Volume 3 – Arco 1
Capítulo 195: Assimilação Brutal
Saltando para cima de um telhado, Samantha escapou de ser partida ao meio por um dos chicotes dorsais do Slime-Crocodilo, ao contrário da casa em que ela aterrissou, que teve suas paredes cortadas e começou a desabar, com o ruído dos tijolos e o estalo das vigas.
O chicote maleável da criatura serpenteou no ar e, prestes a fatiar a garota perdida entre a poeira e os escombros, foi estourado por uma lança de raios azulados, que passou incandescente, veloz e certeira.
— Eu sei que ela chama mais atenção. — Desarmado, Enzo lançou, com as mãos nuas, um feixe de eletricidade e abriu uma fenda que dividiu a terra e o monstro em dois. — Mas eu ainda estou aqui.
Enquanto faíscas azuis saltavam das extremidades da fenda, as metades do monstro se ligaram por meio de tentáculos semitransparentes, e, ao passo que os chicotes se agitavam nas suas costas, o Slime-Crocodilo rasgou sua voz e mostrou os dentes gelatinosos, porém perfurantes.
— Sempre tem um desses — praguejou Enzo, lembrando-se de quando teve que enfrentar um Boitatá. — Tem que destruir até que não sobre nem o pó.
O lanceiro se inclinou para a frente e materializou a sua arma de volta na mão direita, ao passo que a criatura se cansou de ameaçar e partiu para a ação; no entanto, ela desacelerou assim que notou uma grande sombra se formar acima.
— Olha o que eu trouxe pra você! — Segurando uma grande cisterna acima da sua cabeça, um dos poucos itens que ficaram minimamente inteiros da casa que o monstro destruiu, Samantha jogou-a com toda a força. — Toma!
Ágil, o Slime-Crocodilo freou suas patas e jogou alguns pedaços do chão pra cima de Enzo, enquanto os seus chicotes fatiavam a cisterna em incontáveis pedaços, o que de nada adiantou, já que a garota sorriu.
Cisterna fatiada, monstro molhado.
Com o machado iridescente de tanta eletricidade, Samantha o arremessou na forma de um bumerangue pesado e cheio de faíscas que, ao entrarem em contato com a água da cisterna, se espalharam rapidamente pelo corpo do Slime.
Urrando de dor, o sofrimento da criatura se misturou aos chiados contínuos da reação da água com a eletricidade, o que só veio a piorar quando Enzo se juntou à tortura.
Borbulhando a ponto de começar a estourar pedaços que eram tostados pelos raios azuis e vermelhos, o monstro se contorceu e comprimiu o que ainda restava do seu corpo; tão rápido quanto pôde, disparou uma bola gelatinosa.
Diferente do que o duo esperava, o projétil não mirava em nenhum deles; por outro lado, a bolota começou a diminuir de tamanho, torrada, até que um pequeno pedaço escapou, perfurando algumas casas.
— Sem essa! — Com os restos mortais do Slime reduzidos a nada, Samantha tomou a frente e partiu atrás daquela maldita bola de gude. — Nem pensar que vai fugir!
— Samantha! — Quase deixado para trás, Enzo saltou e seguiu voo. — Ah, céus! — Era a garota perseguindo o monstro, e ele perseguindo a garota. — Tenha calma!
Nada de Samantha dar ouvidos ao parceiro, e o motivo era bem conhecido por ele: aquele monstro era responsabilidade deles; apenas deles, de mais ninguém.
Saltando por cima das casas, para encurtar o caminho até o Slime, o duo deu de cara com uma dupla de Rank A, onde a garota enfrentava um Tigre Chifres de Ferro e o rapaz se debatia, com as mãos em cima de um furo minúsculo em seu peito, de onde escorria sangue.
— Essa não… — Sem pensar por muito tempo, Enzo lançou sua arma no pescoço do Tigre Chifres de Ferro, bem na hora que o monstro saltou contra a garota. — Se afasta daí! — ordenou assim que o brilho da lança aumentou, prestes a explodir.
A criatura rugiu, rouco, para a menina, mas seu corpo mal o respondeu, sofrendo espasmo pela alta voltagem que o fritava de dentro para fora, ao menos até que a garota saltou para trás, e os pedaços do tigre saltaram para todos os lados.
— Argh! — Com um braço em frente ao rosto, tudo o que acertou ela foram alguns pedaços de vísceras e sangue. — Eca!
Se limpar seria a primeira coisa que a menina do Rank A faria, isso se o parceiro dela não tivesse gemendo de dor, com Samantha ao lado dele, querendo curá-lo.
“Droga! Droga! Droga!” A ruiva desistiu de fechar o ferimento no peito do rapaz, ou apenas selaria o Slime que invadiu o corpo dele como uma bala perfurante. “Por que eu tinha que ter falhado em matá-lo?!”
— Temos que tirar essa coisa pra fora logo! — Enzo materializou a lança de novo, sem eletricidade, com a ponta limpa para abrir o peito do outro rapaz. — Você cura.
Samantha, que possuía uma arma grande demais para executar a tarefa da cirurgia improvisada, deu um passo travado para o lado, enquanto a garota do Rank A levava as mãos à boca e fechava os olhos.
— Ahhhh! — O rapaz, que não parava de se debater, teve seus pulsos e tornozelos presos por laços de eletricidade estática, para que Enzo ficasse livre para executar a tarefa com calma, apesar da pressa.
Suando frio, as mãos de Samantha tremiam frente à iminência de falhar em sua responsabilidade. Assim como a amiga que ela levou para a morte por uma queda naquela torre noturna, alguém estava para morrer por causa da incompetência dela.
