O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 188: Fragmento da Criação

Em um salão refinado, sentado em um trono de ouro reluzente, um homem de cabelos loiros e olhos claros ostentava um exuberante e imponente conjunto de inigualáveis cinco pares de asas douradas.

Uma música calma e relaxante inundava o ambiente celestial; sem origem aparente, um coral profundo de anjos entoava louvores por todo o lugar.

Flutuando acima dos degraus que levavam até o trono do homem majestoso, um espelho exibia o momento em que Raizel havia retornado com a exibição daqueles olhos.

— Se passou bastante tempo desde a última vez que eu os vi. — Com uma mão em frente à boca, o ser divino mordeu os lábios e os contraiu. — Ainda assim, a sensação nunca muda.

Apesar do quanto ele desejasse que ninguém jamais tivesse conhecimento de onde aquele Fragmento se encontrava, era inevitável a hora em que o momento chegaria; aquela era a Ordem.

— Você me parece péssimo, devo dizer. — A voz tranquila de um segundo homem roubou a atenção do que estava no trono, fazendo o espelho que transmitia a luta sumir e dar lugar a um pequeno portal. — Me dê as boas-vindas, Miguel.

Por um instante, o líder dos Sete Arcanjos franziu a testa e encarou a figura alta de um ser semelhante a um sacerdote de manto branco, com uma longa faixa ao redor do pescoço, que ia até perto dos pés.

— Você sabe muito bem que nunca foi bem-vindo nos domínios do Sétimo Reino Celestial — alertou para o dito cujo de cabelos brancos como nuvens e olhos cristalinos, duas fontes de Água Viva. — Retire-se, Príncipe Infernal do Orgulho.

Lúcifer sorriu e, ao contrário do que foi ordenado por Miguel, ele manifestou um cajado com uma caveira e o bateu no piso lustroso do salão, exibindo seus cinco pares de asas brancas, assim como as douradas do Arcanjo.

O coral de anjos perdeu a voz e cessou o louvor, como se expurgado pelo eco estridente do cajado do Príncipe Infernal do Orgulho, aquele que encarava Miguel diretamente e com ar imperativo.

— O Primeiro jaz no Reino Celestial. O Segundo reside no Reino Demoníaco. — A respiração do Arcanjo ganhou peso com o entoar das palavras do seu inimigo. — O Terceiro só poderia estar no Plano Físico.

Os olhos que refletiam a imagem da Criação. Um poder capaz de dizimar Baal da existência. Um poder que batia de frente com Zebub e o ameaçava.

— O Terceiro Fragmento do Fundador. — De voz imponente, o Príncipe Infernal cortou os rodeios. — É aquele nefilim. Você sempre soube. Ficou em silêncio.

Diante de uma verdade sem escapatória, Miguel suspirou e pôs as mãos sobre os braços do trono de ouro; a cabeça baixa.

— O Fragmento da Criação: os Olhos do Todo-Poderoso — expôs a verdade para as feições rígidas do visitante odioso. — Eu o encontrei por acaso… Ou talvez tenha sido apenas a Ordem.

— E o escondeu por todo esse tempo?! — Lúcifer bateu o cajado cadavérico mais uma vez, fazendo uma forte pressão tomar conta do lugar. — Não me venha você com essa Ordem! Você sabe bem qual é a Ordem!

O Sétimo Reino Celestial tremia de cima a baixo, o que acabou por chamar a atenção dos guardiões dos outros Seis Reinos.

— Contenha-se — alertou Miguel, ameaçando levantar-se do trono e descer as escadas até chegar ao visitante, que mais estava para um invasor hostil. — Você, seu Orgulho e seu Caos.

O ar fervia entre os dois, sem parecer que cederia para o lado de algum deles: Ordem e Caos, opostos perfeitos em equilíbrio.

— Quando você entregou aquela espada ao garoto, eu interpretei errado. — A contragosto, Lúcifer deu o braço a torcer; aquele estava longe de ser o momento um conflito. — Aquela arma nunca teve a função de deixar o garoto mais forte, ela era apenas um limitador, estou certo?

O Arcanjo virou o rosto para o lado e expirou, dando a resposta de maneira simples e direta: Raizel poderia matar o que quisesse com aquela espada, no Plano Físico; em raras ocasiões, ele teria que recorrer ao Fragmento da Criação.

