O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 224: Antiga Velha Amiga

No poço de escuridão profunda, pouco importava o quão aguçados fossem os olhos de um Nefilim Primordial, nem o mais fino fio de luz poderia ser enxergado.

O céu sumiu. Esquerda e direita se perderam. O chão sob os pés da jovem garota parecia ter desaparecido. Com certeza, ela afundava nas profundezas desoladoras de um abismo de angústias.

Descia e descia, e quanto mais fundo ia, lamúrias distantes se tornavam próximas. Dezenas, centenas e milhares de vozes se juntavam para encher o coração abatido da garota com a mais pura sensação de inquietude.

Alícia tampou os ouvidos e entrou em posição fetal enquanto segurava um choro entalado na sua garganta, tudo para perceber que as vozes vinham de dentro da sua cabeça, da sua alma atormentada, abandonada pelos pais, negada pelo “irmão”.

“Socorro.” Se negava a falar, apesar da vontade inerente do desespero.

“Me ajuda.” Apertou mais os ouvidos.

“Me tira daqui.” Desejava, e como.

O seu corpo se chocou contra algo sólido, e a sua cabeça bateu no chão firme, o que levou a garota soltar algum som pela sua boca, até então fechada com força.

— Ai! — Alícia abriu os olhos que pensou que jamais abriria de novo. Poderia estar livre da prisão do inimigo, mas o que ela viu provou o completo contrário: grades.

A nefilim engoliu a saliva como uma bola de ferro enferrujado. Aquelas grades, aquela cela pequena. Tanto tempo havia se passado, mas cada pedaço do seu corpo ainda se lembrava daquele lugar.

A pele da garota começou a formigar, e ela apertou as unhas em um dos seus braços, que estava enfaixado. A sensação das agulhadas estavam lá, pinicando e ardendo como a ferroada de um escorpião.

— Parece que agora você sente, né? — comentou uma voz jovial, que fez a Alícia se virar para um canto sujo da cela, onde uma segunda moça estava sentada. — A dor, eu quero dizer.

A moça vestia as roupas maltrapilhas do cárcere das cobaias do Arklev, com as habituais bandagens; na verdade, a própria Alícia vestia as mesmas roupas, mas a imagem da pessoa diante dela a impediu de dar tanta atenção a isso.

— Lu… cy. — Diferente da aparência infantil, a sua antiga amiga estava mais velha, mas o cabelo azul-marinho ainda continuava curto como sempre. — Lucy.

A nefilim cedeu ao impulso de se jogar na amiga e agarrá-la, mas a jovem a encarou com uma carranca séria e barrou a sua aproximação com um simples “fica aí”.

— Huh? — Alícia congelou ali mesmo, enquanto a outra abraçava os joelhos.

— Qual é a dessa empolgação toda? Me fala. — Lucy mordeu os lábios e voltou a olhar para a amiga, com uma feição hostil nunca antes expressada. — Você sabe em que tipo de buraco a gente tá agora, né?

— Sim, mas… — A garota que antes tentou uma aproximação sem cuidado, agora se levantou mais devagar. — Se você tá aqui, eu…

— Pode ver um fio de luz? — A de cabelo marinho soltou os joelhos e deixou os seus pés deslizarem pela sujeira do chão. — Eu também te via assim, e como eu acabei?

A princípio, a resposta que veio à mente da nefilim foi “morte”, entretanto, porque Lucy estava ali e com uma aparência mais velha? A morte nem sempre pode ser o fim.

— Dia após dia. Já nem sei quanto tempo passou. — A moça do cabelo curto encarou os seus pés como quem via o abismo das lembranças. — Esses experimentos nunca acabam.

Lucy colocou uma mão no rosto, que ela franziu de dor. Sua vida. O seu pós-vida nunca foi nada além das paredes daquela réplica maldita de instalação subterrânea.

— Alícia, eu… eu tô tão cansada. Eu… eu não aguento mais. — Com a segunda mão cobrindo o seu rosto, a prisioneira fraquejou e deixou um soluço choroso escapar. — Por que eu acabei assim? Me diz porque.

“Eu…” A nefilim sentiu o seu peito gelar tanto quanto doía. “É por minha causa”. De olhos esbugalhados, Alícia temeu falar. “É tudo culpa minha. É tudo por minha causa”.

Como alguém digno de receber o título de Anjo do Abismo sem Fim, o Abbadon jogava sujo. Ele sabia onde magoar. Usar a Alícia para afetar o Rafael. Usar a Lucy para afetar a Alícia. Até onde aquele anjo poderia ir por uma vingança egoísta?

Alícia se aproximou devagar da amiga, enfim ela abaixou a guarda e permitiu que a nefilim fizesse isso, embora o motivo estivesse no choro baixo e contrito.

— Lucy. — De joelhos, a nefilim abraçou a chorosa, mesmo que logo ela também tenha vacilado em conter os lábios trêmulos. — Desculpa, Lucy.

