O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 212: Cidade do Sobrenatural

Fosse pela sua arquitetura sombria e gótica ou até mesmo pelos seus vários museus temáticos e casas do medo, era difícil para um visitante não associar a cidade de Shadowfen a um imenso parque temático para os amantes do terror.

Qualquer pessoa de espírito fraco evitaria aquele lugar ou, se lá estivesse, com certeza o pobre infeliz teria sido arrastado para o teste de coragem de um outro alguém; mais certo ainda seria que a pessoa não suportaria e ficaria chorando num canto, como um certo homem pálido, encolhido no chão escurecido pelo portal.

Soluçando, o infeliz medroso escondia o rosto em posição fetal. Despido, os ossos dos seus ombros desnutridos tremiam. O lamento rouco da boca do homem era difícil de ser evitado, mesmo em meio aos gritos de agonia das vítimas que tomavam conta de toda a Shadowfen.

— Você tá bem? — Se aproximou uma tenjin da Academia de Batalha Behemoth, cuidadosa quanto ao estado do tal homem.

O pálido choramingou enquanto tirava as mãos do rosto e escancarava a sua boca a um nível que nenhum humano conseguiria; nem mesmo pouco aquelas íris completamente branca transmitiam humanidade.

— Hã?! — A moça deu um passo para trás, puxando a atenção do seu parceiro para e para os berros do homem pálido, que se intensificaram ainda mais.

A garota manifestou uma lança e se preparou para o pior; aquela coisa humanoide deveria ser apenas um conto: o Homem Tímido, um ser que, após verem o seu rosto, chorava muito e então…

Com um berro ensurdecedor, ao mesmo tempo que melancólico, a criatura correu para cima da garota enquanto se debatia com os seus braços grandes demais, assim como a abertura da sua mandíbula.

— Ah! — A garota partiu para empalar o Homem Tímido, que agarrou a ponta da arma com uma mão; melhor, cortou a sua palma, e avançou com a outra. — Hã?!

Forçando o movimento da arma, a lanceira impôs a haste metálica no caminho da mão pálida. O Homem Tímido segurou o aço e entrou em uma disputa de força com a garota, empurrando-a para trás.

— Que… força… — A aparência magra do infeliz só podia ser uma maldita artimanha, e força estava longe de ser a característica principal da Classe Lanceiro, diferente da Classe de Batalha do rapaz que correu até às costas do berrador da boca grande.

— Solta ela! — Com um machado pesado em mãos, o tenjin bateu acima da cintura do humanoide, o que fez a voz dele falhar enquanto o corpo entortava e era jogado contra a parede de uma casa, mas não sem antes levar a lança junto consigo.

Livre do ser medonho, o rapaz caminhou para perguntar se a parceira estava bem, quando a arma dela passou pela sua frente, e os gritos do Homem Tímido retornaram, junto da corrida incessante.

— Como tá inteiro? — O guerreiro encarou o monstro, incrédulo; era pra aquela coisa nem conseguir ficar de pé, quem diria correr, então? O rapaz engoliu em seco.

A criatura saltou, e o tenjin suou frio; teria ao menos que afastá-lo com outro impacto. No entanto, em vez de ser jogado para longe, o Homem Tímido foi preso ali mesmo, por raízes resistentes que brotaram de repente do solo escurecido.

— Essas raízes… — A lanceira virou-se para o seu camarada de Classe de Batalha, Esteban Roy, que sondava a situação em cima de uma casa.

— Eu assumo o ódio incontrolável dessa criatura — anunciou o tenjin lanceiro. — Fique em paz e pereça em silêncio.

Pequenas flores dos Campos Elíseos brotaram ao redor do Homem Tímido, e o seu aroma calmante fizeram os berros dele enfim perderem a intensidade, sumindo por completo quando uma lâmina roxa passou pelo seu pescoço, e a cabeça caiu.