— Você esperava adiar o Grande Dia do Senhor com isso? — Lúcifer manobrou o cajado no ar e caminhou, despreocupado, pelo salão; observava o ambiente celestial, mas sem parar de acompanhar o embate que ocorria no Plano Físico. — Que seja.

De qualquer forma, o crescimento do garoto era certo, e o Caminho seria aberto. Quem diria que o banquete do Belzebu seria uma grande celebração para o Príncipe Infernal do Orgulho?

— E imaginar que o Fragmento da Criação se manifestaria na forma de uma criatura profana de um nefilim. — Lúcifer cessou o caminhar; de cabeça ereta, segurou o riso e manteve a pose sofisticada. — Chega a ser irônico. O que me diz?

— Blasfêmia — respondeu o Arcanjo. — Tudo o que sai dos seus lábios é impuro.

— Me chama de impuro após você, Miguel, ter enganado o garoto e o sentenciado ao sofrimento iminente? — O ser divino ficou em silêncio. — Ele poderia apenas criar a Gula de Belzebu para si mesmo, ganhar imunidade a ela, e estaria tudo acabado.

— Huh?! — Miguel tremeu em seu assento, perdendo a postura por um breve instante. — Entendo. Você reparou.

Quando Zebub parou o tempo daquele universo, a razão pela qual Raizel continuou a se mover não se deu por ele transcender a Quarta Dimensão — afinal, a evolução dele foi atrasada — mas porque nada que envolvia o conceito do tempo funcionaria contra ele após o mesmo possuir a Manipulação do Tempo.

— Pode a criatura ser maior que o seu criador? — refletiu o Príncipe Infernal enquanto apreciava a beleza daquele Fragmento. — A Autoridade do Criador.

Com o Fragmento da Criação, Raizel poderia criar e modificar o que desejasse; com a Autoridade do Criador, tornava-se invulnerável a tudo o que ele havia criado.

Como um fragmento do Deus Criador, um ser que existia antes do espaço-tempo; quando o nefilim manifestava aqueles olhos, nada sobre ele ficava registrado no fluxo do tempo: um futuro inexistente, um passado sem rastros; no presente, um corpo indetectável, ainda que o tocassem.

— É mesmo uma grande pena que o garoto esteja longe do auge da sua glória. — Por causa da armação de Miguel, Raizel não havia se desenvolvido a ponto de criar o poder intrínseco de um Príncipe Infernal para si. — Que pena. Que pena, mesmo.

Com tudo dito, as dez asas de Lúcifer foram recolhidas para as costas dele — apenas a aparência sacerdotal restou — e um portal para o Sétimo Reino Infernal se abriu logo atrás dele.

— Por hoje, deixarei apenas por isso — disse o Príncipe do Orgulho, de costas para o Arcanjo, enquanto segurava o seu cajado e se dirigia para o portal. — Mas que fique claro: novas interferências na evolução do Fragmento da Criação não serão mais toleradas.

Enquanto Lúcifer se retirava como o vitorioso, Miguel apertava os braços do trono e mordia os lábios com uma amarga sensação de derrota.

— Ah! Só mais uma coisa. — A voz do demônio se esvaía com o fechamento do portal. — Não pense que ter solicitado a reencarnação da namoradinha do garoto te redime do pecado de ter enganado ele… por uma vida inteira.

Sentindo o Nether oferecer oposição à cura do seu corpo, o lado de Zebub que segurava a Amálgama Antagônica lançou uma onda de chamas negras para cima do nefilim, enquanto as metades buscavam, de alguma forma, se unirem de novo.

“Porcaria.” Ainda que juntas, as partes mal se encaixavam, podendo se soltar a qualquer instante, levando Zebub a se costura com uma linha preta. “Quantas Habilidades Inatas ele consegue usar?”

E a resposta veio quando as Chamas Infernais queimaram o espaço-tempo ao redor do nefilim, mas ele saiu ileso, sem mesmo o cheiro de queimado dos pelos do seu corpo, e surgiu a uma distância ínfima do oponente, dando um soco, a princípio, fácil de evitar.

— Minha vez! — Zebub desferiu um corte que ignorava defesa e desvio, do qual o garoto foi feliz em escapar. — Tsc!

