O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 214: Cobaia e Cobaia

Um para cada lado, Alícia e Esteban conseguiram evitar que suas cabeças fossem esmagadas por aquela pedra antes pequenina, agora grande o suficiente para trazer a aniquilação total a ruas inteiras.

Se contemplar a ampliação do corpo rochoso já foi surpreendente, vê-lo evaporar na forma de uma névoa fria e se alastrar pela área próxima foi de arrancar um arrepio gélido e involuntário dos duos que sentiram os seus corpos travarem.

— Huh?! — Alícia fitou os seus braços e pernas cobertos pela névoa transformada em gelo cristalino. — Manipulação de Matéria… — Aquela Patrona estava por ali? — Yuna.

— Quando nos tornamos próximas o bastante pra você me chamar tão casualmente pelo nome? — questionou uma voz distante pouco antes de uma estaca de gelo brotar do chão rumo ao queixo da nefilim.

— Urgh! — Alícia jogou o pescoço o mais rápido que pôde para trás, e um estalo ósseo assustou o parceiro dela, ainda assim a garota escapou de ser empalada, mesmo que com sangue vertendo de um arranhão no seu queixo. “Por muito, muito pouco…”

Revestindo sua pele com Nether, a nefilim estourou o gelo que a prendia e tropeçou um passo para trás, mas não sem antes enxergar os pedaços cristalinos assumirem um tom laranja explosivo e a cercarem com vários “booms!”

— Alícia! — Soltando-se da prisão gélida, com o mesmo método que a parceira, Esteban deu um passo em direção a ela, quando seu pé afundou em algo gosmento. — Huh?! — O tenjin pisava em lama pura.

— Quanta preocupação pela segurança da sua parceira — comentou a voz da Patrona, nas costas do rapaz. — É de causar inveja. — A elevação no nível de energia da garota provava o seu pecado, assim como a pontada que Esteban sentiu nas costas.

— Argh! — Ao baixar o seu rosto, o tenjin reconheceu o tipo de haste que saía do seu peito, uma lança aguda. — In… veja…

Com o corpo levemente inclinado para a direita, Esteban pôde evitar que a perfuração ocorresse em seu coração, entretanto o mesmo não podia ser dito do seu pulmão esquerdo, que se enchia de sangue e ardia como se estivesse sendo queimado por brasas, e, na verdade, estava.

Vermelha, dada a agitação frenética dos átomos, o metal da lança perdeu o seu formato cilíndrico e se planificou na horizontal, ficando afiado enquanto chiava em contato com a carne e com o sangue do tenjin que grunhiu e revestiu a mão direita com uma camada de energia.

Esteban agiu tão rápido quanto pôde, ainda assim o metal aquecido se moveu antes da sua mão e avançou, liso, em direção ao seu coração; cortava-o como quem fatiava manteiga.

— Argh! — O rapaz perdeu o equilíbrio quando uma terceira força, óssea, envolvida por uma aura roxa se enroscou na arma da Inveja e puxou o metal na direção oposta, o que acabou por salvar o Esteban ao custo de abrir um grande rasgo na sua lateral esquerda.

Livre do objeto intruso em seu corpo, o rapaz caiu de joelhos, com uma mão no peito ardente, onde o sangue escorria feito louco e encharcava a camisa do seu uniforme.

— Tsc! — Com o seu equilíbrio também afetado, uma vez que o chicote de vértebras do Dullahan acabou puxando a mão dela junto, a Patrona deu uma encarada mortal no Cavaleiro sem Cabeça e então abriu mão da sua arma. — Pare de me atrapalhar, seu saco de ossos!

A mão livre da garota agora tinha um novo endereço, as costas do tenjin que agonizava aos pés dela. Já estava quase morto; um toque da sua mão e ele viraria pó. Seria um fim menos doloroso; isso foi tudo o que a invocação conseguiu para o moribundo.

Uma sombra roxa ao lado da Patrona invadiu a sua visão periférica, e dela saiu um pá de cascos traseiros. Yuna moveu os globos oculares arregalados a tempo de lembrar que Dullahan possuía um corcel morto-vivo, um corcel que dava coices.

O eco dos cascos do cavalo batendo no rosto da garota foi alto e seco, reflexo do arremesso humano que cruzou três casas e tirou a Patrona do Pecado da Inveja de cena.

— Sacerdote, cure o Esteban! — solicitou Alícia enquanto colocava mais uma invocação em campo e corria para onde a Yuna foi jogada, antes que a Patrona terminasse por retornar e pegasse o rapaz em péssimo estado. — Dullahan, bom trabalho!

O cavaleiro materializou o crânio em sua mão enquanto corria com o chicote de vértebras na outra; abriu levemente o maxilar no que poderia ser um sorriso, até daria uma piscadinha se possuísse pálpebras.

Alícia sorriu em resposta, sem tirar o foco da sua visão dos escombros que logo voaram para cima dela e do Cavaleiro da Morte. Dullahan tentou destruí-los com o chicote, mas cada pedaço de pedra, telha ou madeira virou fumaça em um segundo.

— Isso é mal. — Temeu a nefilim, pronta para saltar para fora da fumaça. — Pula! — O cavaleiro seguiu o comando, porém, tanto um quanto outro ficaram presos em pleno salto quando o que era gás se solidificou.

