O Pior Herói Brasileira

Autor(a): Nunu


Volume 1

Capítulo 17: Fardo

Ainda não conseguia acreditar no que tinha acabado de escutar. O herói que eu tanto respeitava e admirava era, na verdade, um assassino de sangue frio? Era inacreditável.

Entretanto, levando em conta as circunstâncias, não conseguia sentir raiva ou desprezo de Erich. Ao contrário, ele era igual a mim — um homem com sangue nas mãos. Além disso, o velhote não precisava contar sobre essa parte do seu passado para mim, ele poderia muito bem escondê-lo, mas não fez. Isso mostra que Erich confia em mim, até para contar algo tão difícil.

Ainda sim, estava surpreso e em choque com a notícia. Só percebi isso, quando, quase derrubei a vara de pescar no lago.

O velhote estava estranho. Era como se ele estivesse carregando um grande peso em seus ombros, porém, mesmo depois dele contar sobre o seu passado, esse peso não diminuiu. Ele tinha esse misto de culpa em sua face. Apesar disso, ele não parecia ter se arrependido de contar para mim.

Não sabia o que dizer a seguir, estava com medo de usar as palavras erradas. Não podia afirmar se o que ele fez foi correto, mas também, não podia dizer que ele estava errado. Era um tabu.

“Se eu estivesse em seu lugar, faria a mesma coisa? Ou...”

— Eu...

Enquanto estava perdido em meus próprios pensamentos, Erich resolveu abrir a boca. Inicialmente, tomei um susto com sua reação, contudo, isso mudou quando escutei as suas palavras.

—...Creio que me tornei um herói, não apenas para apoiar o sonho de Holly. — Afirmou, Erich. — Mas, também, para limpar o sangue de minhas mãos. Para que eu pudesse ter noites tranquilas de sono.

— Isso funcionou?

— Não. Nem um pouco.

Erich me disse, que, depois do atentado. Ele fugiu com Holly, o mais rápido que eles puderam. Eles nunca mais voltaram para sua cidade-natal depois disso. E como uma forma de — limpar seus pecados — ele resolveu se tornar um herói, para salvar o máximo de vidas possíveis.

— Não seria perigoso se tornar um herói? Isso poderia te dar fama e, eventualmente, poderia acabar te entregar, não?

— Bem, sim e não. — Disse, Erich. — Realmente, isso poderia acabar me entregando, porém, Holly entendeu que eu não conseguiria suportar aquele fardo pesado, se eu não fizesse isso. Além disso, minha cidade-natal é muito longe e Holly e eu, não nos concentramos em fazer fama, mas sim, em ajudar pequenos vilarejos e tarefas de menores expressão.

Segundo o velhote, eles se tornaram praticamente — nômades — viajando de um lugar á outro ao redor de todo continente. Ajudando o máximo de pessoas que conseguiam. Era um trabalho que não recompensava financeiramente, mas, era gratificante para a alma.

— Holly tinha ganhado de sua avó, antes dela morrer, um livro sobre Nill. Nesse livro, explicava algumas formas de usar o Nill para curar pessoas. Foi realmente desgastante para Holly, mas com o devido tempo, ela conseguiu se tornar uma grande heroína.

— E você, como aprendeu sobre o Nill? Também foi com o livro?

— Não. A maioria das coisas daquele livro envolviam cura. Claro, ele me ajudou em algumas coisas, mas, eu precisava aprender sobre como usar o Nill para combate. Esse era meu desejo.

– E então?

— Eu tive um mestre... ele me ajudou a aprender tudo o que eu precisava sobre o Nill. Ele também me ajudou a fortificar meu corpo e me ajudou a crescer como homem e pessoa.

“Um mestre?”

A revelação de Erich me surpreendeu. Nem sequer tinha ponderado que ele poderia ter também tido um mestre. Mas, fazia sentido. Todos começam por algum lugar e com ele não seria diferente. Entretanto, fiquei curioso sobre esse tal — mestre — como ele seria? Conhecendo a personalidade terrível do velhote, com certeza, esse mestre tinha que ser o próprio demônio.

— E quem é esse homem, o qual você chama de mestre? Poderia me dizer?

Humm... não.

Ué? Por quê?

— Você provavelmente vai conhecer ele, em algum momento. Eu não gosto de estragar surpresas, acredite.

A fala de Erich me deixou intrigado. Então, esse tal mestre ainda estava vivo? Como isso seria possível?! Não fazia sentido, algum! Erich já é bem velho, então, mesmo que o mestre dele fosse bem mais jovem que ele; Dessa maneira, Erich não poderia ter tanta certeza que o mesmo estaria vivo. Era estranho.

— Ele deve ser bem velho, hein?

Hehehe! Nem tanto. Bom, pelo menos, eu acho.

A história que Erich contou, realmente, fez o tempo passar mais rápido. Contudo, infelizmente, não tivemos tanta sorte na pescaria. Mesmo após tanto tempo, não havíamos pegado sequer um peixe. Estávamos, ambos, cansados. Então, apenas decidimos que seria melhor encerrarmos o dia e ir para casa.

