Volume 3 – Arco 3
Capítulo 221: Um Contra Todos, Todos Contra Um
Ecoantes e solitários pelo espaço da casa quase vazia, os passos rápidos da menina abandonaram o seu quarto e cruzaram cada um dos metros que a separava do seu objetivo, que estava na sala.
— Pai! Pai! — gritava aos quatro ventos, a pequena Ophelia Abyss. — Aquele Abbadon tá atrás de confusão de novo!
Pra surpresa da Ophys, que parou quase sem ar, com uma mão no peito, o dragão abissal se encontrava sentado numa poltrona de couro, na sua forma humanoide, enquanto assistia uma transmissão na tela de energia que flutuava logo à sua frente, à certa altura.
O que Absalon acompanhava fez o desespero da pequena parecer inútil: lá estava o tal Abbadon brigando com a Alícia, logo uma Nefilim Primordial igual àquele maluco que destruiu dois avatares do Senhor das Moscas.
— Estou ciente — respondeu o dragão demoníaco enquanto mantinha o queixo apoiado em um punho fechado cujo cotovelo estava sobre um dos braços da poltrona. — Deixe o rapaz se divertir. Não é todo dia que temos um entretenimento desse nível.
— Mas… Mas, pai! Ele tá caçando treta com um fudeno Arcanjo! — A menina abriu os braços para o alto, então fitou as costas do Absalon. — E o Belzebu ainda quer comer a alma de todo mundo ali. Se o Abbadon espirrar, acabou o planeta!
O dragão deu uma gargalhada e fez um gesto com a mão para que a sua criança chegasse mais perto. Era compreensível a preocupação dela, mas, também, sem necessidade: o Rafael iria se prejudicar se enfrentasse o Abbadon, e o Belzebu devia estar bem feliz enquanto assistia o massacre de uma Nefilim Primordial.
A pequena Ophys foi tomada pelas mãos do dragão e posta no colo dele, que afagou os seus cabelos escuros, como de costume, com cuidado para não machucá-la com as suas garras afiadas.
— Assista comigo. — Abbadon ofereceu uma mão vazia para a Ophelia, na qual apareceu um milkshake de morango. — Vamos ver como isso acaba, Ophys.
— Hummm! — murmurou a pequena enquanto colocava o canudo na boca. — Agora o senhor só fica me chamando que nem a Petra.
Abbadon riu, discreto.
O apelido combinava com a pequena. Por pior que fosse admitir, a garota do Ziz tinha bom gosto para nomes. Era até uma pena que a moça estivesse entre a existência e a inexistência naquele momento.
Ophelia, por sua vez, degustava o milkshake róseo, que contrastava com o excesso de preto que ela vestia. Entretanto, era inegável que a pequena transmitia fofura.
Que cor não combinava com o preto, afinal?
Entre flores que brotavam para curá-la, Alícia foi afastada do conflito que Lucius tomou as rédeas, entretanto, apesar da ferida que se fechava, a dor permanecia.
— Estão atrasados, é? — indagou o anjo em meio à Luz Celestial que se esvaía, o qual passava a mão do galho pelo cabelo tostado e fumegante. — Que diferença faz se estão aqui ou não?
Pela primeira vez, o grupo viu Abbadon receber algum tipo de dano. A Luz Celestial, nem mesmo Raizel saiu ileso, quem diria um literal anjo caído? Ainda assim, até mesmo as roupas queimadas do indivíduo estavam se reconstruindo.
— Vocês já cumpriram o seu papel de iscas — continuou o anjo em sua fala enquanto fitava o lanceiro de guarda alta. — Agora não passam de estorvo.
Um piscar de olhos do tenjin, e lá estava o anjo bem na sua cara, com um galho a ponto de ser enfiado no seu rosto. Lucius pôs a Longinus no caminho, que vibrou com o eco metálico do impacto.
Jogado para trás, o lanceiro se transformou em luz e avançou em um intervalo de tempo curto demais para ser percebido pelos seus companheiros, mas lento em demasia para o seu adversário.
A Longinus avançou para perfurar o peito do inimigo, mas tudo o que encontrou foi um pisão que veio alto e a prendeu no chão, deixando Lucius cara a cara com o anjo que simplesmente assoprou.
Arrastado pelo que parecia ser o vento de um furacão imparável, o tenjin mal fez o seu grito ser ouvido em meio ao ruído dos ventos e dos escombros sendo arrastados. Mesmo assim, enquanto o seu corpo rodopiava, Lucius fez um único movimento.
— Humph! — Abbadon arremessou a lâmina lamentadora em resposta à lança que o tenjin fez o possível para jogar.
As duas armas divinas se colidiram no ar e se repeliram com um intenso tinido, retornando para cada um dos seus usuários. Entretanto, diferente do anjo, que recebeu a lâmina sem problemas; Lucius foi empurrado mais ainda pela sua.
Flores dos Campos Elíseos logo brotaram aos pés do anjo caído, que as fitou com a testa enrugada, e as pobres plantinhas secaram, tamanho era a repulsa.
— A minha pequena senhorita pode apreciar essas coisinhas frufrus, mas não é o meu caso. — Ophys xingou no Abismo sem Fim, mas Esteban prosseguiu com o disparo de energia de uma flor gigante, que Abaddon bloqueou com a sua lâmina.
