Volume 3 – Arco 2
Capítulo 210: Plano do Mal
— Mas o que…? — Boquiaberto, Eslly esqueceu por um momento o desespero que tomou o seu peito, agora visualizando de uma certa luz no fim do túnel. — Por que… estão aqui?
— Hahaha! Achou mesmo que a gente ia deixar tudo nas costas de vocês?! — De peito aberto, apesar das faixas sobre as suas escamas de dragão, Baltazar aprochegou-se, voando a toda velocidade e deixando Carelli para trás a comer poeira. — O dever me chama! Hahaha!
Era difícil de acreditar que a nova diretora da Academia de Batalha Absalon permitiu que o draconiano saísse em missão com o corpo naquele estado débil. Ele ao menos conseguiria lutar direito?
Os equipamentos das Academias podiam ser bons, mas reconstruir um corpo que foi destruído logo após uma reconstrução, obviamente, não era tão efetivo; Baltazar recuperou os membros, mas dizer que ele estava em boas condições de saúde…
— Parece que as coisas estão bem difíceis pra vocês — observou o draconiano, ao que reduzia a velocidade e ficava cara a cara com os amigos. — Mas agora está tudo bem, e sabe por quê? — Cruzou os braços robustos. — Porque eu estou aqui.
— Baltazar… eu… — Com pesar na sua voz, Eslly abaixou o rosto em direção aos cadáveres dos parceiros caídos. — Eu sinto muito. — Fechou os olhos, para a fuga da contemplação do seu erro, e virou o rosto para o lado. — Fui eu quem deu o comando que levou eles… para a morte.
— Então foi isso. — O draconiano pôs uma mão sobre o ombro do parceiro, que se tremeu; a mão de Baltazar era pesada, diferente do tom de voz. — Eu vou acabar com isso antes que aquele monstro cause mais estrago. — Então pediu, com um tom ainda mais leve: — Você me ajudaria com isso, meu amigo?
O arqueiro abriu as vistas diante daquelas palavras, com a visão embaçada por algumas lágrimas involuntárias, que ele teve que limpar; precisaria dos seus olhos de águia nas melhores condições de uso.
Tília sorriu em seu canto. O parceiro dela fungou, mas era bom ver que ele recuperou parte da sua vontade de lutar, ainda que só um pouco. Quem diria que o responsável por aquilo seria justo o lunático do Baltazar Dragomir?
O momento era belo, mas aquele lugar ainda continuava sendo um campo sanguinário de batalha, e a sucção de Energia Natural do ambiente abaixo roubou o foco para o ataque sem piedade de Terraemnia.
O feixe de luz verde rasgou o ar e subiu da terra aos céus em um instante. Belo, de longe, o seu brilho cativaria aqueles que o assistiam, caso não soubessem o tanto que aquele ataque judiava da indefesa natureza.
Dividido em diversas ramificações, que se espalhavam pelas alturas do espaço aéreo de Thornfield, a investida de Terraemnia lutava contra a presença de um intruso transparente em seu caminho até os duos, um Escudo Psíquico.
— Vocês três poderiam sair logo daí? — resmungou Carelli, pela telepatia, do lado de fora da proteção do Escudo Psíquico. — Já já vai quebrar, entenderam?
Um “crack!” afligiu os tímpanos daqueles salvos pela humana, que se apressaram em fugir por um buraco que a garota deixou na parte traseira do seu escudo e voaram até ela, evitando as ramificações dos feixes de energia.
O Escudo Psíquico terminou de se rachar e ser engolido pela ferocidade de Terraemnia que, apesar de tudo, lançou o rugido de queimada florestal para o alto.
— Vocês ainda estão se recuperando mesmo — observou Tília, já perto de Carelli, que encarava Baltazar nem um pouco feliz por ter sido deixada para trás, assim que o draconiano viu os amigos. — Como foi que convenceram a diretora a permitir que vocês viessem fechar o portal?
— Ela não deixou — explicou Carelli.
— Como é? — Era difícil para Tília acreditar que ouviu tais palavras da boca da Carelli.
— Hahaha! — Baltazar só gargalhou para o alto. — A gente veio escondido! — Orgulhou-se do brilhantismo. — Ideia minha, claro!
— E-Er… — Como Tília reagiria aquilo. Era óbvio que aquela loucura tinha sido ideia do draconiano; nem era difícil imaginar o porquê da Carelli estar ali também. “Alguém tinha que cuidar desse doido, né?”