— Esses danados não apareceram mesmo né... — Suspirou, Erich. — Bem, não é como se não pudéssemos voltar outro dia.

— É verdade. Talvez, apenas tivemos um pouco de azar hoje.

Após decidirmos voltar para casa, o velhote se levantou com um grande urro. Isso porque ele ficou um bom tempo sentado e suas costas ficaram travadas. Acabei me oferecendo para ajudá-lo, mas segundo ele, o mesmo estava bem.

— Você se preocupa demais, garoto! — Exclamou, Erich. Ele esbanjava confiança no seu tom de voz, tentando claramente, me acalmar. Talvez, o mesmo tenha percebido que aquela conversa tinha me abalado um pouco. — Vamos pra casa comer alguma coisa.

—...Sim, vamos!

Enquanto arrumávamos nossa coisas, percebi que Erich observava o lago com atenção. Á principio não entendi, visto que era quase que cego. Sabia que ele conhecia esse lago já algum tempo, porém, nunca parei para pensar no quão pequenas coisas como essas, poderia ser tão valiosas para ele.

— Esse lago...

Hã? O que foi, garoto?

— Ele é importante para você, velhote?

— [...]

Erich demorou um tempo para responder. Ele apenas observava, em cima do píer, o lago. Ele ficou alguns segundos assim, antes de voltar sua atenção para mim.

— Tudo nessa floresta é importante para mim: As folhas, o lago, a cachoeira... todas as árvores e cada pedra desse lugar. Sim, tudo isso é importante para mim.

— Por que? Seria por ter vivido grande parte da sua vida aqui? — Indaguei.

— Também. — Afirmou, Erich. Vivi mais de 60 anos da minha vida aqui. E Vivenciei os momentos mais especiais nesse lugar, ao lado de quem mais amei. Como poderia não amar essa floresta? Este é meu lar, o lugar onde posso voltar.

— [...]

O velhote estava estranho. Ele parecia emocionado e, de forma lógica, entendi que a razão seria o conteúdo da nossa conversa no lago. Porém, alguma coisa me dizia que eu estava errado. Queria que ele soubesse que podia contar comigo. Ele fez muito por mim, então, pouco me importava ele ser um assassino, ou não.

— Garoto...

— Pode falar, velhote.

— Lembra do primeiro dia? Quando você chegou á essa floresta?

— Sim, me lembro com clareza. Eu tinha desmaiado e você me salvou. Espero um dia poder retribuir isso.

— [...]

— Lembra que você me perguntou se eu ainda te abrigaria, se você fosse um ladrão ou um assassino?

— Lembro sim. Por quê?

Hehehe... é irônico não é...? — Perguntou, Erich. — Quem poderia imaginar que seria eu o assassino? Hunf...

— [...]

— Velhote.

— Diga, garoto.

Não aguentava mais ver o velhote agindo daquela maneira. Erich que eu sempre respeitei não era assim! Ele parecia tão abalado e fraco... como se estivesse a ponto de partir.

Tocar em feridas do passado é extremamente doloroso. Sei disso mais que qualquer um. O passado não pode ser apagado e nossas memórias também não. Nossa mente também sempre faz o favor de nos lembrar dos nossos erros — é fácil fraquejar.

Mesmo com o passar de todos esses anos, a — ferida do coração de Erich — ainda estava aberta. Ela era agora, visível para mim. Mesmo depois de salvar tantas pessoas, mesmo depois de viver a vida toda fazendo o bem para os outros, mesmo depois de passar todos seus anos ao lado da mulher de sua vida.

Quão dura é a vida? Seria esta uma maldição? Ambos temos sangue nas nossas mãos. E não importa o quão Erich — lave o sangue — ele não sai. A diferença entre, Erich e eu, é que eu já não me importo mais em lavar o sangue.

Algo teria de ser feito. Não aguentava ver ele desse jeito, nem por mais um segundo. Por isso, decidi colocar um curativo na sua ferida.

—...Eu matei minha mãe.

— [...]

— Garoto... se você estiver falando isso apenas pra me fazer sentir melhor...

— Não estou, acredite. É a verdade.

— [...]

— Entendi...

O velhote já não parecia mais interessado em olhar para o lago. Ele apenas se virou e começou a caminhar — com passos bem lentos — em direção de onde víemos. Tive que adiantar meus passos para que eu pudesse ajudá-lo na parte lamacenta.

Depois de passar do caminho mais difícil para ele, Erich me pediu para colocá-lo no chão, e logo, o mesmo começou a caminhar por si só. O velhote permaneceu calado por um bom tempo. Tanto tempo, que me fez pensar que tinha tomado a decisão errada em contar para ele.

“Talvez apenas tenha feito ele ficar mais preocupado.”

Contudo, Erich abriu a boca após algum tempo.

