O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 189: Cabo de Guerra

Em um quarto ornamentado com pelúcias, que seriam pura fofura, se não fosse pelo teor sombrio do gosto da pequena garota enrolada da cabeça aos pés, deitada na cama.

Sem querer o menor contato com o mundo exterior, Ophelia permanecia debaixo do lençol, sua Capa da Invisibilidade, e mantinha as pálpebras fechadas, em posição fetal.

— Por quanto tempo pretende continuar assim, Ophys? — Sentado numa cadeira ao lado da cama, Absalon, com uma perna cruzada em cima da coxa, insistia em ignorar a Capa da Invisibilidade da menina. — Imaginei que você gostaria de assistir o desenrolar dessa luta.

— Eu já sei que aquele Raizel vai ganhar mesmo — murmurou a garota, sem tirar a cabeça para fora; a voz abafada entre os joelhos. — Numa história de amor verdadeiro, o príncipe sempre volta para a sua amada.

— Mas aquele nefilim poderia ser chamado de “príncipe”? — Um dos Fragmentos do Fundador era algo ainda mais nobre, mas enxergar nobreza em Raizel… — Existem finais trágicos nesses contos, estou certo?

Ophelia se encolheu mais na cama; apesar de tudo, ela ainda bisbilhotava a luta de vez em quando e tinha uma breve noção do panorama geral do embate.

— É um cabo de guerra, né?

— De certo modo — assentiu Absalon.

Para Zebub afetar Raizel, seria necessário usar Habilidades Inatas que estivessem fora do arsenal dele; mas, sem ser possível vasculhar o arsenal dele, usar alguma técnica contra o nefilim não seria mais do que um tiro no escuro. Por outro lado, sem a Espada do Fim dos Tempos, Raizel também estava sem meios efetivos de apagar a existência de Zebub.

— Era só usar Manipulação de Inexistência e bagaçar o Zebub — reclamou a menina.

— Se ele estivesse com o Necronomicon, que possui a bênção de um Arcanjo, seria possível. — Mas já estava óbvio que Raizel era incapaz de criar técnicas a nível Arcanjos e Príncipes Infernais. — Mais importante que isso, minha pequena…

Sentando na beirada da cama, Absalon puxou o lençol da menina, que tremeu e se encolheu, escondendo mais o rosto; o cabelo preto longo todo bagunçado.

— Você vai ter uma nova oportunidade no futuro, tudo bem? — Delicado, a Besta Sagrada virou o rosto rubro e bochechas manchadas de lágrimas da garota em direção a ele. — Eu te prometo, Ophys.

Em vez de reclamar ou fazer birra, Ophelia se levantou e, de joelhos, abraçou o pescoço do Retentor do Abismo, deixando a frustração escorrer sobre seu rosto.

— Desculpa. — A voz rouca tremia junto aos ombros dela, enquanto Absalon, gentilmente, fazia carinho em seu cabelo. — Eu perdi, pai, desculpa.

A Lâmina da Podridão percorreu toda a extensão do espaço em seu caminho, enquanto Raizel criou o cilindro vermelho de um extintor de incêndio e o jogou contra a arma do Príncipe Infernal.

— Mas que porra é es…?! — O extintor estourou antes de alcançar a Amálgama, espalhando espuma para todos os lados. — Moleque de merda!

De um instante para outro, a espuma se tornou sólida e prendeu os membros de Zebub, além de tapar a visão dele — a pior parte.

— Devorar! — A Lâmina da Fome engoliu a distração visual em um piscar de olhos.

Já era impossível sentir a existência de Raizel, se continuasse sem vê-lo, o nefilim teria liberdade para fazer o que bem entendesse, sem ser notado.

Um impacto fantasma soou seco no ouvido direito de Zebub, que ficou com o tímpano zunindo enquanto o pescoço dele era entortado para o lado oposto.

— Urgh! — O pescoço do avatar estalou, quando a frente do rosto virou para trás e encarou o adversário, com íris brilhantes.

— Tsc! — A pele do pescoço de Zebub se esticou e prendeu o pé de Raizel, impedindo o rapaz de escapar dos raios gama, disparados dos olhos negros do demônio.

Os dois feixes de energia passaram alinhados pelo crânio do nefilim, que pôde enfim soltar sua perna, ao torná-la intangível, assim como o restante do corpo, escapando com sucesso do ataque de raios gama de Zebub.

“Minha vez.” Com os dentes à mostra, Raizel devolveu o disparo de energia dos olhos, que zuniram, agudos, pelo vácuo, mas que infelizmente foram barrados pela interposição da Amálgama Antagônica. “Essa maldita Gula…”

A arma de Zebub girou, com a Podridão a ponto de partir o nefilim de cima a baixo, que, sem confiar na Intangibilidade, se teletransportou para fora do caminho, vendo-se muito abaixo do adversário.

— Segura essa — sussurrou Raizel enquanto apontava para o avatar e seis portais o cercavam, dos quatro lados, de cima e de baixo. — Céus e Inferno, queimem!

Chamas negras eclodiram dos portais à esquerda, à direita e abaixo de Zebub, enquanto chamas douradas avançaram dos outros portais, deixando-o sem rotas de fuga, o que nem de longe foi problema.

Todas as chamas, divinas e infernais, foram engolidas ao mesmo tempo por uma única lâmina amarelada, que violando a lógica do mundo, se fez presente em múltiplos lugares simultaneamente.

— Porcaria… — Raizel se teletransportou de novo, sem pensar duas vezes, e foi recompensado pelo pensamento rápido.

No lugar onde o nefilim estava antes, uma sequência infindável de Lâminas da Fome jantaram todo o espaço, até o vácuo.

