Volume 3 – Arco 3
Capítulo 220: Limitação da Falsidade
Sem reação imediata da garota. De todos os movimentos que o adversário poderia realizar, Alícia nunca imaginou que iria receber um tapa dele no meio da luta.
Os trovões. Aquele barulho estrondoso estava além do nível do que poderia ser chamado de fúria da natureza. O palco foi posto, e o caos prometia ser bem maior.
Alícia inspirou e tocou sua bochecha latejante quando fitou o adversário que sorria com o êxtase da sinfonia dos trovões que se esvaíam no meio das nuvens negras.
Vindo pelas costas do Abbadon, o primeiro movimento de reação da garota foi feito pelas mãos de um terceiro: um chicote de vértebras serpenteou no ar e agarrou o pescoço do anjo caído com três voltas.
— Hump! — Sem ceder um milímetro sequer ao puxão que o Cavaleiro da Morte deu na sequência, com o chicote de vértebras, Abbadon segurou a arma do inimigo, pelas costas. — Dullahan, hein?
Firmando um passo à frente, o Anjo do Abismo sem Fim puxou a invocação da nefilim e a jogou contra ela, que reagiu dando um impulso rasteiro para o lado.
— Dullahan! — O cavaleiro passou direto e se chocou contra uma casa já destruída, no fundo.
— Minha… senhora… — Com os seus ossos rachados, Dullahan se levantou cambaleante. — Ele é problema.
Alícia era grata pelo aviso, mas aquilo era nítido como água cristalina. Foi só um puxão, e mesmo assim parecia que o cavaleiro havia sido jogado contra uma parede de Aço Demoníaco.
Relinchando e soltando chamas de Nether pelas narinas, o corcel morto-vivo também avançou contra o anjo, mas desapareceu na forma de fumaça antes que o inimigo enfiasse uma mão no seu rosto equino.
— Oh! — Abbadon fitou a moça que havia desfeito a invocação antes que o pior acontecesse ao seu precioso animal. — Me diga, garota. Isso é o melhor que você pode fazer enquanto mantém essa máscara ridícula de tenjin?
Alícia contraiu os lábios e expirou com peso. Com a espada em uma mão e com o Necronomicon do outro lado, o que ela poderia invocar para lidar com aquele tipo de inimigo? As páginas iniciais de nada serviriam, já as avançadas gastavam energia além da conta.
— Se suas cartas forem inúteis, você pode apelar e invocar o seu querido Arcanjo.
— Me recuso — contestou, ainda que a voz vacilante mal tivesse credibilidade.
— “Recusa”, é? — O anjo riu enquanto abria os braços para pegar alguns itens que saíam de dois buracos no espaço. — Vamos ver até quando você segura os seus gritos então.
Mesmo sentindo cada célula do seu corpo tremer, se os seus gritos fossem prejudicar alguém, principalmente o Arcanjo que a salvou, Alícia achava melhor arrancar a sua própria língua ali mesmo.
Da esquerda, Abbadon puxou o que se assemelhava a um galho de árvore retorcido e podre, um objeto que só podia ter sido coletado de uma floresta sombria própria para o fim da vida e a morte da esperança.
Do buraco direito, uma lâmina longa e curva saiu. O que deveria ser uma arma afiada estava cheia de dentes pontiagudos. A curvatura era como uma grande boca aberta ao máximo, talvez por isso o som.
— Huh?! — Alícia deu um passo para trás. Ela estava ouvindo. Só podia ser coisa de lunático. A lâmina do inimigo chorava de agonia e dor. “Essa arma é de dar calafrio”.
— Desvie — alertou o anjo enquanto apontava o galho retorcido para a garota, que começava a ser tomado por uma fumaça negra e cinza. — Eu recomendo.
Como o cajado de um mago sombrio, o objeto do anjo caído conjurou caveiras negras envolvidas por uma aura cinza, que avançaram para cima da nefilim, fazendo um movimento leve de sobe e desce, como ondas, enquanto gritavam e agonizavam.