— Sim, “minha vez”. — Aproveitando o braço estendido do demônib, Raizel deu um chute no cotovelo dele, que, dentro do segundo seguinte, se repetiu uma, duas, três… até o braço do avatar se quebrar.

“Esse… merda!”

Para cada instante dentro daquele 1 segundo: 0,1s; 0,01s; 0,001s… Raizel pegou uma projeção do passado do chute, criando uma sequência infinita de repetições dentro de um período limitado de tempo.

Zebub deu um chute, buscando replicar a repetição infinita, porém dentro de 0,00001 segundo, o que parou apenas no primeiro ataque, barrado pelo braço direito de Raizel, que recebeu a onda de impacto.

O cabelo do nefilim foi jogado na direção de um imenso vazio astronômico, que marcou a extinção das estrelas da Galáxia Fusca em que ele e Zebub estavam.

— De novo essa porra?! — Curando o seu cotovelo destroçado, o avatar girou a lâmina verde, a Podridão, e cortou o vácuo no lado oposto ao que Raizel barrava o chute. — Suma de uma vez!

O rapaz realmente sumiu, ou melhor, fugiu do corte da Amálgama, porém de um jeito diferente do desejado pelo oponente, voltando a aparecer fora da galáxia.

Fora da detecção dos sentidos do avatar do Príncipe Infernal, Raizel direcionou uma mão em direção à Galáxia Fusca, que, àquela altura, parecia ter capotado em um acidente desastroso.

— Explosão… Galática! — Ao fechar da mão do nefilim, cada astro presente em Fusca colapsou em um show extravagante de puro poder cósmico, que durou até quando a Lâmina da Fome engoliu o espetáculo.

Raizel, ciente de que se ele passasse muito tempo fora da percepção de Zebub, o infeliz apelaria indo atrás do pessoal em Calisto, retornou por livre e espontânea pressão onde o inimigo se encontrava.

— Fez bem em voltar, moleque. — Com as duas lâminas da Amálgama Antagônica imbuídas com as Chamas Infernais, o avatar disparou um vórtice escaldante, agora aprimorado para queimar imunidades. — Hah!

Sem poder acessar o futuro, o nefilim nunca saberia que o efeito de Anti-Imunidade foi acrescentado ao ataque, levando-o a receber as Chamas Infernais de peito aberto.

— Até quando quando pretende agir como um tolo, Zebub? — caçoou a voz calma de Lúcifer, enquanto as chamas negras se esvaíam e Raizel, ileso, ouvia o alerta com as mesmas feições de surpresa do adversário. — Assim você nos envergonha, nós os Príncipes Infernais.

— Se-Senhor Lúcifer?!

— Pensar que a Autoridade do Criador seria uma simples imunidade é, no mínimo, ser ingênuo. — Naquele ponto, Raizel e Zebub se diferenciaram em suas reações; o nefilim sem informações suficientes, e o demônio ciente do Fragmento da Criação. — Farei o favor de te dar um pequeno conselho. Faça bom uso dele.

Em silêncio e com a corda no pescoço, o avatar do Príncipe Infernal da Gula ouviu com paciência o que o seu superior tinha a dizer, assim como o nefilim que aceitou o intervalo de muito bom grado.

— O garoto deve conseguir manifestar a Espada do Fim dos Tempos logo em breve. — Nisso Raizel amaldiçoou a interferência da voz de Lúcifer. — Por que acha que ele está ganhando tempo com essa conversa?

— Mas, Senhor Lúcifer, ele…!

— Você acredita que, no estado em que o garoto se encontra agora, ele vai precisar de um dia inteiro pra usar a espada de novo? — O Soberano do Inferno riu. — Faça o melhor para acabar com isso antes do Juízo Final te pegar, Zebub, ou você será queimado como a mosca que é.

Deixando os dois adversários em um rumo crítico daquele embate, a voz do Príncipe Infernal do Orgulho se esvaiu com um último alerta ao seu subordinado:

— A Amálgama Antagônica pode ser o único meio de ultrapassar a Autoridade do Criador agora. Até que você possui uma certa sorte.

Os Olhos do Todo-Poderoso brilharam em confusão, mas sem tempo para tal. Raizel possuía dúvidas, era fato, mas ele só teria as respostas que desejava se conseguisse sobreviver aos próximos minutos infernais.

“Essa ansiedade é mesmo de matar.”


Continua no Capítulo 189: Cabo de Guerra

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