A prisioneira não entendeu o que a amiga quis dizer, por outro lado, pensou em se soltar dos braços dela, mas o calor da nefilim aquecia o seu corpo de pouco em pouco. Quanto mais o frio do lugar se afastava, mais difícil ficava resistir.

Lucy repousou o rosto no ombro da Alícia e expirou com leveza. Paz e conforto, duas palavras que ela nunca imaginou que chegaria a conhecer naquele lugar cruel.

Algo bateu com força nas grades da cela, e o som metálico fez o corpo da prisioneira dar um espasmo nos braços da Alícia, o que levou a nefilim a virar o rosto na direção da origem do som intrometido.

— Cobaia 615, o Doutor deseja a sua presença — anunciou um homem de uma dupla de carrascos, os mesmos dois rostos que na última vez buscaram a pequena menina para a sua morte. — Venha logo.

Ao contrário da ordem, a Lucy apertou as costas da amiga, com as pontas dos dedos. Alícia estava ali. Enfim a prisioneira sentiu algo positivo após tantas repetições de tortura. Logo quando a dor estava se tornando um hábito, por que ela tinha que desejar a paz e o conforto? Por quê?

— Mexa essas pernas logo! — O indivíduo bateu mais duas vezes nas grades da cela e com ainda mais intensidade e ódio.

Com as mãos trêmulas, Lucy se soltou dos braços da amiga e se levantou de cabeça baixa. Quando estava para caminhar, a Alícia voltou a segurá-la, agora por trás.

— Por favor, não vá! — suplicou a nefilim enquanto abraçava a outra com toda a determinação disponível, ainda assim, a prisioneira levantou um braço rígido para a porta. — Fica comigo, Lucy! Fica comigo!

— Alí… cia. — Nas costas da amiga, ficava difícil notar que a própria Lucy lutava para evitar a saída, mas o braço levantado continuava a ir contra a sua vontade. — Não… dá.

Um estalo alto foi ouvido, e a prisioneira gritou logo em seguida. Quando a nefilim parou para observar o ocorrido, a mão da amiga havia se deslocado do pulso, atraída por uma força invisível que já estava para romper o cotovelo da moça também.

Soltou.

Alícia soltou a garota, com um movimento involuntário que terminou com a outra caminhando a passos travados para o lado de fora da cela, acompanhada dos impiedosos carrascos do tormento eterno.

— Lucy! — A nefilim partiu em disparada. Agora ela era muito mais forte que antes. Poderia dar conta daqueles dois com facilidade, entretanto, ao se jogar contra a saída, bateu de cara numa parede invisível. — Parem com isso! Deixem ela em paz!

Com uma esfera de Nether na palma direita, tentou destruir o obstáculo invisível, mas a sua energia foi absorvida sem dificuldade alguma. Aquela construção tinha que honrar o título do Anjo do Abismo sem Fim.

— Para com isso. — Naquele ponto, a garota mais clamava do que ordenava. Suas pernas cederam e as mãos deslizaram pelo invisível. — Arklev… Abbadon… — De joelhos, choramingou. — Rafael.

Mãos na cintura, e foi a vez da jovem Alícia receber um abraço por trás, que puxou ela para o peito de um indivíduo alto. A moça levantou o rosto e reconheceu, mesmo com as vistas cheias de lágrimas, o cabelo longo e os olhos verdes.

— Rafael…

— Me perdoe, Preciosa Ametista. Eu te causei problemas demais. — Tirou uma das mãos da cintura dela e cuidou de limpar as lágrimas de um dos olhos. — Como eu gostaria de ser o seu cavaleiro de armadura reluzente, mas — disse com um leve sorriso — o seu corcel também lutou muito por você. Eu sou grato.

Antes que a Alícia tivesse a chance de organizar os sentimentos e as dúvidas; vinda do alto, de fora das correntes que formavam o Calabouço do Tormento Eterno; cruzando as dimensões, rasgando o espaço, uma espada desafiou as Cadeias de Abbadon e rompeu a cúpula metálica do Anjo do Abismo sem Fim.

Uma explosão de chamas roxas queimou e tomou conta do lugar assim que a arma intrusa se fincou no chão, rompendo a imagem do Rafael e da prisão, revelando apenas a Alícia e o Abbadon, que pulou para longe do Nether intenso e dos pedaços de correntes que caíam do alto.

— Hã…? — Alícia não podia acreditar que na sua frente, em meio aquele mar de Nether que poupava apenas ela, a imponente Espada do Fim dos Tempos fazia a sua proteção.

“Merda! Merda! Merda!” Longe do poder da arma de um Arcanjo, o Abbadon rangia os dentes. Logo quando tudo ia tão bem, quando ele já podia sentir o gosto da vitória, aquele desgraçado moribundo tinha que se meter. — Maldito nefilim!


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