Usando a lâmina, que agonizava na sua mão, como um espelho, o anjo refletiu a energia da flor gigante para o próprio Esteban, que saiu de onde estava com Alícia apenas para receber um chute nas costas e ser jogado para dentro do ataque.
— Que amigos inúteis são esses que você tem, menininha. — Com o rosto contorcido pela dor persistente, Alícia apertou o pedaço da sua espada. — Não servem para nada.
— Olha como fala — repreendeu Luminas, quando um forte brilho surgiu ao lado do anjo e intensas rajadas de plasma solar explodiram em cima dele. — Cara rude.
— Perdeu a Habilidade Inata, mas a espada ainda funciona — comentou Abbadon, nas costas da tenjin. — Uma pena que você perdeu o acerto garantido.
Luminas se virou e chutou o adversário, porém o chute que estava a ponto de acertar o rosto dele curvou a sua trajetória e errou o alvo sem explicação aparente.
— Era assim que você lutava. Estou certo? — Dando um soco para o lado, que era certo que erraria a moça, Abbadon acertou a nuca dela e a jogou para baixo. — Você é só um pássaro sem asas agora, menina.
Foi então que antes que o anjo caído tivesse a oportunidade de usar as suas próprias asas para perseguir a moça, a Longinus voltou a alcançá-lo e, dessa vez, o ser alado perdeu altitude.
— Huh?! — Batendo as suas asas negras, Abbadon se manteve no ar por meio de recursos tradicionais. — Anulou minha energia, hein… Longinus? — Tinha que ser coisa da arma divina entregue por aquele Rafael ao primeiro dos tenjins.
Chicotes de luz dourada vieram de todos os lados e prenderam o anjo no ar, apertando os seus braços, pernas e asas, o que oportunidade para o Lucius chegar em um instante e pegar a lança para, enfim, com os pés nos ombros do inimigo, enfiar a ponta da Longinus no olho direito dele.
Com a barriga latejando de dor, Alícia viu Esteban e Luminas caindo perante as mãos do Anjo do Abismo sem Fim. Ela mesma já tinha enfrentado ele para saber o quanto os seus esforços eram inúteis.
— Aproveite essa chance e vá embora — sugeriu a Patrona do Pecado da Inveja, que desceu até a nefilim. — É o melhor que você pode fazer agora.
— Infelizmente… não. — Passo após passo, com peso e lentidão, Alícia colocou uma mão no ombro da Patrona. — É você que tem que fugir, Yuna.
— Mas… — A garota de olhos âmbar acabou por abaixar o seu rosto, já com a intenção da outra em mente. — Você vai mesmo morrer aqui hoje?
Independente do que a Patrona desejasse, o alvo do Anjo do Abismo sem Fim estava bem definido. De pouco valia o tempo que o grupo estava ganhando, Abbadon iria atrás da Alícia aonde quer que ela fosse.
— Eu disse que ia te salvar. — Tirando a mão da barriga ao mesmo tempo que runas roxas marcavam a sua pele, e a dor ia embora, Alícia sorriu com as tatuagens em sua face direita. — Eu seria uma mentirosa, se morresse aqui, né?
Yuna queria acreditar naquelas palavras. Queria mesmo. Mas a promessa era grande demais para que a Alícia pudesse cumprir. Eram só palavras de consolação vazias e que se perderiam em breve.
Encerrando o contato da mão da nefilim com o seu ombro, a Patrona virou as costas e, em posse do seu dispositivo de teletransporte, foi embora sem dizer mais nada para a moça que abaixou a cabeça.
O sangue escorria do buraco da órbita ocular direita do anjo, enquanto o olho esquerdo se moveu para cima, para o tenjin que se esforçava para retirar a lança que acabou por ficar presa ali.
— Tá feliz? — Gargalhou o anjo, que abriu os braços e rompeu as amarras dos chicotes luminosos. — Eu esperava mais da sua lança idiota, moleque!
Enquanto despencava, Abbadon bateu o galho retorcido e a lâmina lamentadora um no outro, unindo-os com um estalo que deu origem a duas asas no lugar da conexão.
No que o anjo fez um movimento para cima, Lucius se viu obrigado a largar a Longinus e fugir do corte da arma em formato de foice, que deixou um imenso rasgo espacial no céu de Shadowfen.
Rindo alto, Abbadon abriu as suas asas negras, enquanto a Longinus se desfazia e voltava para as mãos do tenjin acuado. Ainda que anulassem a sua energia, só os seus atributos físicos já eram mais do que suficientes para aniquilar a própria luz.
— Espaço Dimensional: — A risada do anjo chegou ao fim ao ouvir as palavras da nefilim que levaram os dois para longe dos amigos dela, para um novo cenário agora desolado e de atmosfera asfixiante. — Reino da Vida Esgotada.
Abbadon abriu um largo sorriso ao encarar a garota se desfazer daquela máscara de tenjin e abrir um belo par de asas roxas nas suas costas, ao passo que o seu poder aumentava e as páginas do Necronomicon passavam frenéticas na sua frente.
— Venha e lute… como uma nefilim.
Saudações!
Aqui estamos com o último capítulo de 2024 e com isso um Próspero Ano Novo para todos.