— Nem me diga — respondeu a usuária de Manipulação Psíquica, tendo lido a mente da amiga, o que deixou os garotos alheios ao contexto. — Vou levar uma bela bronca. — Pôs uma mão no rosto, já sentindo a dor de cabeça. — Ah, sério.
De qualquer forma, a loucura já estava feita. Tudo o que restava no momento era concluir a tarefa com perfeição, quem sabe isso até aliviasse a fúria da nova diretora?
— Bom, vamos seguir a ideia que você teve — sugeriu Carelli, quanto ao plano de Tília de usar os ventos do Eslly para tirar a fumaça da criatura e, então, voar com ela para cima. — Baltazar, vira dragão.
— Na hora! — Já fazendo força para ativar a Monstrificação, o draconiano parou de repente. — Mas eu faço o que depois? — Encarou a parceira. — Eu só consigo me transformar por pouco tempo agora, então… — Com um apontamento de dedos, Carelli passou a informação que ela pegou da mente da Tília para a cabeça do draconiano. — Ah!
Baltazar virou o rosto para o Eslly, então, como se falasse um “manda ver!”, abriu os dentes reptilianos e fez um sinal de joinha com o polegar direito, enfaixado; contudo, quem agiu primeiro foi Terraemnia.
A criatura enfim pensou numa forma de alcançar os quatro, sem ter que ficar carregando ataques com a energia da natureza, já quase inexistente: desde o chão até o alto céu, uma imensa estaca de rocha negra se estendeu, quente, fervendo com veios escaldantes de magma.
Os dois duos se dispersaram, entretanto, um deles já tinha um propósito, um caminho definido para seguir logo em sequência. Voando em alta velocidade, Eslly, à distância, começou a disparar uma sequência de flechas de vento cortantes.
Feroz, a criatura rugiu para os projéteis que acertaram o seu corpo; ainda que sem força suficiente para tirá-la do chão ou rasgar o seu corpo rochoso, mas com potência suficiente para empurrar a fumaça que a protegia da aproximação inimiga.
— E então? — A fumaça de fato foi empurrada, contudo mais dela continuou a sair de Terraemnia, parecia que nunca teria fim. — Se é assim… — O arqueiro preparou mais flechas. — Hã? — Ouvindo um ruído logo abaixo, Eslly foi atingido por uma das inúmeras estacas negras que brotaram.
Arremessado pelo ar, o arqueiro foi agarrado pela parceira dele, que logo teve que puxá-lo para escapar de mais das estacas que preenchiam Thornfield.
— Ela não para de soltar aquela fumaça. — O rapaz tossiu com dificuldade; o braço bom, agora sangrando. — Mas se eu usar vento suficiente até ela gastar tudo…
— Fora de cogitação — opôs-se Carelli, enquanto preparava um ataque com o seu machado Fúria de Ego, num ponto alto, bem em cima do monstro. — Quem sabe quanta fumaça aquela coisa pode soltar.
O arqueiro franziu o rosto com dor, mais emocional do que física; o plano em que ele seria útil era inútil. Se ao menos conseguisse se aproximar de Terraemnia transformado em águia.
— Vamos tentar outra coisa então! — Brandindo o Fúria de Ego, Carelli liberou uma grande rajada de ondas psíquicas de cima para baixo, a fim de evitar que acabasse acertando alguém além do alvo.
Reverberante, o impacto das ondas ecoou continuamente enquanto castigava o chão já devastado e fazia Terraemnia se debater com dor e ódio em sua mente e coração.
Se fosse feita de material orgânico, com certeza a criatura estaria sangrando, mas o resultado acabou sendo a ramificação de pequenas estacas, no corpo das estacas rochosas maiores, e, então, sem distinção, todas as menores foram com potência para toda e qualquer direção; na terra ou no céu, o que fosse possível perfurar, perfurado foi.
Os duos se espantaram por ainda estarem vivos, protegidos dentro de pequenos Escudos Psíquicos, ao menos os que não foram quebrados, dados a fragilidade atual a qual a proteção de Carelli estava submetida.
— Ur… Ah! — Com uma mão na cabeça, Carelli mal pôde comemorar o seu feito. — Dói… — A cabeça latejava. — Que dor…!
“Ela conseguiu”, observou Eslly, com um olhar incrédulo para a amiga. “Mesmo sem ter se recuperado direito… ela salvou”.
