que é assim, que tal fazer isso em qualquer outro lugar? Podemos? Podemos?

— Não.

— [...]

Não tenho dormido direito por causa disso. Porém, algo que me surpreendeu, é que Erich disse que não havia qualquer problema em eu dormir durante esse treino.

— Desde que você se acalme, tudo bem.

Mas fácil falar do que dizer. É difícil dormir quando você fica imaginando um monte de patinhas caminhando pelas suas pernas. Mal consigo fechar os olhos, quanto mais.

Esses nove dias que passaram foram realmente desgastantes. E não havia feito qualquer progresso no processo. Já estava no meu limite. Então, no nono dia, já havia mais uma vez feito os meus dois treinos do dia — sem nenhum sucesso. Mais uma vez, só me restava o último treino.

Pelo menos agora, conseguia me sentar ao lado do formigueiro. Já era alguma coisa, entretanto, eu queria muito além disso. Todos esses dias sem praticamente nenhum resultado me deixava extremante abalado, irritado comigo mesmo.

Esses sentimentos somados com o meu medo pessoal não conseguiam me deixar no clima para meditar. Quando fui perceber, já estava amanhecendo. Talvez, esse tenha sido o mais próximo que cheguei de desistir. Todo aquele cansaço e desânimo vieram de uma só vez.

Não tinha mais vontade de fechar meus olhos. De tentar de novo.

— Quer desistir, garoto?

Me surpreendi quando escutei a voz do velhote. Ele havia acordado cedo. Sua entonação me irritava um pouco. “Ele é tão injusto”, como ele conseguia dizer isso depois de me deixar no escuro desse jeito. Ele sequer meu deu alguma dica do que ele quer que faça.

— Eu só não entendo o que você quer, velhote.

— Isso te faz querer desistir? — Indagou, Erich, mais uma vez.

— Ah... não, é que... — Estava um pouco cansado pra debater com Erich. Entretanto, uma pequena analogia surgiu em minha mente. Pensei comigo que talvez se eu contasse para ele como estava me sentindo... talvez ele me compreendesse. — Tipo... sem uma chave, não tem como abrir uma porta, certo? Eu só quero que você me diga qual é a chave. — Disse, em resposta.

— [...]

Erich me observou por um tempo. Em seguida, ele cruzou os braços e parece ter raciocinado um pouco. Sem muita demora, ele bufou pelas narinas e então disse:

— Mas, eu já lhe disse a chave!

— Hã?! Sério?! Quando?

“Será que eu não prestei atenção em alguma coisa que ele disse? Ou então, apenas ignorei alguma fala importante...”

Por mais que pensasse, não me recordava de nada que pudesse me ajudar. Mas, se o que Erich disse foi verdade sabia que ele não teria problemas em repetir pra mim.

— Eu não me lembro direito... — Disse, com uma cara de pau sem igual — Será que o senhor não poderia repetir para mim? Por favorzinho?

— Ah... você não tem jeito... — Exclamou, Erich. Ele expirou fundo como se o que tivesse para dizer fosse algo tão cristalino como as águas. — Eu já disse não...

Um pequeno suor frio descia pela minha testa. Não tinha percebido que estava tão nervoso. A resposta que tanto queria seria me dado agora. Ajoelhado no chão, escutei com atenção as palavras que seriam a chave para vencer esse treinamento infernal.

— Sentir é a resposta.

 

 

 

 

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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