Volume 3 – Arco 1
Capítulo 194: O Monstro Decacéfalo
Na costa de Stormhold, um duo de Rank A conseguiu pular para o lado e escapar da mordida do que parecia uma serpente vermelha cuspidora de fogo.
Fugir do calor foi um alívio temporário; uma outra cabeça da criatura, de cor verde, atingiu as pernas do rapaz com a fumaça tóxica do seu hálito podre.
O infeliz humano tombou assim que entrou em contato com o chão, vendo-se mais baixo do que a sua parceira, sentindo suas coxas arderem enquanto derretiam na forma de vapor, da carne até os ossos.
— Ahh! Ahh! — O rapaz se debatia, sem apoio para os pés inexistentes. A parceira dele se pôs à frente; suas pernas bambearam ao se tornar alvo de mais oito cabeças da Hidra Decacéfala. — Ahh!
O que ela poderia fazer? Chamar aquilo de um contra um seria uma mentira sem precedentes. Se atacasse a cabeça de fogo, seria derretida pela de veneno, ou quem sabe congelada pela de gelo ou…
Ao redor, cada um estava ocupado com a sua própria sobrevivência. A quem pediria ajuda? Quem poderia sepultar o horror daquela besta de dez cabeças?
— Aju…
— Lâminas de Sylph! — exclamou uma voz feminina, pouco antes das costas da criatura serem inundadas por uma chuva de cortes de vento, que esguicharam um sangue verde ácido para todos os lados.
Junto ao sibilar das dez cabeças e do corpo da Hidra, que se debatia, o chão tremeu levemente, ao passo que também soltava fumaça enquanto derretia.
— Leva ele pra se curar em lugar seguro! — orientou Andrew, o parceiro da garota de cabelo rosa que lançou os cortes de vento. — A gente dá conta desse!
— Mas… — Era fato que a garota estava preocupada com o seu duo, mas que lugar ali seria seguro para o rapaz se curar com calma e, principalmente, como aqueles dois iriam lidar com a Hidra Decacéfala, sozinhos ainda por cima? — Hã?
Ao ser atacado pela cabeça azul, a de gelo, Andrew contra-atacou com um jato de fogo e, se aproveitando do vapor e do ruído gerado, se espreitou pelo lado e decepou a primeira cabeça do monstro, com a lança imbuída em chamas.
Manipulação de Fogo, a fraqueza fatal de uma Hidra; cauterizava os ferimentos e impedia que nascessem duas cabeças no lugar daquela que foi cortada.
— A gente pode deixar mesmo com eles — refletiu em voz alta a garota sem nome, enquanto ajudava o seu parceiro a se levantar e saía dali, em busca de um “lugar seguro”. — Obrigada e boa sorte!
Sem muito espaço para responder à garota, Andrew se viu tendo que desviar do ataque da cabeça de fogo, que foi ágil em se afastar quando ele tentou cortá-la.
Pelas costas do rapaz, uma cabeça amarela, estalando de eletricidade, sibilou raios para cima dele, o que o pegou quase em cheio; o ataque eletrocutou apenas o braço do Andrew e parte do asfalto.
— Lutar assim é bem difícil. — Em busca de ofertar algum suporte para o parceiro, Valentina quase foi pega por um vórtice de vento de outra cabeça da Hidra, uma vez que ela teve que lançar alguns cortes na cabeça dos raios. — Eu distraio as cabeças, e você corta, entendeu?
Fazendo um forte redemoinho se formar ao redor do monstro decacéfalo, Valentina puxou todas as cabeças que perseguiam o seu parceiro para o mesmo lugar.
Aquela era uma das coisas efetivas que a garota poderia fazer. Se ela cortasse as cabeças, a situação só pioraria; até os cortes que lançou na cabeça dos raios foram superficiais, apenas para atrapalhar a direção do ataque e salvar Andrew.
— Entendido. — Enquanto terminava de curar o braço queimado pela eletricidade, o rapaz sentiu o clima esfriar. — Hã?
Quando Valentina estava para chegar aonde o parceiro estava, os pés dela foram congelados, estado espelhado no rapaz.
— Gelo? — Andrew havia cauterizado aquela cabeça, então como? — Ah, não.
Com as rajadas de nove tipos de Habilidades Inatas diferentes, o vórtice de vento de Valentina foi estourado como um balão que liberou ondas de choque que arremessaram o duo contra uma árvore e uma carruagem abandonada na rua.
— Argh! — Tentando se levantar, Andrew tombou, com os pés queimados pelo frio de antes; o que sobrou dos sapatos havia ficado naqueles grilhões de gelo.