— Agora quem teve uma ideia fui eu! — exclamou o draconiano. Certamente Carelli foi uma grande inspiração, embora os gritos dele fossem a última coisa que a cabeça latejante da garota quisesse ouvir. — Faça uma camada desse escudo ao redor do meu corpo monstrificado!
— Hã? — Carelli abriu bem as vistas. Aquele draconiano teve uma ideia coerente, entretanto, se colocava em risco como sempre. — A proteção vai durar por pouco tempo. — Ainda com uma mão no rosto, julgou o parceiro. — Se você demorar, é morte na certa, entendeu?
— Hahaha! — Atirando-se em direção a Terraemnia, Baltazar proclamou enquanto sua voz humana assumia o tom da de dragão, assim como o seu corpo. — É perfeito! Eu também tenho pouco tempo!
Com uma sombra imensa se formando sobre si, Terraemnia mal teve espaço para reação; o dragão cravou suas garras no corpo rochoso e logo bateu suas asas.
Os dois urraram, um pela dor em suas costas, outro pelo esforço para retirar aquela coisa do chão. A fumaça de Terraemnia se espalhou a cada bater das asas do dragão que se mostraram felizes em seu objetivo.
— Iisssoo! — Foi então que a felicidade do Baltazar foi travada, algo puxava a criatura para baixo. — Como é?!
Raízes grossas brotaram e agarraram as pernas de Terraemnia, um obstáculo inconveniente quando cada segundo valia muito.
— Força, Baltazar! — exclamou Eslly, ao passo que um vórtice de ventos cortantes e eletricidade surgiram para fatiar e queimar as malditas raízes. — Vai!
O dragão, enfim, ascendeu aos céus, tomado por uma densa nuvem escura, porém em ascensão; como um meteoro invertido, alcançou a altura desejada.
Terraemnia se debatia, até criou estacas pontiagudas em seu corpo, entretanto, Baltazar a soltou lá de cima, o que a princípio seria bom para ela, ao menos até fortes ventos e raios a acertaram por baixo.
A criatura urrou em meio ao ruído dos ventos e da eletricidade que adiaram a sua queda por um pequeno tempo, o suficiente para que o dragão inflasse o seu peito e abrisse a sua boca cheia de plasma quente.
Perfurada, derretendo em magma, a criatura deu seus últimos gritos, enquanto o Rugido de Plasma abria um túnel profundo no chão, enquanto Terraemnia era dizimada daquele lugar.
Pedaços remanescentes do monstro caíam do alto, até que esferas psíquicas prenderam elas, só por precaução.
— Nada de tocarem o chão. — Suando, Carelli desfez a proteção do parceiro para focar nos pedaços. — Tá! Eu mereço um descanso. — Mas ia ser uma bronca quando retornasse para a Academia.
Baltazar retornou sorridente para a sua forma de semi-humano e, então, respirou aliviado, não mais que Tília e, principalmente, Eslly, que ficou estático, tamanha era a leveza.
Crack!
O eco da quebra da entrada do portal de Thornfield, ainda selada pelo fogo do majin infame, transformou o alívio em temor e, então, em desespero.
— Não me diga que… — Pálido, Eslly virou o rosto devagar, como se travado, em direção a única rota de fuga da Vínia e da Grete. — Isso… não pode ser possível.
— Hahaha! — Observando seu reflexo no espelho enquanto passava a mão pelo cabelo molhado pelo banho, Kaiser se vangloriava. — Como eu queria ver a cara daquela gentinha, quando eles perceberem que a pirâmide está dentro do bicho. Hahaha!
Fechariam o portal? Sim, fechariam; mas, no fim, como aquela gente, em especial o Eslly, que perdeu a parceira anterior dele para um monstro, ficariam ao descobrirem que foram as suas próprias mãos que bateram o martelo que decretou a morte das suas amigas?
— O meu plano do mal foi perfeito, não acha? — Virou-se, sem ter posto a camisa após o banho, para a felina jogada, ainda inconsciente, na cama dele. — Já pode parar de se fazer de Bela Adormecida.
Já havia se passado tempo demais para que a felina continuasse desacordada.
— Fingir que estar dormindo não vai te salvar de mim. — A garota se encolheu e fechou os olhos com mais força, como se nunca quisesse abri-los. — Nada vai.
☽✶☾ Gostou do capítulo? ☽✶☾
Não deixe de curtir e compartilhar os seus pensamentos nos comentários
✶ Sua participação faz toda a diferença ✶