Volume 3 – Arco 1
Capítulo 200: Purgatório
As gotas de chuva, saídas dos corpos dos combatentes caídos, subiam rumo à escuridão absoluta do Oceano Invertido.
Corpos murchos e pele ressecada eram tudo o que ficava para Klaus e Eirin, ao fim da sua derrota, além de um cérebro debilitado pela falta de água, desidratado.
— Mais fácil do que eu esperava. — Luke deu as costas para os cadáveres, e Milene se agarrou ao braço dele. — Já está mais do que na hora de voltar pra casa.
— Uhum! — assentiu a garota, frente ao resultado mais do que esperado: nunca que um duo Top 2 Rank S de uma Academia de Batalha perderia para um duo Top 3 Rank S. — Mas a gente demorou um pouco aqui; quero que você me mime muito bem por causa disso.
— Ah… — O majin suspirou, com o rosto baixo, porém com um sorriso peculiar. — Eu deixei você cheia de dengo.
A irmã apertou mais o braço direito dele entre os seus seios, enquanto o Oceano Invertido ondulava, pronto para retornar à cidade de Stormhold.
Com a mão do braço livre, o majin segurou o queixo da irmã, levantando-o em direção ao seu enquanto cuidava em apreciá-la com desejo e ternura, como ela sempre gostava de ser tocada.
— Eu te mimei demais — confessou o rapaz — mas que tipo de irmão eu seria se não te agradasse como você merece?
A garota riu e, saltitante, soltou o braço do irmão para se pôr na frente dele e abraçar o seu pescoço e se aproximar do rosto.
— Você é o melhor irmão do mun…
Espaço ondulado, o Oceano Invertido foi deixado para trás e todos deram de cara com um novo cenário, porém não era o que os irmãos Lasker esperavam.
— Espaço Dimensional: — anunciou uma voz fraca e ofegante, atrás. — Purgatório.
O chão voltou a se tornar sólido, porém, daquela vez, quente, escaldante; um fogo abrasador saía das fissuras ressecadas; dourado, divino, o ardor da purificação.
Labaredas rodopiavam por todos os lados, então Luke e Milene notaram que eles estavam em meio a uma cidade em ruínas tomada por chamas. Estavam excluídos do resto do mundo, como seres impuros que só sairiam de lá limpos.
— Como é possível? — Incrédulo, o majin se virou para o dono do Espaço Dimensional, que se levantava devagar, com uma mão na cabeça latejante. — O seu cérebro… Eu tenho certeza…
Os olhos do Luke se expandiram ao repararem nas tatuagens tribais espalhadas pela lateral dos rostos e nos braços dos seus adversários: as runas.
— Haha! Nem me diga. — Klaus deslizou uma mão pela runa do seu rosto, ainda buscando endireitar a postura corcunda e debilitada. — Eu tomei um susto daqueles.
Era a primeira vez que testava o poder regenerativo das suas runas daquele jeito, nem o mestre louco, o dito Raizel, tinha ido tão longe assim nos treinamentos.
— Tsc! — O Majin estendeu um braço e materializou o arco de volta em sua mão. — Vocês que são os monstros aqui.
Aqueles dois haviam perdido mais de 90% dos seus cérebros, além da água do restante dos corpos deles; nenhum ser que fosse chamado de humano seria capaz de ficar vivo depois de tal situação crítica.
— Começaram a cura pelo cérebro — sugeriu o majin. — Só pode ter sido isso. — Caso contrário, seria possível reparar no exterior dos corpos deles se curando.
— Certa resposta! — pronunciou-se Eirin, ao apontar para a sua cabeça com o polegar direito. — Agora o round é nosso!
— Cantando vitória cedo demais! — Luke apontou a mira da sua arma para a garota e criou uma flecha de água corrompida, a qual evaporou antes mesmo que ele puxasse a corda do arco. — Como é?
— Nada de impurezas aqui — elucidou Klaus. — Esse é o Purgatório, afinal.
Diferente das Chamas Divinas que o nefilim usava habitualmente, o que residia dentro do seu Espaço Dimensional eram as Chamas da Purificação e, perante elas, nem mesmo a água corrompida de Luke; não, em especial a água daquele Majin, que possuía propriedades impuras, não poderia prevalecer; era um counter perfeito.
Luke mordeu os lábios até sangrarem e se inclinou para a frente, apertando o arco em sua mão; o tempo de duração do Sacrifício Sangramento estava passando; teria que resolver tudo rápido, mas lá dentro…
O solo ardente, sob a sola dos pés do majin, soltou um fogo para cima, como um gêiser oculto. No meio do calor dourado, os gritos de Luke se perderam, engolidos pela voz absoluta das labaredas.
— Luke! — A irmã estendeu uma mão para resgatá-lo, mas, antes que o alcançasse, a sua mão ardeu e queimou, ou foi o que ela sentiu num primeiro momento. — Ai!
Sem vermelhidão, bolhas ou pele derretida, a palma da garota parecia nunca ter conhecido o fogo, embora a ardência de outro mundo ainda estivesse ali.
— Huh…! — Fechando a palma com força, Milene engoliu a dor e o temor, então, para a surpresa dos adversários, que abriram os olhos em demasia, ela se jogou no gêiser de fogo que engolia o seu irmão. — Luke!
A garota agarrou o seu objetivo com a força do impulso do seu corpo pequeno e se jogou com ele para fora daquelas Chamas da Purificação, nocivas a eles.