“Devagar?” Alícia escapou com certa facilidade das primeiras caveiras, o que parecia estranho. As caveiras eram bem mais lentas que a velocidade demonstrada pelo Abbadon antes. “Eu consigo”.
Foi então que, ao cortar uma das caveiras que vinham diretamente em sua direção, Alícia compreendeu o significado do alerta do seu adversário: a espada da garota foi dividida em dois pedaços, ou melhor, a parte que tocou a caveira simplesmente sumiu.
— Elas são lentas, mas não podem ser paradas — comentou o algoz, enquanto a moça pulava para longe a um triz de ser pega no ataque. — Eu disse pra desviar.
Aquelas caveiras eram verdadeiras borrachas da realidade, e o Abbadon levantou o seu galho, conjurando um grande vórtice delas e lançou para onde Alícia havia fugido, o telhado de uma casa, que logo foi entregue ao lamento dos gritos agourentos.
“Se afastar!” Alícia abandonou o telhado.
— Faça melhor, menininha. — Ao entrar em contato com a matéria do telhado, o vórtice de caveiras explodiu, porém sem causar ondas de impacto, formando uma esfera que se expandiu, apagando tudo.
A nefilim deu as costas para o ataque e correu à toda velocidade, sem sequer olhar para trás; apenas sair dali importava, e em parte deu certo: a expansão da esfera não alcançou ela, mas o lamento das caveiras da lâmina do Abbadon soou logo ao lado.
— Quando te dei permissão pra fugir? — Quando Alícia olhou para o lado, tudo o que ela recebeu foi o impacto do galho em seu rosto. — Você pode fazer melhor que isso. Eu sei — disse enquanto observava a garota sendo jogada contra uma série de casas, que ficavam só os restos no trajeto.
Quantas paredes foram quebradas em suas costas Alícia tinha dificuldade em dizer, tudo o que ela sabia, enquanto se levantava de novo, era que fugir do Abbadon seria impossível, mesmo que ela abrisse um portal para outro universo.
— Eu vou morrer aqui? — questionou-se enquanto curava os arranhões no seu rosto. — Eu já teria morrido, se ele quisesse. — Era óbvio que nunca seria tão simples assim: os mortos não gritavam.
— Ei! Não pisca! — alertou um rapaz nas costas de Alícia, que ela só reparou um instante depois. — Se piscar já era!
À frente do tal rapaz havia uma escultura de um boneco rústico, com os braços apontados para ele, e aos pés da escultura jazia o corpo de uma garota que se contorcia com o pescoço virado para trás.
Aquela coisa, Alícia já tinha ouvido falar.
— Ela é rápida, muito rápida! — Sim. Uma piscadela e um pescoço virado; e o pior de tudo, a Escultura era indestrutível.
“E agora?” Os olhos do rapaz já estavam vermelhos, e Alícia sabia que só estava viva por causa daquilo; no instante em que caiu ali, o seu destino já estava selado. — Pode sair daqui. Eu cuido disso.
— O que?!
— Faça o que eu disse! — exclamou a nefilim com convicção. Assim como o Raizel, ela também era imortal; um pescoço quebrado não era nada, embora o grande problema fosse o anjo atrás dela.
Dando uma última olhada para a parceira no chão, porém sem muitas alternativas, o jovem tenjin moveu as suas pernas e correu para o mais longe da Escultura.
Alícia, por outro lado, ao se certificar de que apenas ela poderia ser o alvo do monstro, fechou suas pálpebras e aceitou o que estava por vir; seria rápido, tão rápido quanto uma piscadela.
— Um sacrifício — comentou o Abbadon. — Que coisa nobre, vinda de uma nefilim.
A garota abriu os olhos na hora e deu uma leve tremida ao dar de cara com os braços da Escultura a um fio de cabelo de tocar nela, o que foi impedido pelo galho enfiado na cabeça do até então indestrutível.
