O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 223: Se Não Pode Contra Ele, Junte-se a Ele

O que antes era uma vasta fenda abissal se retraiu aos poucos até que as duas extremidades se tocassem na forma de uma fina linha vermelha, e os monstros que saíam por ela fossem partidos ao meio, com o fechamento do maldito portal da cidade de Shadowfen.

Aqueles que agonizavam de dor, como que por um passe de mágica, viram o tormento se esvair como fumaça ao vento, e a degradação das feridas se reverter ao ponto da inexistência. Estavam de volta ao combate que agora tendia para os duos.

— Ela conseguiu? — questionou-se Luminas enquanto tirava sua espada da cabeça do cadáver de uma criatura e olhava para os arredores em busca da amiga. — Céus! Isso… isso é surreal!

Alguns bons segundos e nada da Alícia dar as caras, então o que era empolgação se tornou em preocupação nas feições da tenjin, do seu parceiro e do parceiro da nefilim que permanecia ausente.

— Talvez ainda seja um pouco cedo pra comemorar. — Lucius respirou fundo e observou a expressão distante do Esteban. — Só nos resta torcer pelo sucesso dela.

Com aquela lâmina grande enfiada em sua barriga, Abbadon sentiu que uma parte preciosa sua havia sido arrancada dele a sangue frio dele, a sua imortalidade.

A voz do anjo saiu engasgada quando as labaredas de Nether explodiram da Foice Sagrada do Túmulo; o seu futuro parecia que iria sumir do alcance das suas vistas.

No momento em que tudo parecia decidido, foi Alícia que soltou um “hã?”, ao notar que, de um instante para outro, o inimigo desapareceu e a maior parte do Nether engoliu apenas o ar.

— Teletransporte… — A nefilim se virou para a direita; lá jazia a respiração pesada do anjo que se protegia no meio de um círculo de chamas negras e cinzas. — Pelo menos, eu consegui uma pequena vitória.

O Abbadon riu e cuspiu sangue. O efeito da bala paralisante diminuiu e o anjo se levantou com um buraco fumegante na sua barriga, de onde mais sangue escorria e manchava suas coxas; já os órgãos foram segurados à força por uma camada de energia, ou o que havia sobrado deles.

— Você se contenta com bem pouco — confrontou o anjo, enquanto o fogo dele se esvaía. — Aquela pirâmide já não tinha valor nenhum pra mim, e a ausência da imortalidade não faz diferença nenhuma.

— Um avatar… — Claro. Desde o início, o anjo nunca correu o risco de perder nada real para ela, enquanto a Alícia podia perder tudo. — Mas uma avatar deveria ser algo precioso pra um anjo.

— Só pra quem faz questão de vir aqui com frequên… — Uma fumaça roxa se manifestou nas costas da garota, e o Necronomicon havia sido aberto de novo. — Tsc! Fala sério.

— Abbadon, eu quero sair daqui com vida porque tenho algo valioso pra mim, e uma pessoa que eu prometi ajudar. — A fumaça roxa se foi e deixou uma figura alta com asas para trás. — Eu queria que essa luta acabasse por aqui, sem mais problemas.

— Eu fui gentil demais com você pelo visto. — O anjo pôs uma mão no rosto e encarou a moça enquanto sorria. — E agora você acha que vai me vencer com uma imitação barata. Você quer que eu ria garota?

Nas costas da Alícia havia um segundo Abbadon, estático e com o olhar fixado no original. Lá estava o Necronomicon aberto na página mais avançada que a nefilim podia alcançar no momento, mesmo com a manifestação das suas asas: a Invocação Número 80, o Doppelganger.

— Tenha bons modos para com a minha senhora — alertou o falso Abbadon, que caminhou para o lado da Alícia e estendeu uma mão para ela, pedindo a foice. — Por favor, permita-me lidar com isso agora.

— Tá, mas seja cuidadoso, Doppel. — A invocação tomou a frente, ficando cara a cara com a versão original, que sentiu um segundo tipo de formigamento no seu corpo.

Abbadon rangeu os dentes. Já não bastava aquele Reino da Vida Esgotada sugando a sua vitalidade, a presença do Doppelganger drenava a sua energia sem parar, de modo que a falsificação ficaria mais forte conforme ele ficava mais fraco.

