O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 216: Atrasada

Quantos dias duraram ou quantas sessões de experimento foram necessárias, a jovem Yuna já não sabia dizer. Depois de tudo, nem mesmo o seu sobrenome restava mais: Yuna Invídia.

Invidia, a Inveja entre os Patronos do Pecado.

Do outro lado de uma proteção de vidro reforçado, a Patrona assistia uma criança, mais nova que ela, brincando com uma cobra imensa que poderia engoli-la numa bocada só, caso a píton não fosse fruto do experimento da pequena Preguiça.

“Essa é a última de nós?” A jovem suspirou e seguiu caminho para fora da zona de observação. “É ainda mais nova do que eu quando fui trazida pra cá”.

Yuna até sentiria dó da criança, mas quem sentiu pena dela quando foi a sua vez? Quem ouviu seu choro ou deu um beijinho nas feridas que se abriam a cada sessão de tortura, naquela sala maldita de experimentos?

Ninguém esteve lá pela Inveja, ninguém estaria ali por aquela Preguiça. Ainda assim, as duas sobreviveram. Uma benção ou uma maldição? Ao fim de cada encontro que tinha com os psicólogos da Perpetuum, Yuna acreditava na segunda opção: uma maldição, com certeza.

Assim como o insano Arklev, nenhum profissional daquele lugar parecia usar os seus conhecimentos e experiências para algo que fosse bom. Ajudar a garota a enfrentar os seus traumas? Jamais. Potencializaram esses traumas pelo bem da Perpetuum.

A cada dia que passava na prisão daquela instalação subterrânea, Yuna tinha cada vez mais certeza de que aquelas pessoas malignas estavam certas: ali era o Continente Sombrio de Erebus, quem iria se meter naquele território de monstros por alguém sem valor como ela? Morrer pelos planos do Percatuum era a única serventia que ela possuía, e tinha que ser grata por isso.

— Mas que droga. — Depois de passar pela área em que um maluco treinava feito louco, sim um lunático que testava a resistência do seu corpo aprimorado, até o limite, Yuna enfim chegou na entrada do seu quarto. — Que tudo se exploda.

Abriu a porta e entrou.

Ao menos um momento para descansar. Mais um espaço fechado como a prisão que era a instalação da Perpetuum, mas um lugar em que poderia fechar os olhos e mergulhar sua mente no abismo da inconsciência — único momento de paz.

Embrulhada nos lençois da Yuna, outra moça maculava o seu leito de tranquilidade. Algo como a paz era algo que ela não teria nenhum pouco naquele infeliz e longo dia.

— Lilith…! — De novo aquilo. Sempre aquela menina. Com o sangue subindo à sua cabeça, a dona do quarto deu passos pesados para a frente, pronta para puxar a invasora pelos pés. — Some daqui, vagaba!

— Ai! Ai! — Debateu-se a Luxúria, puxada com violência pelo pezinho descalço. — Pra que tanta brutalidade?!

— Eu já disse pra você parar de entrar aqui!

— Mas o meu quarto tá uma bagunça. — Puxou o pé da mão da “amiga” e se sentou, deixando o lençol pra cobrir a parte inferior do seu corpo. Estava apenas de roupa íntima, claro. Era a Luxúria. — E você nunca trocou o acesso.

— E o que tem a ver?

— Pensei que eu fosse bem-vinda.

— Pois nunca foi!

— Ah… — A invasora pegou o travesseiro e deixou seu corpo cair, abraçada à maciez e cheiro da anfitriã sem modos. — Te dou acesso ao meu quarto e ficamos quites, tá bom?

— Por que eu iria entrar naquele chiqueiro? — Deu as costas para a invasora e caminhou para o banheiro.

— Pra arrumar ele. Sei lá — brincou a Luxúria, com uma risadinha.

Yuna freou na entrada do banheiro e se virou com um milhão de reclamações entalada na garganta. Como alguém podia sentir tanto prazer em tirar ela do sério?

— Vai se ferrar, Lilith! — Entrou no banheiro, bateu a porta e gritou, com a voz abafada, lá de dentro. — Quando eu sair, quero você fora daqui, entendeu?!

Sozinha, a Luxúria encarou, com certo pesar, a porta pela qual a parceira passou. Independente do quanto Yuna negasse, naqueles momentos, a mente dela se distanciava do horror da Perpetuum.

“Uma cobaia… do Arklev?” De joelhos no chão escuro de Shadowfen, a Patrona do Pecado da Inveja encarava Alícia, já sem tanto desejo de lutar, ainda que as flores dos Campos Elíseos estivessem secando.

Quem também ficou sem uma reação imediata foi o parceiro da nefilim. Até onde Esteban sabia, Alícia era órfã e passou a sua infância em um orfanato, e foi nesse dito orfanato que ele acordou um determinado dia, salvo pela garota que parecia ter um comportamento meio estranho quanto à noção de dor.

“Você passou só um dia dormindo”, foi o que ela disse com a maior naturalidade que Esteban já tinha visto. Um dia inteiro. Quem diabos ficava desacordado por 24 horas inteiras e achava isso normal?

O jovem tenjin ofegou, sentindo um gelo em sua barriga, como quando tinha medo do Bicho Papão durante a sua infância. O que vinha à mente, Esteban não tinha coragem de perguntar, diferente da outra garota ali presente.