— Tanta preocupação com essas invocações…! — Passo após passo, Yuna caminhou enquanto curava a marca roxa e ardente em seu rosto. A nefilim continuava tratando aquelas coisas como se fossem gente. — Porra, Alícia! — Reclamou no início, mas agora era a própria Patrona que chamava a outra pelo nome.

Fervendo do que parecia raiva, Yuna mostrou a mão esquerda para a prisão da adversária e fechou os dedos, o que resultou numa sequência de três compressões imediatas do sólido.

Na lança da sua mão direita, a Patrona reuniu cada gota da elevação de energia que ela teve ao presenciar a demonstração de afeto mútua da adversária e da invocação.

— Por quê…? — Mordeu os lábios. Apesar da aparente raiva, os olhos denunciavam a tristeza. — Até um saco de ossos pode ter isso… — praguejou, sem notar o chicote de vértebras que vinha por suas costas. — E eu nã…! Urgh!

O pescoço da Patrona sangrou com a carne machucada por uma enroscada dupla do chicote, que a puxou para trás, fazendo-a grunhir e sufocar, sem equilíbrio.

“Quando… ele…?” Yuna abriu a boca em busca de ar, porém o que teve foi as vértebras da arma rasgando o seu pescoço enquanto se despediam dela e deixavam de costas no chão, com a visão do céu obscuro. “Uma… invocação… Maldita invocação”.

O semblante levemente arroxeado tardou em reagir aos relinchos do corcel que avançou com velocidade máxima e pisoteou a garota caída, sem piedade.

O corpo de Yuna se debateu, enquanto o animal parou ao lado do seu dono. A estrutura sólida que prendia Alícia tremeu e, com um brilho intenso, foi estourada em pedaços que quicaram no chão.

“Então… foi isso”, refletiu a Patrona. Alícia aceitou a prisão para que Dullahan tivesse a oportunidade de um ataque surpresa, já que ele era uma invocação que poderia ser cancelada e ativada fora do sólido. — Ur… Argh! — Yuna se virou e cuspiu sangue.

Claramente foi Alícia aquela a deixar a oponente naquele estado cheio de poeira, ensanguentada e com algumas costelas fraturadas, além de órgãos feridos — aquele animal pisava mesmo com uma força irreal — mas por que era a nefilim que esboçava uma feição triste enquanto abria mais uma página do Necronomicon?

— Eu sinto muito por isso. — As páginas do grimório pararam, e Alícia entoou: — Invocação Número 25: Espectros Lamentadores, Bradadores.

Figuras fantasmagóricas saíram do chão e cercaram a Patrona, que tremeu só de encarar aquelas órbitas oculares vazias; um monstro que só funcionava se tivesse conhecimento do nome da vítima, e Yuna era um nome conhecido, um nome que começou a ser repetido pelos sussurros das criaturas, que iam até às profundezas de uma mente cheia de traumas.

— Ah… Ahhh!!! — Encolhida em posição fetal, gritando sangue da sua boca, a garota pôs as mãos nos ouvidos, embora as vozes continuassem a irem cada vez mais fundo na sua mente. — Ah… Ahhh!!!

— Só um pouco já é suficiente. — Alícia fez um sinal com a mão para que os Bradadores se silenciassem, o que aconteceu, diferente dos berros da Patrona. — Desista de lutar — pediu. — Eu só quero conversar um pouco.

— Conversar com ela? — questionou o Esteban que retornava à cena com uma mão no peito esquerdo; apesar de curado, ainda podia sentir a queimação no seu ventrículo esquerdo. — Ela é perigosa.

— Esteban… — A moça se virou para o parceiro.

— Não me entenda mal. — No fim, ele não era o maior fã de violência. — Apenas prenda ela primeiro — sugeriu. — Conversar sem proteção é perigoso demais.

— Mas… — Abaixou a cabeça e a voz. — Se ela for presa, é sentença de morte.

Naquele ponto, o tenjin perdeu a reação: Alícia queria, de alguma forma, proteger aquela pessoa? Não. Mesmo ele sendo contra a violência desnecessária, aquela Patrona tinha um crime grave pelo qual deveria pagar.

O rapaz apontou uma mão para onde Yuna soluçava rodeado pelos Bradadores mudos. Alícia se virou de imediato, temendo algum ataque por parte do parceiro, mas o que ocorreu foi a criação dos Campos Elíseos, que acalmaram a alma aflita e esmaeceram o seu choro.

— O motivo — pediu o rapaz. — Ao menos me diga qual é o seu motivo pra querer poupar uma inimiga de passar pelo julgamento.

Alícia abaixou o seu rosto, meio que para o lado. Esteban já sabia que ela era uma nefilim, mas ninguém ali tinha conhecimento de como foi a sua criação, nem mesmo a Yuna que ela queria ajudar.

— Acontece que… Esteban… — Os Campos Elíseos em breve murchariam. Se a Patrona saísse de controle, os Bradadores teriam que agir de novo. — E-Eu também… — Fechou os olhos e soltou antes que perdesse a coragem: — Eu também fui uma cobaia do Arklev.


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