Com a lança flamejante em uma mão e catando o aro de metal de uma das rodas dos restos da carruagem, o rapaz mal apreciou a cabeça de gelo regenerada.
— Uma cabeça com poder de cura. — Às pressas, o rapaz esquentou o aro de metal o máximo que podia, sem que derretesse o material. — Qual é o nível desse monstro?
Agitadas como serpentes, as cabeças da Hidra quase enroscavam umas nas outras, até que a do veneno fitou o lanceiro das chamas e todas as outras se voltaram na direção dele, a maior ameaça ali.
A criatura avançou como um trem fora de controle, com foco apenas na eliminação do humano infeliz; sua tentativa foi frustrada quando o tronco de uma árvore passou em alta velocidade e perfurou o pescoço da cabeça de gelo.
— Eu ainda tô aqui! — Com algumas folhas presas em seu cabelo rosa, Valentina cumpriu a função a que se havia proposto, chamando a atenção do monstro, em especial a da cabeça da cura, que teve uma espécie de linha flamejante passando pelo seu pescoço. — Agora sim, menos uma.
Fumegante, a cabeça se chocou com o chão, ao passo que o aro de metal aquecido era cravado em uma parede de pedras rústicas de uma casa ao fundo.
— Obrigado, Valentina. — Andrew puxou uma pedra vermelha do seu anel de ressonância e, respirando fundo, acoplou a Gema Espectral na sua lança. — Agora só faltam mais nove delas.
Com a arma aprimorada pelo poder da gema, o rapaz explodiu o chão com chamas e se impulsionou rápido contra a cabeça de gelo, que ainda estava com a árvore presa em seu pescoço e, com facilidade, a cortou.
— Acho que fico te devendo mais uma. — A garota conseguiu sorrir um pouco após ouvir as palavras do parceiro. — Agora só faltam oito.
Com Andrew de um lado e Valentina do outro, a Hidra Decacéfala, agora Octacéla, dividiu quatro cabeças para cada um dos seus algozes; tirou um ruído do chão com as suas garras afiadas e sibilou.
Ao que Valentina também acoplou uma Gema Espectral na sua espada, o monstro usou as cabeças do fogo e da água uma contra a outra, criando um vapor quente ao redor de si, o que tanto atrapalhava vê-la quanto queimaria quem se aproximasse.
— Não comigo aqui. — Com um balançar da espada aprimorada, Valentina lançou, junto a um corte afiado de vento, uma forte rajada de ar, que arrastou o vapor quente.
Irada e surpresa, a criatura fraquejou com o corte extenso em seu corpo; porém, nisso, acabou por perder um pouco a atenção no lanceiro das chamas, o que custou mais duas cabeças, antes que ela reagisse e forçasse Andrew a se afastar.
Levantado suas seis cabeças para alto, urrou e disparou ataques contra o chão, com as suas seis bocas, o que levou o duo a ter que se defender com escudos de energia; porém, resolver aquilo seria semelhante a lidar com a nuvem de vapor.
Valentina logo lançou um vendaval mais denso que os escombros que saltavam em sua direção, apenas para sentir uma vibração sob os seus pés e dar de cara com a cabeça do veneno, que liberou um bafo de gás que começou a derreter o seu escudo de energia.
— Huh! — Abrindo um buraco na parte traseira do escudo esférico, a garota saiu e criou um pequeno redemoinho ao redor do seu corpo, para impedir a inalação do veneno; no entanto, como impediria o avanço das cabeças de fogo e água? — Hã?
Cercada, Valentina foi queimada e molhada, ou melhor, cozinhada, pelas rajadas elementais, arrastada até se chocar contra a parede de uma casa e parar lá dentro, em meio à bagunça dos móveis arrasados.
O Monstro Hexacéfalo avançou, sedento, em busca da garota que insistia em atrapalhá-lo sempre que ia fazer algo contra o lanceiro das chamas, porém mais alguém também insistia em atrapalhá-lo, o rapaz que segurou o seu rabo.
Três cabeças se voltaram para trás, para o infeliz que cerrava os dentes, fazendo força para impedi-las de chegar até Valentina. Inútil. As cabeças de fogo, água e veneno atacaram a garota de longe.
Os três disparos devastaram a casa onde a garota se encontrava, ao mesmo tempo, as outras três cabeças, que estavam para fazer o mesmo com Andrew, se deram conta de que o rapaz estava segurando o rabo usando as duas mãos.