— Quanta ousadia…! — E naquele ponto, o anjo já nem possuía mais a sua imortalidade; teve que parar o tempo da sua vida apenas para que não morresse em um instante. — Ótimo! — Apertou o cabo da sua arma. — Agora já deu!

Um único movimento rápido, porém curto, sem o menor alcance necessário para atingir o alvo, mas que fez a Alícia ficar sem saber para qual direção olhar ou qual rota de fuga procurar, já que a lâmina lamentadora saiu de vários pontos do espaço, gritando como nunca, perturbando como sempre.

Em resposta, à ameaça iminente, o mesmo número de lâminas roxas emergiu do espaço e bloqueou o avanço do ataque do Abbadon, que fitou o Doppelganger com desgosto.

— Eu sou você. — Fazendo um movimento de giro dançante, o falso Abbadon se teletransportou para perto do verdadeiro. — Lembre-se disso. — E com um chute para cima, afastou a ameaça do anjo caído, da sua senhora.

As penas negras sentiram o peso do ar enquanto o ser do abismo via Alícia cada vez mais distante, e o Doppelganger cada vez mais próximo, agora com a Foice Sagrada do Túmulo atrás do seu pescoço.

Uma fenda dimensional engoliu a lâmina de Nether, o que a princípio pareceu tê-la tirado de cena, até que o Doppelganger a trouxe de volta, usando a mesma técnica do original, apenas para ser engolida de novo e de novo até que o céu ficasse cheio de buracos.

— Insano. — Alícia contemplava tudo lá de baixo, entretanto algo parecia errado: o Abbadon não esboçava nenhum sinal de perda de poder, o que já deveria acontecer nos primeiros segundos. — Então, o que pode desequilibrar essa luta entre iguais?

Aproveitando o tempo que havia ganhado, a nefilim folheou o seu grimório. Da página 80 para trás haviam muitas invocações poderosas, mas o que seria de fato útil contra alguém como o Abbadon?

— Tempo, Espaço, Leis… — A variedade de formas que o inimigo poderia contra-atacar eram amplas, foi então que a moça parou em uma página que parecia chamar por ela. — Você? Mas… o que quer fazer?

Portais e mais portais, cansado da monotonia que levava o embate a um ciclo repetitivo, onde ninguém acertava ninguém, o Anjo do Abismo sem Fim cortou a última fenda espacial que se pôs no seu caminho.

O Doppelganger desviou, virando o seu corpo para o lado, mas, ainda assim, o corte fez uma grande linha de sangue desde o seu peito até o abdômen.

— Ei! Se você quiser se passar por mim… — O verdadeiro brotou na frente da falsificação, já com a foice fincada na barriga dela. — Pelo menos faça o cosplay direito.

As chamas abissais explodiram, fazendo o Doppelganger se afastar, com um buraco na barriga semelhante ao daquele que ele personificava a aparência e as técnicas.

— Que tipo de monstro nós somos? — Passando uma mão pelo ferimento, o buraco se fechou, ou melhor, teve o seu tempo regredido. — Nunca personifiquei alguém tão poderoso. — Mal terminou de falar e apareceu nas costas do outro.

A Foice Sagrada do Túmulo seguiu na horizontal, pronta para executar o mesmo corte inevitável, entretanto, o Abbadon além de bloquear o ataque apenas colocando a sua arma no caminho, ainda permaneceu com a cabeça no lugar.

— Qual parte do “fazer o cosplay direito” foi difícil de entender? — O anjo balançou a cabeça para os lados, fazendo um sonzinho de decepção com a língua. — Que tal se eu cortar o seu passado agora?

— Eu posso fazer o mesmo.

— Então, porque o seu corte inevitável falhou? — Se teletransportou para cima do Doppelganger e chutou a cabeça dele, jogando-o em direção a um rio de magma. — Vamos! Me diga aí!

Da frieza do céu para o calor do magma escaldante, a invocação aterrissou deslizando por cima da superfície borbulhante. Quando parou, viu  o anjo surgir na sua frente e colocar a lâmina da foice atrás do seu pescoço — movimento que foi replicado pelo Doppelganger.

