O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 179: Transmutador Vetorial

Alvos de tantos olhares, atentos a cada mínima ação suas, Nathan e Sirin tremiam da ponta da cabeça até a sola dos pés.

Se era por efeito de alguma técnica da Patrona do Pecado da Ira ou por simples e inevitável medo, era difícil de dizer.

“Isso é mau”, pensou Nathan. “Muito mau”.

Aqueles olhos escarlates nunca piscavam, sequer pareciam ter a necessidade de lubrificação e se encontravam em todos os lugares, de todos os ângulos, sem qualquer ponto cego.

Dentro do Transmutador Vetorial, ninguém escapava da visão perspicaz e atenta da Patrona do Pecado da Ira; mas esse ainda era o menor dos problemas ali dentro.

— Vocês já perceberam? — Sem esboçar cautela, Elesis se aproximou dos outros dois e segurou o ombro de Sirin. — Sim?

— Já percebemos… o quê? — Por mais que se esforçasse, as mãos da garota se moviam a uma velocidade ínfima e jamais alcançariam a Patrona.

— Err… — Elesis deixou seus ombros caírem, murchos. — É difícil achar gente que nem aquele velho lá, né?

Quando as pessoas tinham dificuldades de entender como funcionavam as suas técnicas era bom para conseguir lutar com maior liberdade; mas chegava a ser frustrante ter que lidar com gente que não nem entendia o básico da coisa.

A frustração era uma sensação ruim. Tudo o que lhe causava sensações ruins tinha que desaparecer, e a tranquilidade reinaria.

— E agora, percebeu? — No braço de Elesis, vários olhos se abriram, assim como os de Sirin, mas sem a surpresa.

A cúpula ocular do Transmutador Vetorial era uma mão na roda, quando se tratava de auxiliar na percepção, mas a função principal daquele Espaço Dimensional consistia em outra coisa.

— Qual a diferença entre uma grandeza escalar e uma grandeza vetorial? —  A Patrona segurou a mão de Sirin à espera de uma resposta. — Vai, diz aí.

— E eu sei lá. — Acompanhada do “crack” de um de seus dedos se quebrando, a garota gritou.

— Resposta errada. — Com a voz pausada, Elesis passou para o próximo dedo da garota. — Vamos tentar mais uma vez, tá bom?

Ainda com a dor lancinante a afligindo, Sirin respirou pesadamente, o coração acelerado, outro dedo sendo forçado para cima a ponto de ser quebrado.

O silêncio era uma resposta errada.

— Grandezas escalares possuem apenas o valor numérico, o módulo — respondeu Nathan, ouvindo os batimentos cardíacos irregulares da parceira. — Grandezas vetoriais possuem direção e sentido, além do módulo. Essa é a resposta.

— Ohh! — Alguém lembrava do básico das aulas de física. — Certa resposta!

O estalo de mais um dedo quebrado e o grito de Sirin atacaram os tímpanos de Nathan no sentido oposto ao que ele esperava obter.

— O que você fez?!

— Uma resposta certa. —  A Patrona ignorou o rapaz e acariciou a bochecha da parceira dele, molhada por algumas lágrimas, que escorriam. — Mas que foi dada pela pessoa errada. Que pena.

O duo estava rendido nas mãos da jovem Elesis. Uma onda de paz preencheu o coração dela. A tranquilidade a aguardava.

Como deveria finalizar aquilo? Quebraria o pescoço de Sirin de uma vez ou ainda continuaria com a satisfação lenta? A segunda opção era mesmo muito tentadora.

— Uma pena que eu tenho que ir logo, ou o chefe vai me matar.

Ao contrário da frustração da Patrona, Sirin sorriu, e de suas adagas, caídas no chão, uma onda de fumaça tóxica explodiu ao redor de Elesis, cobrindo-a por completo.

— Ah, credo! — A reclamação da Patrona fez o sorriso no rosto de Sirin sumir até a última grama. — Que mal-educada.

Abanando o veneno da assassina da Academia de Batalha Absalon, que chegou a colocar até mesmo uma Top Ranking da Classe Guerreiro à beira da morte, Elesis voltou a pôr sua mão no rosto de Sirin.

— Argh! — A assassina engasgou quando a forte mão da outra apertou seu pescoço.

— Se fosse aquele diretor velho, talvez já tivesse entendido. — As perguntas sobre grandezas escalares e vetoriais serviam apenas para uma coisa. — Dentro deste Espaço Dimensional tudo é tratado como um vetor, entende? Não importa se é uma grandeza escalar, vetorial ou seu veneno.

Mesmo que um vetor não pudesse assumir um valor negativo, ainda era possível que seu módulo fosse igual a zero, o que equiparou até mesmo o veneno de Sirin a uma fumacinha verde qualquer.

— Então, qual dos dois eu mato primeiro? — Elesis largou o pescoço e mirou dois dedos nos olhos da adversária. — Seu parceiro é cego, então que tal…? Oh!

Sim, Nathan era cego, e no Transmutador Vetorial tudo era tratado como um vetor!

Se a visão se tornasse um vetor nulo, a pessoa ficaria cega, mas e se a cegueira deixasse de ser um vetor nulo?

— Vamos ver no que dá! — Elesis estalou os dedos e arrancou a venda de couro de Nathan, atenta ao resultado. — Oh!

A deformação no rosto dele ainda continuava lá, mas os olhos voltaram a receber a claridade da luz e a capacidade de enxergar de novo.

— Como… é possível? — Preso por um momento na imagem da adversária diante de si, Nathan logo buscou pelo lugar onde estava escutando a voz de sua parceira.

Se havia recobrado a visão, perdeu o ar.

Ainda podia se lembrar de como sua parceira era na infância e, por vezes, se pegou imaginando como ela estaria depois de ter se tornado uma jovem mulher.