Independentemente da resistência, frente ao poder do Nether, nenhuma matéria orgânica poderia prevalecer, nem mesmo a daquela criatura incansável.

— A gente agradece — pronunciou-se o tenjin guerreiro, com certa tremedeira na voz, enquanto acompanhava sua parceira em busca de um monstro que fosse mais compatível com eles. — Valeu mesmo!

“Eles estão com medo”, comentou Alícia, pelo MIC, enquanto enfiava a sua espada com Nether no corpo do monstro e o queimava até o nada; a cabeça também. “Não julgo eles. Esse portal é medonho”.

Os Campos Elíseos do Esteban começaram a murchar; não apenas sumir, mas sim secar até a última pétala morta. Como o portal de Shadowfen se manifestou no chão, a Manipulação de Natureza do tenjin estava seriamente comprometida.

— Medonho… — Do telhado daquela casa, Esteban podia observar o tanto de pessoas que agonizavam pelas ruas da Cidade do Sobrenatural. Impossibilitadas de morrer, sua carne apodrecia por dentro, mesmo que tivesse se fechado após os ferimentos. — Tanta dor…

Até mesmo a morte seria melhor do que aquele sofrimento contínuo, mas tal opção havia sido negada aos habitantes e aos duos que se tornaram vítimas da maldição daquele portal maldito e desumano.

Alícia, pisando na extensão sombria no chão, também ficou cabisbaixa; qualquer ferimento que alguém sofresse ali… como poderiam tratar? Era compreensível que os mais fracos estivessem morrendo de medo.

O tempo para lamentar era pequeno, assim como uma pedrinha que voou em direção ao Esteban, tão minúscula que o tenjin só prestou atenção quando ela começou a crescer, sem explicação nenhuma, e ficou do tamanho de um meteoro.

— Quê? — O tenjin levantou o rosto, boquiaberto, para a sombra colossal do objeto rochoso que esmagou a casa em que ele estava e a dos vizinhos também, com o eco do peso de toneladas.

Em uma das ruas conturbadas da cidade, rodeado por algumas pessoas que agonizavam com as mãos no pescoço, um duo se encontrava petrificado, da mesma forma que o boneco de escultura que estendia os braços enrijecidos para eles.

— Eu continuo de olho nele — sugeriu a menina do duo; os seus olhos ardiam pela vermelhidão, já que ela evitava ao máximo acabar piscando. — Bate com força.

O rapaz respirou fundo e, com tudo o que tinha, partiu para cima da Escultura, pelo lado, para evitar obstruções na visão da parceira, e então bateu com a lâmina do seu machado no pescoço do monstro.

A Escultura colidiu com uma árvore e logo bateu em uma parede, que se quebrou, o que fez o peito da garota gelar; o monstro saiu do seu campo de visão, ao acabar sendo jogado para dentro da casa.

— Cuidado! — A menina se virou para o parceiro apenas a tempo de ouvir um “crack” e enxergar o rapaz caindo com o pescoço quebrado, enquanto a Escultura se encontrava em pé ao lado dele. — Urgh!

As pernas da garota tremeram, e ela quase se virou para correr no impulso, mas logo travou o movimento do seu corpo.

O pescoço do rapaz retornou para o lugar, mas ele se debatia no chão com a dor e o tormento da agonia constante.

— Ah… Ah… — A menina hiperventilava. Caso tirasse os seus olhos daquela criatura, mesmo que só uma piscadela, seria ela a ter o seu pescoço quebrado. “Os meus olhos… tão ardendo… muito”.

Flutuando sobre o centro do portal sombrio, Lucius e Luminas não podiam evitar uma sensação desconfortável em suas barrigas, até mesmo as suas mentes pareciam fracas.

— Como eu queria acabar com isso rápido — confessou a Top Ranking. — Não vou conseguir ver algo de terror nem tão cedo.

