O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 3 – Arco 4

Capítulo 228: Só Um Abraço e Nada Mais

Parentesco. Foi incrível como que, com apenas uma única palavrinha, o irmão da Petra havia matado a pouca confiança que a Alícia tinha juntado para chegar ali; mesmo que o Lavour nem tivesse feito a pergunta com alguma intenção negativa.

A mão da nefilim parou em contato com a frieza da maçaneta da porta da sala de música. Do outro lado estava um Raizel completamente destruído, um Raizel que de algum modo decidiu ajudá-la no seu momento de maior dificuldade.

Seria possível que, em suas horas finais, o nefilim tivesse mudado um pouco a sua visão acerca dela? Bobagem. Alícia sabia que quando girasse aquela maçaneta a verdadeira frieza viria do olhar do rapaz.

Parentesco foi algo que nunca existiu de verdade entre os dois, e se havia alguma conexão genética, esta surgiu da forma mais suja e desprezível.

A moça respirou fundo e girou a maçaneta para baixo rapidamente, provocando um leve ruído metálico, ao contrário da abertura muda do movimento das dobradiças da porta que deu direto para o que restava do nefilim, lá no fundo da sala.

— Morrer em paz parece que é pedir muito — comentou o Raizel com certo descaso, porém, para quem esperava ser recebida com desprezo ou desgosto, a Alícia estava até no lucro. — Pelo visto, todo mundo entra na minha casa agora.

— Talvez, por… — Ainda na entrada, a moça mordeu os lábios e, após um breve instante de hesitação, caminhou para a frente. — Talvez, porque o acesso esteja livre pra quem quiser te usar como bode expiatório para liberar a raiva.

O Raizel a fitou bem no fundo da sua pupila, o que fez a Alícia quase interromper a caminhada; mas, com passos que mal sentiam o piso abaixo dos seus sapatos, ela continuou até que chegasse perto dele.

— E o que você deseja aqui? — Estava na cara que a Alícia não pretendia ser cruel ou algo do tipo. — Eu entenderia se você nutrisse algum rancor por mim, mas…

— Eu vim agradecer pela ajuda. — O Raizel respondeu com um breve “hum?”, mas nada que se prolongasse antes da moça continuar com a sua fala: — Se eu estou aqui hoje, é graças a você. Obrigada.

De todas as coisas no mundo, ele tinha que receber um agradecimento justo naquele momento? A Alícia só podia ser uma garota tola, e isso era um problema. Karen. Petra. O Raizel nunca lidou bem com o comportamento de garotas tolas.

— Eu também vim pra te devolver a sua espada. — Com a palma da mão para baixo, a moça recebeu a arma que se ergueu do chão até que o cabo chegasse na sua mão. — Por alguma razão, ela continuou comigo quando a luta acabou.

— Armageddon… — Raizel apreciou a beleza da sua espada pela última vez. — É uma arma formidável, mas inútil nas mãos de um defunto. — Repousou as costas na parede, com a certeza de uma sucessão concluída. — Agora é sua. Pode ficar.

— Mas…

— Você veio me agradecer sem razão nenhuma — corrigiu o mal-entendido para a garota. — Quando aquele cavalo veio aqui, eu só vi a oportunidade de passar a Armageddon para alguém que pudesse usar ela. — A moça sorriu. Por algum motivo, ela sorriu. — Eu nunca me preocupei com a sua vida ou mort…

Foi então que o nefilim notou a curvatura reluzente na boca da visita, enquanto ela segurava o cabo da espada e a observava com zelo, sem dar mais tanta atenção ao indivíduo que a encarava com confusão.

— Você me reconheceu agora. — A Alícia riu com respeito, colocando uma mão na frente dos lábios. — Bem, de certa forma. — Alguém capaz de usar a Espada do Fim dos Tempos, hein? Que baita elogio.

— O que isso tem a ver?

— Raizel, eu tenho uma pergunta pra te fazer. — Recolhendo a espada, que desceu de volta enquanto desaparecia no nada, a moça parou por um segundo. — Essa pode ser a última vez que nos vemos, então eu gostaria que você fosse sincero na resposta.

— E o que você quer saber?

Aquele comportamento dele. Sempre ficava incomodado com a presença da Alícia, até soava grosseiro às vezes. Mesmo naquele momento, não via a hora da garota ir embora e parar de incomodá-lo com questões desagradáveis.

Apesar de tudo, ele havia ajudado, ainda que fizesse pouco caso da sua ação. Ele havia desistido de matá-la, mesmo ela sendo uma nefilim que usava o Nether que ele tanto odiava. Por quê? Era estranho.

— Raizel, me diga. — A Alícia respirou fundo e colocou uma mão no peito, então perguntou, olhando fixamente para o “irmão”: — Você me odeia?

Foi a vez do rapaz soltar uma breve risada, até desviou o movimento da sua cabeça para baixo e acabou fechando as pálpebras por um instante. Era impressionante que a garota tivesse alguma dúvida sobre aquilo. Ou talvez só quisesse confirmar algo.