— Multiplicação de Matéria? Não… — Raizel refletiu bem, ainda buscando manter distância. — Dimensão superior.

Para seres que transcendiam as três dimensões básicas do universo, as quais os humanos estavam limitados, fazer coisas daquele tipo não era difícil.

Zebub poderia fechar um cofre usando a chave que estava trancada lá dentro; na visão dele, interior e exterior eram vistos e tratados como igualmente acessíveis.

Na visão superior de Zebub, a Amálgama acertou um ponto no espaço; na visão 3D de Raizel, haviam sido diversos lugares.

“Quantos eixos dimensionais esse avatar pode alcançar?” O demônio moveu um braço e a chuva de lâminas, agora verdes e amarelas, voltou a cair sobre o nefilim. “4D?! 5D?! Porcaria!”

Enquanto fazia o possível e o impossível para sair ileso, Raizel falhou e, antes que seus olhos alcançassem a capacidade de enxergar em 4D, suas pernas foram atingidas de raspão.

— Tsc! — O nefilim pôde, enfim, ver todas as lâminas da Amálgama de uma forma compreensível à sua mente, mas os cortes nas pernas eram algo que não teria como curar. — Isso é mesmo insano.

De repente, os entes tridimensionais do universo pareciam tão insignificantes; dizer que ele conseguia ver a frente e o verso de um cubo ao mesmo tempo era o de menos.

— Tudo o que vai fazer é ficar correndo?! — esbravejou o Príncipe Infernal, com sua voz reverberando pelo vazio espacial.

— Eu tenho que ganhar tempo, afinal. — Uma fenda dimensional esférica apareceu atrás do nefilim, que mergulhou nela. — Além disso, de que adiantaria ficar lançando todo tipo de técnicas em cima de você, se a Amálgama poderia comer todas elas?

Zebub se impulsionou e passou pelo portal esférico, deparando-se com uma floresta sombria que mais se parecia com um dos jardins do Inferno, e, como tal, representava morte, sofrimento e desespero.

Um corvo crocitou no céu, caso aquele animal pudesse ser chamado assim: olhos por dentro e por fora, um bico que se projetava para a garganta, asas sem penas e garras de ferro enferrujado.

As árvores gemeram de dor e suas línguas partiram para cima de Zebub, que as cortou com a Lâmina da Podridão, fazendo-as apodrecerem desde suas origens, dando-as morte em agonia.

As árvores contorceram-se e se afundaram na terra, mas o destino era inevitável; no solo, poças de lama verde borbulharam e levaram consigo a existência dos infelizes seres medonhos.

— Já chega de brincadeirinhas! — Com a Lâmina da Fome, o avatar rasgou e engoliu todos os quatro eixos dimensionais daquela floresta e a reduziu a um nada absoluto.

— Quarto Ato: — sussurrou Raizel, bem nas costas de Belzebu, de onde mais uma vez a Espada do Fim dos Tempos empalou o inimigo até sair do outro lado.

“Como?!” O avatar perdeu o ar, que nem precisava para respirar, e arregalou as vistas frente ao extermínio iminente.

— Juízo Fin…

Crack!

Ao som dos braços de Raizel se rachando, os dois combatentes perderam qualquer reação que pudessem esboçar na hora.

Fato era que, com a Espada do Fim dos Tempos, Raizel sempre pôde matar tudo o que desejou no Plano Físico; na forma incompleta do Fragmento da Criação, nada nunca foi um desafio para ele.

Limites, o nefilim nunca experimentou algo do tipo enquanto estava naquele estado.

Seria possível usar a arma de um Arcanjo de novo? Sim.

Seria possível executar o Juízo Final duas vezes? Sim.

Entretanto…

“A minha existência…” Das rachaduras nos braços de Raizel, um tênue brilho roxo-cósmico irradiava. “Também tá quebrando?!”

Ao contrário do jovem, que hesitou demais, Zebub fez seu braço atravessar o vazio e acertar o adversário no rosto, jogando-o dentro de uma rachadura dimensional, gerada pelo efeito do impacto.

— Argh! — Sem a espada em mãos, e zonzo, Raizel viu a beleza das linhas do que parecia um túnel pirotécnico, quando, então, passou se chocando contra uma sequência de montanhas de gelo.

Da rachadura dimensional, em perseguição ao nefilim, a Amálgama Antagônica foi arremessada mais veloz do que o corpo do garoto, que parou ao longe, caído, coberto de neve e sangue.

“Merda…” Fez de tudo para que conseguisse retornar para Petra; para que conseguisse alcançar aquele belo futuro; para que ouvisse a fofa voz de Riel, o “papai” da boca dela. “Porcaria…”

Como executar um Ato que poderia levar a existência dele junto? Aquilo pelo que ele lutou… Ele jamais alcançaria, se pagasse o preço; mas, no cenário oposto, a Amálgama também ceifaria a existência dele.

Um tinido metálico precedeu uma ruptura colossal no trajeto da Amálgama Antagônica, que perdeu cada vez mais velocidade até parar, atritando com a Bellatrix, e ser repelida para o lado, pela interferência de uma garota invasora.

— Hã…? — Vapor esbranquiçado saiu da boca de Raizel, ainda no chão, ao rever o Duplo Arco Celeste, o Manto de Ziz, e, principalmente, o belo cabelo prateado daquela menina, pelas costas. — Pe… tra…


Continua no Capítulo 190: Os Meus Parabéns

Ajude a pagar o cafezinho do autor contribuindo pelo pix abaixo:

79098e06-2bbf-4e25-b532-2c3bf41ccc53

Siga-nos no famigerado Discord.



Comentários