— O Rafael ia sentir orgulho de você. — Foi então que o anjo pôs a mão livre no rosto e suspirou. — Ah! O que eu estou dizendo? É óbvio que ele te admira.
— Você… o que o Rafael te fez pra você ter tanto rancor dele? — A resposta que a garota pediu veio com a Escultura sendo jogada para o canto e apagada por uma grande caveira que a engoliu.
— Eu costumava ser o braço direito dele, mas… bem, digamos que as nossas visões de mundo não se batiam muito.
— Só por isso? — indagou a moça. — É muito pouc… — O anjo a fitou com uma carranca que assustaria qualquer aberração, e Alícia se calou. — Huh!
Abbadon atacou de repente com o galho, o que levou a garota a recuar dois passos e completar o pedaço da sua espada com uma lâmina de Nether; o ataque agora seria dela, entretanto, o seu movimento foi rebatido pelo galho e o tempo ficou lento.
— Quando a sua voz é apagada por bilhões de anos — expressou-se o anjo, o único que se movia na velocidade normal — isso é “muito pouco”, garotinha?!
Tudo o que Alícia pôde responder foi um gemido de dor ao ter as suas vísceras perfuradas pela lâmina lamentadora do adversário. O tempo voltou a fluir normalmente, mas com a menina recebendo um chute que a jogou no chão.
Alícia se contorceu com as mãos na barriga. A espada foi abandonada e uma sensação de queimadura intensa tomou conta da barriga da nefilim.
Ela já tinha recebido danos piores, mas nada havia doído como aquilo. Sofria como as vítimas do portal de Shadowfen. Sofria… então a ficha caiu.
— Foi… você…
— Ah, sim! Foi eu, sim. — A um passo de pisar na adversária, se assim pudesse ser chamada, Abbadon explicou: — O que vocês chamam de maldição, foi eu que coloquei.
A Perpetuum nunca criou um portal naqueles moldes, seria necessário ter algo como Manipulação de Leis para produzir algo do tipo, e seria um desperdício gastar algo tão valioso em apenas um portal.
— Ah! Eu também achei isso com um bichinho, quando eu tava dentro daquele portal. — Como quem segurava qualquer quinquilharia, Abbadon revelou a Pirâmide de Hórus. — Mesmo se isso for destruído, a dor nunca vai passar, nem mesmo a sua.
Independente do que tinha ouvido, Alícia tentou se levantar e quebrar a Pirâmide de Hórus; teria feito, se as suas pernas tivessem força para obedecer o comando.
— O que você acha de criarmos uma nova lei? — O anjo se inclinou para a nefilim e deixou a pirâmide bem pertinho dela, que a encarou com feição de dor. — A quebra desse objeto significa o fim da dor, então…
Diminuindo a pirâmide até o tamanho de uma simples bala, Abbadon jogou ela para cima e abriu a sua boca, com o rosto levantado, engolindo-a de uma única vez.
— Boa sorte aí, menininha.
Alícia contraiu suas expressões. De uma fagulha de esperança para a aniquilação total dela. Tocar no Abbadon já era difícil, fazer um buraco na barriga dele seria impossível. Pra piorar, a nefilim nem podia se mexer direito, a menos que…
Me diga, garota. Isso é o melhor que você pode fazer enquanto mantém essa máscara ridícula de tenjin? Sim, a resposta para a pergunta daquele anjo era óbvia.
Alícia mordeu os seus lábios e pequenas marcas roxas começaram a brotar na sua pele, quando então um grande clarão dourado caiu do céu sobre a cabeça do Anjo do Abismo sem Fim.
Esteban foi o mais rápido que conseguiu e tirou Alícia de perto do Abbadon, enquanto o maldito estava preso pela Luz Celestial do líder do grupinho que tinha acabado de retornar para o conflito.
— Foi mal pela demora — desculpou-se o Lucius enquanto flutuava ao lado da Luminas, já recuperados, e a Yuna um pouco mais distante. — A gente te fez esperar bastante.
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