— Garoto.

— Sim? — Indaguei.

— Eu não vou lhe perguntar o que aconteceu. Acredite, isso é irrelevante para mim. Entretanto, como seu mestre, tenho o dever de te alertar sobre algo...

— Pode falar.

— O preço de uma vida é caro demais... bem, o que eu quero dizer é...

—...Um assassino sempre será cobrado. Saiba disso.

As palavras de Erich me fizeram tremer dos ossos á carne. Não acreditava que o velhote iria falar algo como aquilo — não daquela maneira. Foi como se tudo em nossa volta tivesse parado. Já não podia mais escutar o farfalhar das folhas e o vento parecia ter parado por alguns segundos.

A única coisa que escutava com clareza era as batidas do meu coração. Era alto e doloroso...

Por que o velhote disse aquilo? O que ele queria me dizer? Não entendia a intenção em suas palavras. Será que ele queria me dizer alguma coisa? Estava me avisando sobre algo?

Andando sobre a densa floresta, não deixava de pensar em suas palavras. Buscava uma resposta adequada para suas palavras.

— Eu sei disso. Estou pronto para isso.

— [...]

O velhote que andava em minha frente, parou. Isso me fez ficar um pouco nervoso. Contudo, suas próximas palavras não foram duras, nem me causaram dor alguma. Entretanto, era uma resposta carregada de sentimentos. Sentimentos esses que não pude entender naquele momento.

— Que bom. Infelizmente, não sou tão confiante quanto você.

— Velh-

*PLOOOOFFFFTTTTT

Naquele momento, senti que havia algo errado. Um grande arrepio escalou minha espinha. Meu corpo inteiro tremeu em resposta.

Foi tudo muito rápido. Quando percebi o que tinha acontecido, já era tarde demais. Como quando você acaba esbarrando em algo de vidro. Em segundos, o que estava inteiro se torna pedaços...

Erich, assim que terminou de falar, caiu no chão. Foi em um piscar de olhos. Só notei o que havia acontecido quando escutei o barulho do seu corpo caindo no chão.

VELHOTEEEEEEEEE!!!

                                                             ***

Se passaram algumas semanas depois daquilo. Já era outono. As folhas secas das árvores ganharam um tom mais laranja e amarelo. As mesmas caíam aos montes no chão, tinha que passar muito tempo do dia limpando ao redor da nossa casa.

Havia sido apenas um susto. Provavelmente, um mal estar devido ao esforço demasiado que ele realizou na pescaria. Erich mal saí de casa direito, talvez, realizar todo aquele empenho de um dia para o outro não fez bem ao seu corpo.

Erich já está bem velho, por mais que não pareça. Fazer esse tipo de coisa na idade dele... deve estar fora de questão. É uma pena, mas é melhor assim.

O velhote estava passando todos os dias dentro de casa. Mal saía sequer para tomar um ar. Talvez, estivesse chateado. Ele parecia muito feliz naquele dia. E agora, ele não poderia mais cumprir a promessa dele de voltar para pescar comigo.

Erich era como um pai para mim. Ver ele daquela maneira, era doloroso. Pensei que podia fazer alguma coisa para aliviar seu fardo, mesmo que fosse só um pouco.

“Talvez, eu possa voltar ao lago e pescar alguns peixes... mesmo que seja apenas 2. Assim, eu poderia dividir e comer junto dele. Sim, tenho certeza que ele ficaria feliz...”

Não tinha certeza sobre a hora, mas, devia se passar após as 09:00 da manhã. Estava realizando meu treinamento fisico, antes de começar a limpar todas aquelas folhas que começavam a se amontoar mais uma vez.

Porém, escutei um som familiar – era a porta de casa. O som estridente que ela fazia era irritante, mas, dessa vez fiquei genuinamente contente. Porque significava que o velhote havia saído um pouco. E lá estava ele.

— Velhote! — Gritei. Enquanto acenava com os dois braços em sua direção. O que é engraçado já que ele não enxerga. — Estou aqui!

Erich também não escuta muito bem, contudo, ele sempre parece saber onde eu estou. Depois de algum tempo, ele chegou perto de mim.

— Garoto...

— O que foi, velhote? — Indaguei. — Estou terminando meu treinamento e...

— Apenas pare com isso.

— O quê?

— Pare de treinar o seu corpo! Isso não é mais necessário, pelo menos, por enquanto.

Suas palavras mais uma vez me causavam dúvida. Já fazia algum tempo que não conseguia mais entender Erich, como sempre fiz. Ele estava estranho e agindo de uma maneira totalmente diferente do habitual.

— Por que, velhote? Tem algum motivo para isso?

— [...]

Erich me deixou sem resposta, por algum tempo. Então, ele se virou e deu alguns passos em direção ao caminho que leva a cachoeira. Quando pensei que já não haveria uma resposta, então ele disse:

— Siga-me. Já está na hora de você aprender usar o Nill.

 

 

 

 

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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