Em espiral, o movimento obscuro abaixo era profundo. Diferente das áreas ao redor do centro, que mais parecia fundir o chão de Shadowfen com o material do portal; ali, a escuridão era tão densa que o simples fato de encará-la dava a impressão que a pessoa estava sendo puxada para dentro.

— Ainda bem que eu tô com o meu Amor da Luz bem aqui. — A tenjin deu um murrinho de leve no braço do parceiro.

Lucius permaneceu com a visão fixada no portal. O rapaz mantinha a área de efeito da Longinus apenas ao redor da lança, para que luminas ainda tivesse energia e continuasse flutuando.

— Fechar o portal vai ser suficiente pra colocar um fim à Maldição da Agonia? — comentou o Heroi da Luz, em tom baixo. De qualquer modo, aquela era a única esperança para livrar as pessoas do tormento. — Mas, e se a maldição ainda…

Uma forte pressão, bem diferente da leve que o tenjin nem deu bola, afligiu o braço dele e arrancou um belo “ai” da sua boca, que enfim tirou os olhos do portal e focou na parceira que virou o rosto para o lado.

— Eu fiz alguma coisa pra merecer isso?

— É aí que tá — murmurou a moça, cruzando os braços e dando as costas para o parceiro, que mal ouviu o que ela disse. — Não é “o que você fez”, e sim “o que você não fez”.

Que momento pra ficar de birra; entretanto, antes que Lucius tivesse a oportunidade de tecer algum comentário, ele teve a sua atenção roubada por uma chuva de agulhas de sangue que surgiu sobre a cabeça dele e da parceira.

— Luminas! — Mesmo ciente de que a garota poderia forçar o erro dos projéteis, Lucius puxou ela pela cintura e levantou um braço, com a Longinus girando no formato de um círculo, com o som de uma turbina potente. — Essa habilidade…

Assim como o Heroi da Luz imaginou, as agulhas de sangue não sumiram após entrar na área de atuação da Lança Sagrada. Aquele sangue não era criado a partir de energia, era sangue real.

— … Perséfone.

Encerrada a fedorenta chuva carmesim, Lucius dirigiu uma encarada feia para a jovem majin que deveria estar anêmica, mas que já havia reposto todo o sangue perdido.

Ao contrário do parceiro, Luminas estava com uma feição mais radiante; Lucius ainda estava apertando a cintura dela e nem percebia direito por causa da inimiga.

— Tem certeza que quer entrar nesse portal aí? — alertou Perséfone, flutuando um pouco distante, com as suas adagas Lágrimas de Sangue reluzindo a luz em suas lâminas. — Aqui fora já tá assim, imagina como tá lá dentro.

— Esqueçam esse portal — ordenou Dreison, logo abaixo, enquanto saía da escuridão. — Você vai morrer antes disso, Heroi da Luz. — Então enfiou sua katana na sombra do tenjin, que sentiu uma pontada no abdômen.

— Argh! — Lucius se inclinou para a frente, mas foi Luminas quem arregalou os olhos ao sentir o sangue da barriga do parceiro umedecer as costas dela.

Dreison sorria. Da última vez, ele teve que se contentar com aquela lagartixa evoluída do Baltazar, no Sojourner; mas, agora, iria se divertir com um adversário mais interessante, o seu oposto, o tenjin da Manipulação de Luz.

Sentado em um trono negro, um indivíduo de longos cabelos negros repousava com as pálpebras fechadas e de cabeça baixa. A respiração do homem estava fraca, diferente dos gritos de dor do ambiente.

O interior do portal de Shadowfen era tão bizarro quanto o exterior, se não fosse pior; só havia sofrimento em ambos os lados, e apenas aquele indivíduo era capaz de repousar em meio a tal cenário, ao menos até o momento em que ele abriu os olhos.

— Está aqui — mussitou, antes de revelar suas íris tão profundas quanto à escuridão do abismo e as suas duas asas negras. — Ela enfim está aqui. — Sorriu, maléfico.


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