— De qual experimento… você fazia parte? — perguntou a Inveja, agora com um tom de voz menos hostil. Ela entendia bem como Alícia sabia o nome do Arklev. Ninguém que foi vítima daquele ser hediondo jamais esqueceria o seu nome. — Como você escapou de lá?

— Eu… Eu fazia parte do experimento de criação de um Nefilim Primordial. — Yuna respondeu com um “hã?” Aquele experimento foi um fracasso total. Nenhuma cobaia saiu viv… — E eu morri.

A morte era o único meio de sair dos domínios de Erebus e da Perpetuum, afinal: descartado como ração de monstro.

— Depois de tantas aplicações do Nether do Raizel. Depois de perder a consciência incontáveis vezes. — Os lábios da nefilim tremeram. As memórias. Aquelas memórias. — Depois de… ver tantas crianças fecharem os seus olhos e nunca mais abrirem eles… — Incluindo a sua amiga Lucy. — Eu, enfim… morri também.

— Mas… você tá viva… aqui.

— O Nefilim Primordial, Raizel Stiger. — Alícia fitou as mechas roxas do seu cabelo. Teria observado os seus olhos de ametista também, se pudesse. — É o Primordial da Morte, mas nem a morte quer alguém como ele… alguém como eu.

Se Yuna dilatou sua feição, Esteban contraiu a dele. O rapaz gostaria de argumentar contra o que a parceira disse, mas era inegável que caso mais alguém soubesse sobre a verdadeira natureza dela, em especial os tenjins, Alícia iria receber o mesmo tratamento que o nefilim.

Pra fechar o pacote, Alícia ainda estava se disfarçando de tenjin em uma Academia de Batalha que era repleta de integrantes daquela raça. Continuar em tal instituição, tendo sua identidade exposta, seria mais do que inviável. Muitos se sentiriam enganados por um ser maligno e impuro.

— Por isso você quer salvar ela — comentou o rapaz, entretanto baixo, e sua voz foi coberta pela da moça no chão.

— Não… Não faz sentido! — A Patrona feriu suas unhas, amassando o chão duro com as pontas dos dedos, quando gritou para a garota que a encarava com cara de susto. — Você não foi jogada pra fora?! Era pra ter virado ração de monstro!

— Eu… encontrei alguém. — Nesse ponto, Alícia hesitou. Deveria contar sobre o seu encontro com o Arcanjo Rafael? — Alguém apareceu pra me salvar dos monstros.

— Hã…?

“Mentira!” O subconsciente da Patrona gritou. Nenhuma pessoa iria até o Continente Sombrio atrás de salvar alguém. Ninguém seria louco a tal ponto.

Se fosse como Alícia disse, então ela, a Yuna, acreditou em uma mentira a vida toda? Esteve presa como um elefante amarrado a um pequeno pedaço de madeira fincado no chão? Domesticada. Condicionada.

— Por quê…? — A voz da Patrona tremeu. A garganta apertada. Abaixou a cabeça, e as lágrimas escorreram com facilidade pelo seu rosto. — Por que ninguém esteve lá… por mim também?

Desde o princípio, uma garota sem merecimento. Não mentiram totalmente para ela. De fato, alguém poderia salvar outra pessoa em Erebus. O problema era ela. Era ela que não merecia esse tipo de tratamento.

A Patrona fechou suas pálpebras molhadas. Mal dava para enxergar direito com tantas lágrimas borrando sua visão. Que infelicidade; não pôde ver a mão da garota que se aproximou dela e tocou a sua bochecha úmida.

— Eu estou aqui. — Alícia puxou a atenção da outra com um semblante tão debilitado quanto o dela. — Eu estou aqui por você, Yuna.

No que seus olhos igualmente abalados se cruzaram, a Patrona se viu cedendo ao desejo de cair e encontrar conforto naqueles braços receptivos; entregar sua dor a quem, como ela, conheceu as profundezas do abismo.

Alícia acolheu a adversária com os dois braços, enquanto Yuna soluçava em seu ombro e tremia de frio como se aquela cidade sombria não estivesse mergulhada no calor de desgraças e tormentos alheios.

— É tarde — mussitou a Patrona contrita. Para ela já não havia mais redenção. Alícia estava atrasada demais. — Um dia longe da Perpetuum, e eu morro.

Tirando um dispositivo de teletransporte de um anel, Yuna apertou o objeto entre as mãos, ciente de que o seu destino já estava traçado e era apenas um.

Os Patronos do Pecado podiam ter superado o tempo de vida de qualquer raça em Calisto, mas sem o soro do Arklev, cada hora fora da instalação se aproximava da sua hora final.

Alícia envolveu as mãos da Patrona que seguravam o dispositivo de teletransporte, com as suas próprias mãos. — Tem que ter um jei…

Uma terrível escuridão tomou o céu de Shadowfen, que já estava longe de ser bonito, e um tremor antecedeu o surgimento de uma grande fenda de pura energia abissal.

— O quê…? — A nefilim fitou a intensificação do horror.

— Mas o que aconteceu? — Esteban sondou a fenda apenas para perceber que não era uma rachadura, era a energia do portal que perdeu o seu formato circular, tanto que boa parte do chão de Shadowfen retornou à sua aparência original.

Lucius e Luminas haviam enfraquecido o portal? Nem de longe. Sem cessar, hordas e mais hordas de criaturas medonhas começam a gritar e expor suas garras, das profundezas da fenda abissal.

Esteban tinha perguntas, e como a Patrona estava mais amigável ela poderia respondê-las, caso a moça não estivesse com uma expressão tão confusa quanto a dele.


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