— Eu nunca odiei a pessoa Alícia Necron, se é o que você quer saber. — O Raizel nunca ignorou o fato da Alícia ter sofrido nas mãos do Arklev ou as perdas que ela teve pelo caminho. Ela havia se tornado uma nefilim, e ninguém melhor do que ele sabia as consequências disso. — Mas me incomoda a nefilim Alícia Necron.

— Hã?

— Me incomoda ver o quanto você é próxima da minha própria figura. — Não só na aparência, mas até em como os dois acabaram naquela posição sem nem ao menos terem pedido por nada ou terem tido o direito de recusar. — Me incomoda imaginar que você também vai acabar aqui, no mesmo lugar em que eu estou, na mesma situação em que eu estou.

Nem com o desaparecimento do último Nefilim Primordial nascido na Terra, aquela desgraça que seguia a sua raça sumiria. A Alícia herdaria o fardo maldito e o carregaria sozinha contra a sua vontade, assim como o Raizel fez por tanto tempo.

— Você poderia só ter mentido. — Se ainda tivesse as suas mãos, com certeza o rapaz colocaria uma no rosto e rangeria os dentes. — Era só continuar fingindo que era uma tenjin. Quem sabe desse certo?

Ainda com o rosto para o chão, o nefilim viu quando os sapatos da garota chegaram muito perto e, quando voltou a levantar a cabeça, a Alícia já descia e colocava os joelhos no chão enquanto abraçava as costas dele e o prendia em seu peito.

— O que pensa que está fazendo? — protestou sem meios que lhe permitesse resistir à investida da moça. — Alícia.

— Te abraçando — falou baixo e com uma voz gentil. — É o que eu tô fazendo.

— Disso eu já se…

— A minha mentira ia terminar uma hora ou outra — assumiu. Era impossível fugir de forças maiores como o Abbadon. E a mentira sempre teve pernas curtas. — E agora eu tô bem feliz por saber que você não me odeia de verdade.

— Você ouviu o que eu disse?

A moça assentiu com um leve movimento de cabeça e um “uhum” bem acima do ouvido do nefilim que estava com a cabeça presa entre o pescoço e o ombro dela.

— É a última oportunidade que eu tenho de te entregar afeto, então me desculpe por isso. — O Raizel, antes rígido, deixou o seu corpo relaxar um pouco e suspirou. — Ah! Acho que acabei mentindo de novo.

— O quê?

— Eu também vim pra te tirar daqui. — Os olhos do nefilim se abriram e os ouvidos duvidaram do que ouviram. — Você me ajudou, e eu quero te ajudar.

— E como “você” me tiraria daqui? — O Raizel fez força para se soltar, mas os braços da Alícia se recusaram a deixá-lo se afastar. — Acha que pode curar a deterioração da minha existência?

A garota negou. Ela nunca teve meios para destruir ou restaurar a existência de membros que já se foram. Mas os eventos recentes fizeram a mente dela viajar por possibilidades impossíveis.

— É só um talvez, um fino de luz, mas…

— Me larga. — Debateu-se dentro dos braços dela. — Quer animar o meu espírito com a merda de um talvez?

— Sim, eu quero. — Mesmo que fosse só uma pequena possibilidade, ela deveria ser agarrada, e o motivo era óbvio. — Eu ia ficar muito mal de perder a Petra e sei que você também, mais do que qualquer um.

O rapaz parou de se debater para cerrar os dentes. Já estava tudo acabado. O que ele ainda poderia fazer com tão pouco tempo restando? Se havia algum meio de sair daquela situação, de curar a sua parceira, porque demorou tanto para ser posto na mesa? Por que dar alguma esperança para ele quando tudo já estava perdido?

— Me larga… Alícia.

— Se quer me afastar, crie braços novos e faça isso. — O abraço folgou e ficou mais suave, mas o nefilim continuava sem os membros para fazer o que a garota disse. — Se quer distância, crie novas pernas e vá para longe de mim.

— Eu devia ter te matado naquele dia, como fiz com cada um dos outros.

— Os Gigantes, eu sei. Mas aquela época já passou, e agora, é diferente. — Com cuidado, a Alícia afagou o cabelo bagunçado do irmão teimoso. — Agora, quem depende que você lute, é uma pessoa que se importa com você. Agora, tem alguém aqui pra abraçar o pequeno Raizel.

Então era isso. O sentido por trás daquele abraço prolongado. O nefilim vacilou. Ele estava lidando com uma pessoa que já tinha visto as suas memórias e o dia em que a criança de cabelo roxo abraçava os joelhos encostada no tronco seco de uma árvore morta; a pequena era de trevas que ele tanto queria apagar da sua mente.

— Lute — pediu a Alícia, com sua voz parecendo distante aos ouvidos do nefilim que fechava os olhos. — Pela sua amada senhorita, levante-se e lute.


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