“Foco. Mantenha o foco.” A moça fazia o possível para estabilizar a sua respiração, enquanto Enzo começava a abrir o peito do moribundo. “Você já não é mais aquela garotinha de antes.” Era uma Top Ranking.
Uma protuberância desceu do peito do rapaz de Rank A para a coxa dele, rasgando o que estava pelo caminho, fazendo-o se contorcer à beira de perder a consciência. Enzo cessou o corte no peito.
“Isso é ruim”, lamentou o lanceiro. “Pior que isso. É péssimo”. Teria que remover o parasito gosmento antes de que ele mudasse de lugar. “E se eu amputar a perna dele?” Sim, poderiam recuperar aquele membro quando voltassem para a Academia de Batalha Ziz.
Fazendo as garotas arregalarem os olhos, Enzo se levantou e se preparou para cortar o membro na região entre a coxa e a cintura; amputaria por completo, caso a perna do rapaz não tivesse estourado antes disso.
— Ahh!! — Sangue manchou os rostos dos três, quando o Slime voltou a rasgar o interior da barriga do rapaz e lançou três tentáculos lá de dentro.
Enzo e Samantha tiveram reflexos mais ágeis e conseguiram escapar para o lado e, depois, para mais longe, diferente da parceira do moribundo, que teve sua garganta perfurada pelo tentáculo.
— Urgh! — A garota perdeu o controle e a sensibilidade do seu corpo assim que sua coluna cervical foi quebrada pelo monstro.
— Merda! — Como um raio, Samantha se aproximou e cortou o tentáculo que prendia a outra garota, mas a gosma que ainda restava no pescoço dela envolveu a cabeça e, quando a moça caiu no chão, o azul do Slime ficou vermelho com os miolos esmagados.
— Cuidado! — Com a Rank S distraída, o Slime atacou pelas costas dela, o que Enzo conseguiu evitar ao se pôr no meio, salvando-a, diferente do outro rapaz, que teve todo o seu corpo consumido pelo monstro gelatinoso. — Tá de brincadeira.
Remodelando o seu corpo, o Slime assumiu a forma do defunto e, ao apontar um dedo para o lanceiro, disparou uma sequência de flechas de gelo em alta velocidade, as quais Enzo evitou, ao pegar Samantha pela cintura e se afastar.
“Além da aparência, ele também pega a Habilidade Inata?” Ficando no telhado de uma casa, o rapaz podia sentir o corpo da sua parceira tremendo. — A gente fez o que podia, Mantha.
— Eu deixei eles morrerem…
— Foco. — Eletrificou a lança. — Se aquele monstro ficar vivo, mais gente vai morrer. — Se pôs em posição de chute. — Se nós morrermos, muitos vão morrer!
Samantha abaixou o rosto ensanguentado, quando ouviu a quebra de várias telhas, que foram chutadas por Enzo para cima do Slime, que as interceptou com algumas flechas de gelo aéreas e criou um arco.
— Eu sei o quão gentil e responsável você é. — Apesar dela sempre tentar se fazer de durona. — E por isso, eu confio a minha vida em suas mãos, Samantha.
A garota levantou a cabeça, rápido, assim que o seu parceiro arremessou o machado e se jogou para cima de uma chuva de flechas do monstro, escapando de cada projétil e aproveitando a abertura causada, quando o Slime teve que desviar do machado, para socá-lo bem no rosto.
— Você tá doido?!
O monstro grudou sua bochecha no punho do rapaz e se espalhou pelo braço dele, pronto para matá-lo, assim como foi com a menina, esmagando osso por osso, carne por carne.
Enzo fez o possível para se manter de pé e acumular eletricidade em seu corpo, enquanto a camisa do uniforme derretia em contato com a gosma.
— Urgh! — Fechando a boca e tampando os ouvidos, evitou que o monstro agisse como um parasita dentro dele também.
Com um forte clarão, Enzo liberou toda a eletricidade em seu corpo e fez o Slime inflar, não o suficiente para destruí-lo por completo, mas suficiente para que Samantha terminasse o trabalho por fora.
Com uma chuva de raios escarlates, Enzo e o Slime tomaram uma chuva eletrizante, no entanto, apenas um deles possuía resistência à Manipulação de Eletricidade.
O monstro se debateu feito louco e tentou fugir daquela tempestade de raios de novo, ao menos até que o rapaz o segurou e o forçou a ficar ali até que virasse pó.
— Ufa! — suspirou Enzo, o único ainda inteiro após o baixar dos raios. — Sinto muito por ter demorado tanto. — Olhou com pesar para os cadáveres dos caídos.
Feito alguns segundos de silêncio, o rapaz se virou para a parceira dele, já esperando encontrá-la ainda deprimida e negando consolo, mas o que viu foi a garota levando as mãos aos olhos, no susto.
— Mantha?
— Por que você ainda tá parado aí?! — exclamou, virando-se na direção oposta à do parceiro. — Seu tarado!
— Er…? — Foi quando Enzo entendeu que o Slime derreteu mais do que apenas a camisa dele. — Er?! — Veloz como um raio, usou as mãos para cobrir o que era importante. — Desculpa, sério, desculpa!
— Sério, Enzo! — Agora aquela imagem não saía mais da cabeça dela. — Por que você tinha que ter virado?!
Só restavam os dois ali, então o rapaz poderia tirar um novo uniforme do anel de ressonância dele e se vestir sem que mais alguém o visse naquele estado; ainda assim, ao soar de um zunido intenso ao longe, Enzo teria que esperar um pouco mais para poder se trocar.
Dando forma a um imenso cogumelo nuclear, a área em que o duo Top 4 Rank S estava foi engolida pelas ondas de choque da explosão de pura radiação.
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