— Um poder vindo de terceiros — respondeu a invocação enquanto encarava a versão original. — Foi assim que você evitou a minha… a nossa técnica.

— Oh! Que esperto. — Sem tirar os olhos do adversário, o Abbadon deu um passo para o lado, o que quase levou o seu pescoço de encontro a arma do Doppelganger, entretanto a invocação também teve que dar um passo, já que a foice inimiga acabou se mexendo. — A gente ganha alguns privilégios quando se torna o braço direito de uma Besta Sagrada.

— Esse é o seu senhor? — De passo em passo, os dois começaram a dar pequenas voltas por cima do magma enquanto se fitavam com profundidade. — Você serve a ele como sirvo a minha senhora?

— Eu ajudo na criação de uma pirralha, mas isso é assunto pra outra história. Afinal… — Parou os passos e sorriu, maléfico. — A sua participação aqui vai ser bem curta, imitação de segunda categoria.

Os dois puxaram as foices ao mesmo tempo, mas ninguém foi decapitado, pelo contrário, eles pegaram uma certa distância, se teletransportando para trás.

— Foi um desprazer te conhecer — disse o Abbadon enquanto levantava a sua arma e girava ela acima da sua cabeça. — Tente personificar um oponente melhor na próxima vez. — Chamas irradiaram da foice, criando um tornado ao redor do anjo. — Se houver uma próxima!

— Haverá — contra-argumentou o Doppelganger, replicando a ação do anjo, porém com um tornado de chamas de Nether. — Pelo bem da minha senhora.

As duas chamas ascenderam em espiral com um calor maior do que o que havia sobre os pés dos adversários, porém, no ápice do conflito, uma se apagou — a roxa.

— Como? — O Doppelganger olhou para baixo: os seus calcanhares estavam presos por correntes. — Ah! Entendo.

— Você até possui a minha cara e as minhas técnicas, imitação! — Encerrando o movimento giratório, o anjo explodiu as chamas abissais por toda a área, com uma pancada da foice. — Mas não possui as minhas armas!

“Eu falhei”, lamentou-se a invocação enquanto era arrebatada pela intensidade do fogo que crepitava e incinerava todo o seu corpo. “Perdoe-me, minha senhora”.

Ao lado do corcel morto-vivo do Dullahan, Alícia refletia com cabeça baixa. O cavalo tinha realmente noção do que estava sugerindo para ela? A situação era de fato crítica, ainda assim… aquela ideia.

— Isso nunca vai dar certo — assumiu a moça, para a sua invocação. — Eu queria que fosse possível, mas você também sabe que isso nunca vai acontecer.

— Que belo bichinho você tem aí. — A voz grave do anjo caído fez Alícia arregalar os olhos e levantar a cabeça, ao passo que o corcel relinchou para a ameaça à frente. — O que vai fazer? Me dar um coice?

O animal fitou o inimigo por um momento e, então, contrariando o que o Abbadon disse, o corcel andou para trás e virou o rosto para a sua dona; mergulhou numa poça roxa e deixou ela sozinha.

— Que dia ruim pra você, hein? — gargalhou o anjo. — Olha! Até o seu bichinho te abandonou. Hahaha!

— O Doppel…

— Já era. — Deixando a risada de lado, o Abbadon fincou sua foice, despreocupado. — E não me enfraqueceu nem um pouco. — Alícia podia notar, e de perto, já que o anjo se aproximou e ficou cara a cara com ela. — Diferente do Rafael, o Absalon me deu energia infinita, menininha.

A moça engoliu a saliva em seco. Se nem mesmo o próprio Abbadon era capaz de derrotar a ele mesmo, então o que uma simples nefilim poderia fazer? Nada?

— Isso mesmo. É isso o que você tem que sentir. — Correntes emergiram do chão e circularam os dois, dando início a uma grande cúpula metálica. — Vamos, menininha. Se desespere, lamente e chore.

Uma sensação ruim inundou o coração da garota. Conforme a cúpula terminava de se fechar e privava ela de qualquer fonte de luz, as sementes negativas plantadas no peito da nefilim desabrochavam.

A escuridão profunda roubava qualquer raio de esperança, junto da voz do anjo que entoava: — Calabouço do Desespero Eterno.


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