Alinhadas, as três cabeças que visavam o lanceiro foram decepadas pela haste flamejante da lança, que deu a volta pelas ruas, girando como um disco da morte.
— Só faltam… três! — Largando o rabo do bicho, Andrew partiu para cima, pegando a lança de volta no meio do caminho.
O Monstro Tricéfalo, com sete pescoços balançando para baixo, foi atingido na cabeça do veneno por um grande pedaço de pedra arremessado pela garota que saía dos escombros da casa destruída.
As cabeças de fogo e água fizeram o que podiam, atacando e tentando se enroscar no inimigo; mas, frente às habilidades atléticas de um lanceiro, falharam e fumegaram antes do fim.
Por outro lado, o rabo da Hidra foi feliz em pegar o rapaz no ponto cego e chicotear as costas dele, ao passo que a última cabeça, criando uma nuvem de veneno ao redor de Valentina, falhou em matar a garota com o veneno; aqueles ventos eram irritantes.
— Só… mais uma. — Com a carne do seu corpo ainda se recuperando do cozimento de antes, Valentina saltou para escapar de ser estrangulada pelo pescoço da Hidra.
Abaixo da força habitual, o salto da garota não alcançou a altura desejada; ela foi pega e apertada pelo pescoço robusto do monstro, como um animal vítima de uma grande e faminta cobra.
— Ar-Argh! — A garota grunhiu, enquanto a boca venenosa se aproximou o suficiente para que a vítima fracassasse em escapar do veneno com aquele vento maldito.
O bafo verde alcançou a bochecha e a orelha, que Valentina se esforçou para salvar, ao afastar o rosto, o máximo possível, para trás; mas, assim como as pernas do garoto de antes, até o crânio dela iria derreter, junto à carne e ao cérebro.
Derretida e espalhada para todos os lados foi a última cabeça da Hidra, estourada pela lança flamejante de Andrew, que ofegava com um rasgo nas costas.
Valentina caiu em meio ao sangue da criatura, com o lado deformado do rosto virado para a direção oposta à de Andrew.
A carne ardia e a visão de um olho havia se perdido enquanto a garota caía e um pouco do gás venenoso resvalou nele.
— Acabou. — Mesmo com a ardência e parte da visão perdida, Valentina sentia um certo alívio. — Que bom.
Lutar. Colocar a sua vida em risco. No fim, por alguns minutos, a mente dela pôde se desviar do lamento dos eventos anteriores.
— Hã? — Uma pedrinha tremeu ao lado da garota e, ao se virar, ela viu o corpo da Hidra dar um espasmo involuntário, prestes a acertá-la com as garras de uma das patas.
Vento pesado e uma forte pressão na barriga foi o que salvou a garota, quando Andrew se atirou nela e a tirou da mira do ataque do antigo Monstro Decacéfalo.
— Andrew… — Valentina se levantou, diferente do parceiro, que grunhiu, com os ossos de um dos pés exposto e vermelhos de sangue. — A gente… tem que curar isso.
— Haha! — O rapaz riu com dificuldade. — A gente venceu mais essa.
O lanceiro ficou sentado enquanto envolvia o pé machucado com a sua aura e começava a se curar devagar. Olhou para o semblante preocupado e ferido da parceira, que logo desviou o rosto.
— Você continua linda, Valentina — assumiu, no calor do momento. — Er… Eu estou sendo sincero.
— Mentiroso… — Envolveu o lado ferido com a aura rosa e ficou sentada de costas para o parceiro. — Mas obrigada, tá?
Valentina nunca seria rude com o seu parceiro, ainda mais logo depois de ter sido salva por ele, fato que fazia o rapaz observar o corpo do monstro caído.
Ele conseguiu protegê-la no fim.
Talvez não fosse um parceiro tão inútil quanto pensou nos dias em que foi incapaz de consolá-la pela perda da amiga.
— Eu também te agradeço, Valentina.
A garota levantou o rosto, quase se virando para o parceiro, quando um zunido ao longe chamou a atenção dos dois e uma imensa rajada de energia vermelha dizimou tudo o que havia no caminho em que o corpo da Hidra Decacéfala se encontrava.
Explodindo próximo ao centro da cidade, o ataque liberou uma onda de choque que derrubou o restante das construções e retornou em direção ao epicentro da explosão, puxando tudo de volta.
Aqueles que enfrentavam os monstros marítimos, além do estrondo da explosão e das ondas geradas pelo abalo sísmico, só podiam enxergar um colossal cogumelo de pura radiação vermelha que alcançava a altura das nuvens dispersas.
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