Nathan não conteve um sorriso.

Sirin continuava pequena; mal diria que ela cresceu uma régua após uma década, o que parava por aí. Em todo o resto, era de fato uma mulher, não mais aquela menina.

Ainda assim, de olhos esbugalhados e balbuciando palavras confusas ao estar diante da visão dele de novo, parecia fofa.

— Que maravilha! — A voz da Patrona puxou Nathan de volta para a realidade crítica em que ele se encontrava. — Deu certo mesmo!

Com o machado em mãos, Elesis chegou perto de Sirin e rodopiou seu corpo, como uma criança que brincava na chuva.

— Agora você pode ver — exclamou enquanto o feixe de luz deixado pela lâmina afiada sibilava no ar e passava pelos olhos da garota — ela morrer!

Sentado em um banco, no pátio do hospital, os ouvidos de Nathan doíam como nunca, até se esquecia da sensação estranha de viver com uma faixa no rosto.

— É mais difícil do que eu esperava. — Afiar sua audição, para se guiar pelo ambiente era um verdadeiro horror. — Vou acabar ficando surdo também.

— Para de falar essas coisas. — A menina ao lado segurava um pacote de salgadinho no colo e chupou o pó em seus dedos. — Esse tipo de pensamento só dá azar.

Falar era fácil.

Ter a audição aprimorada fazia Nathan mergulhar em um mar de sons sem um pingo de educação; eles não falavam um por vezes, era uma baderna.

E para piorar, ainda era possível escutar coisas que normalmente eram invisíveis a ouvidos normais, o que só aumentava o grau do caos sonoro.

— Quando a gente olha pra frente, tem um monte de coisa lá — explicou Sirin ao chupar o pó do salgadinho do último dedo — mas a gente só se concentra em uma.

— Eu sei disso. — Coçou a cabeça, o lar do cérebro que tinha que se habituar a deixar de lado os sons menos importantes.

O cérebro já era capaz de fazer algo do tipo para se concentrar em uma leitura ou na fala de um amigo durante uma festa barulhenta e cheia de sons ambiente.

Mas fazer o mesmo quando a audição estava aguçada àquele nível, era bem mais difícil, e ainda tinha que ter cuidado para não bater a cara em coisas silenciosas, como paredes e postes.

— E daí se é difícil. — Sirin amassou a embalagem do salgadinho e jogou numa cesta de lixo, ali perto. — Eu sei que você consegue. Você é esse tipo de gente.

— Nathan, o Arqueiro Morcego? — Brincou com uma sugestão dada pela amiga. — Soa um pouco estranho.

— Humph! — Sirin virou o rosto para o lado e fez beicinho.

Ela deu uma estudada em como funcionava a ecolocalização dos morcegos, para que Nathan lidasse com a presença de coisas como paredes e postes, e era assim que ele agradecia?

E ela nem era do tipo estudiosa.

— Quando eu entrar na Academia, você vai ser o meu suporte. — Levantou-se e se pôs na frente do amigo, com as mãos na cintura. — Eu nunca vou confiar as minhas costas a alguém que não seja você, entendeu? Sim?

Nathan ergueu o rosto em direção a voz oscilante da menina. Seria nervosismo? Vergonha? Era uma pena não poder ver o quanto ela estava corada naquela hora.

— Então, você vai conseguir contornar isso sim, enten… deu? — Nathan também se levantou e ficou cara a cara com ela. — Hã?

— Tá bom. — Devagar, procurou onde estaria a cabeça da amiga, o cabelo macio em sua palma calorosa. — Eu entendi.

— Hã…? — Imóvel, pelo choque e pelo efeito da técnica da Patrona, Nathan se viu imponente frente ao cadáver de sua parceira. — Si… rin…

A parte superior da cabeça da menina havia caído de qualquer jeito, enquanto o restante do corpo tombou na direção do parceiro dela.

O cérebro, perfeitamente cortado, escorria para fora junto ao sangue. Os fios de cabelo, soltos, se espalharam pela cena.

A garota que sorriu, se divertiu e lutou ao lado dele até poucos instantes atrás havia deixado aquela vida num piscar de olhos.

— Haha! Nossa! Cê tinha que ver a sua cara! — Elesis segurou sua barriga, que ameaçava doer, se ela continuasse a rir daquele jeito. — Ah, que relaxante.

— Quê…? — A visão embaçada pelas lágrimas de Nathan vislumbrava apenas a silhueta desfocada da Patrona. — É o quê?!

As ondas sonoras da voz do arqueiro explodiram com força para cima de Elesis, que se manteve inalterada frente ao vetor nulo da intensidade do ataque.

— Você… Você!

— O que tem eu? — De um segundo para outro, a Patrona tocava o peito do rapaz, que esboçou surpresa e depois uma raiva carregada de tristeza. — Eu só eliminei a raiz do meu estresse. Qual o problema?

Tudo era um problema, mas antes que Nathan conseguisse assimilar algo, a pele do seu peito começou a se torcer em contato com a palma de Elesis.

— Argh! — Carne, músculos, então ossos seguiram a impiedosa espiral que o levava de humano para uma simples deformidade ensanguentada. — Ahh!

— Você também me causa estresse. — Conversava sozinha agora, uma vez que a pequena bola de carne e ossos nunca mais lhe daria uma resposta. — Causava.

Saindo do Transmutador Vetorial, a garota retornou para o salão de premiações. Largou a esfera de carne ao lado do corpo decapitado de Sirin e se alongou.

— Como é bom desestressar um pouco. — Limpou o sangue de seu machado e flutuou para fora dali. — Espero que ainda dê pra matar o velho.


Continua no Capítulo 180: Disputa de Resistência

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