“Qual é a desses dois?” Eirin desviou a sua atenção para o semblante confuso do parceiro, que observava a cena com certo receio. “Pureza e impureza… juntos?”
— Mademoiselle. — As labaredas da lança de fogo do nefilim se intensificaram, ao passo que um sentimento ruim inundava o peito dele. — Vamos pôr um fim a isso logo.
Por seus adversários serem majins, Klaus imaginava que as Chamas da Purificação fariam o trabalho por si só, assim seria se ele estivesse enfrentando o Kaiser e a Lilya, como no Sojourner, mas contra os irmãos Lasker algo estava fora de lugar.
“Com certeza é incesto, mas…” De olho em como Milene se preocupava mais com o estado do irmão do que com o risco que ela mesma corria, o nefilim temeu. “O sentimento desses dois pode ter algo… de pureza?”
Fora de cogitação.
Traçando o seu caminho pela lateral, Klaus correu com as labaredas da sua lança deixando resquícios de flamas para trás, que se desgrudaram da arma, dada a intensidade com que o rapaz avançou.
— Tsc! — Com dificuldades para se levantar, Luke apontou uma mão na direção do nefilim, mas a água corrompida tornou a evaporar prematuramente.
Portões de metal escuro surgiram na frente de Klaus; no entanto, assim como no caso das técnicas do irmão, a habilidade de Milene sucumbiu à intensidade do calor.
De sólido para líquido, os portões da jovem majin derreteram e deixaram apenas poças de metal quente; brilhantes, refletiram a figura do nefilim, quando ele pulou por cima delas e arremessou a lança.
Milene tomou o irmão pelo ombro esquerdo e saltou com ele, escapando por pouco da arma, que ficou cravada no chão, onde os dois estavam antes, luminosa.
— Hã? — A visão de Milene foi clareada com a dança das chamas que crepitaram na haste da lança, antes de se expandirem em uma grande explosão. — Ah!!
Os irmãos Lasker foram engolidos em pleno ar e jogados para trás, contra uma densa parede de gelo, que se rachou com o impacto seco dos dois.
Cacos brilhantes caíram da parede gélida, assim como os irmãos que iam de encontro ao chão, se extensões de gelo não tivessem saído da parede, segurando seus pulsos e tornozelos e os prendendo.
— Gelo…? — praguejou Milene enquanto era afligida pelo calor na frente e pelo frio nas costas. — Que… injusto.
A poça do aço derretido dos portões dela até mesmo estava evaporando; metal evaporando, enquanto o gelo de Eirin funcionava sem problema nenhum dentro do Purgatório, apenas por ser divino.
— Urgh… — Milene gemeu de dor, o que chamou a atenção do irmão preso ao seu lado, tanto quanto a intensidade do calor que se acumulava na lança de Klaus.
O nefilim firmou a base dos seus pés e mirou o ataque decisivo que acabaria com aquele embate; ardente, na temperatura de um núcleo estelar, a Chama da Glória.
Milene reconheceu a técnica que Klaus usou no Sojourner e temeu por sua vida; não, ela temeu pela vida do irmão e, antes que se desse conta, já havia falado: — Sacrifício…
— Nos rendemos! — gritou Luke que, ao contrário da irmã, fazia a aura sangrenta sumir do seu corpo, ainda que ele tivesse mais algum tempo restando do Sacrifício.
— Mas… Luke… — Antes que a garota falasse mais, os seus olhos captaram uma sombra no seu lado e, quando estava para virar o rosto, o arco do irmão deu uma pancada na cabeça dela para fazê-la apagar.
— Quê? — Eirin, que já preparava uma estrela de gelo no céu, para combinar com a Chama da Glória, desviou o olhar para o parceiro, que travou o arremesso da lança, perdendo o equilíbrio para a frente.
— Qual o significado disso? — indagou Klaus, sem confiança para cancelar a Chama da Glória, apesar de não apontá-la mais para o adversário Majin. — Diga.
— Ia ser inútil — confessou o arqueiro rendido. — Nós perdemos desde o instante em que caímos aqui dentro.
Ao ser pego pelo gêiser das Chamas da Purificação, Luke soube que, caso a irmã também ativasse o Sacrifício Sangrento, a situação só ficaria pior para ela.
Aumentar ainda mais o poder demoníaco dentro de um ambiente de purificação? Suicídio na certa.
Aquele gêiser era composto apenas de fogo, então deveria ser possível sair de dentro apenas correndo, mas não foi o que Luke fez, na verdade, ele nem sequer conseguiu fazer isso: o seu corpo impuro ficou preso nas Chamas da Purificação.
— Eu sei que aceitar a derrota pode ser pouca coisa aqui — assumiu o majin, já que Klaus e Eirin não deviam ter algemas com Gravuras de Atlas para selar o poder dele e o de Milene.
Ainda no ar, o arco de Luke se deformou até se quebrar, o que impediria o majin de reconstruí-lo durante aquele dia.
— Poupem a vida da Milene. A prisão é melhor do que uma morte certa aqui. — A Garota estava inconsciente, então poderiam prender ela. — Mas a minha vida, tudo bem, eu dou ela pra vocês.
Inclinando-se para a frente, o majin fechou os olhos e entregou o seu pescoço para ser cortado pela lança de fogo do nefilim ali mesmo.
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