O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 175: Meu Parceiro, Meu Duo

Chamas e fuligem marcavam o trajeto de Alícia na busca por Esteban, revelando que o cenário externo ao salão de premiações era tão caótico quanto o interior, ou até mais.

Postes caídos, as ruas estariam imersas na escuridão noturna, iluminadas apenas pela claridade frágil da lua, caso eventuais disparos de energia colorida não gerassem clarões, decorrentes das lutas.

— Esteban… — Há pouco, o Pacto de Ressonância começou a pulsar em seu peito, e o motivo disso Alícia já imaginava. — Contra quem você está lutando?

A garota prosseguiu, tomando cuidado para evitar ser atingida pelo ataque perdido de alguém e acabar sendo envolvida no meio de um conflito alheio, o que não era difícil.

Graças à conexão com seu parceiro, pôde identificar com clareza o local onde ele se encontrava; local que, por sinal, explodiu pouco antes de ela chegar lá.

— Huh? — Veloz, Alícia escapou dos destroços que voaram em sua direção, apenas para ver uma menina de cabelos pretos saltar para o alto, com duas adagas em mãos. — Classe Assassino?

De qualquer modo, priorizou encontrar seu parceiro, que estava de joelhos, com algumas plantas curativas ao redor dele.

— Esteban! — O rapaz olhou assustado para ela, e o motivo daquela reação foi captado pela audição de Alícia, que reagiu rápido na hora de desviar o rosto de uma adaga que foi jogada nela. — Urgh!

Ainda que de raspão, a lâmina foi feliz em alcançar a bochecha dela, um ferimento superficial, mas que provocou uma dor excruciante.

— Eita, mais uma se juntou a gente! — ovacionou a assassina ao ver Alícia se juntar ao parceiro. — Agora dá pra fazer um trisal, né? — Levou um dedo aos lábios. — Huum, quando foi a última vez que fiz um?

Dado o comportamento da assassina e o que pôde sentir da Habilidade Inata dela, Alícia presumiu que só poderia se tratar da usuária da Manipulação de Dor, a Patrona do Pecado da Luxúria. Isso também explicava o fato de Esteban estar esboçando tanta dor, mesmo que se curando com suas flores. Mas esse ainda era um dos problemas menores.

— Há quanto tempo você tá enfrentando ela? — Alícia indagou para o parceiro, que entendeu a preocupação da menina na hora.

— Um ou dois minutos, eu acho.

Aquilo era ruim. Segundo o relatório de Trevor e Sophie, o maior risco ao lutar contra a Luxúria era proveniente dos feromônios que o corpo dela exalava.

Por falar na Patrona, a beldade não gostou nenhum pouco de ser excluída da interação entre os adversários e se aproximou de Alícia em um instante.

— Ignorar alguém que te deu tanta atenção. — Lançou uma chuva de cortes com as adagas, que fez a jovem nefilim cerrar os dentes enquanto defendia cada um. — Que indelicado!

Pouco a pouco, os ataques da Luxúria começaram a passar pelos reflexos de Alícia. Em termos de velocidade e combate à curta distância, era notável que uma assassina levaria vantagem em condições normais contra uma espadachim.

Uma chuva de faíscas estridentes se formou em torno das duas e de Esteban que, após ter sua lança destruída, fazia o possível para pegar distância e servir de suporte para a parceira.

Alícia sentia a pressão aumentar sobre si a cada ferimento sofrido, que machucava como sempre e ardia como nunca.

Seus movimentos ficavam cada vez mais lentos, ao contrário de suas aberturas e falhas que sempre aumentavam.

Por sorte, Esteban obteve o breve intervalo que precisava para eclodir várias raízes e atacar a Patrona, dando à parceira dele uma chance de respirar.

Triste engano para o duo da Academia de Batalha Behemoth, Luxúria cortou as raízes em uma velocidade insana de ágil.

Apenas o sibilar do vento e o brilho dos cortes ganharam destaque naquela noite.

— Nem pensem em fugir de mim. — Partiu para cima de Alícia, sempre buscando ficar o mais perto possível, para que os feromônios fizessem efeito mais rápido. — Você tem um corpão, sabia?

— Ih?! — A menina sentiu um arrepio dos pés à cabeça por tempo suficiente para receber um corte latejante no braço.

Cara a cara, quando as meninas estavam com seus lábios a um triz de se tocarem, a Patrona teve um de seus pés presos pelas raízes de Esteban.

A raíz a puxou para trás, mas não antes da garota inclinar o corpo um pouco mais para frente. Ela já estava tão perto de beijar Alícia, e com aquilo, conseguiu.

— Huh? — Foi rápido, muito, muito rápido, mas suficiente para que mordesse o lábio inferior da nefilim e a fizesse sangrar. — Ai!

Alícia saltou para trás, com uma mão na boca, enquanto a assassina tinha o restante de sua perna envolvido pelas raízes, e então, o todo o corpo.

Com o fechar da palma destra de Esteban, a pressão em torno da Patrona aumentou a ponto de ser possível ouvir os ossos dela estralando dentro do casulo de raízes.

Ao menos naquele momento a Classe de Batalha da adversária estava atuando a favor dos dois. Graças a baixa resistência e força física daquela garota, o casulo seria bem eficiente.

— Conseguimos…! — O garoto continuou a fazer força, enquanto que a prisioneira sofria lá dentro, e Alícia parecia um tanto desnorteada. — Corte com… Nether!

Apesar do pedido desesperado do rapaz, a parceira continuou com os olhos arregalados. Ela até pareceria estar em estado catatônico, se não fosse pelas pupilas, que possuíam fendas no lugar do formato circular padrão.

Para uma Nefilim Primordial, era realmente ruim enfrentar a Patrona da Luxúria.

— De-Desculpa. — Balançou a cabeça para os lados e imbuiu Nether na espada; no entanto, antes que pudesse avançar, uma sequência de lanças afiadas foi jogada contra ela e Esteban. — Hã?

Apesar de os ameaçar e os forçar a desviar, algumas daquelas armas tinham outro objetivo: cortar o casulo de raízes que prendiam a Patrona assassina.

— Ah… Que ar fresquinho! — Luxúria escapou e, ao tropeçar na aterrissagem, recebeu o apoio de uma moça de olhos e cabelos castanhos, que a segurou por trás. — Oizinho, Yuna…

A recém-chegada franziu a testa.

Ali não era hora e nem lugar para usar seus nomes verdadeiros.

— Quer dizer, Inveja.

Sozinha com a pequena Ophelia Abyss, na infinita vastidão daquele salão sombrio, Petra hesitou ante as palavras da menina.

Ophelia a odiava? De certa forma, seria compreensível, mas as feições emburradas da pequena — seu olhar meio triste — transmitia algo muito mais próximo de frustração ou decepção.

— Sinto muito, mas eu tô sem tempo pra isso agora. — Se foi a pequena lolita gótica que desviou o teletransporte de Trevor até ali, então ela também poderia mandá-la para o lugar certo. — O Rai…

— Ele que morra! — Ophelia bateu os punhos fechados na mesa e derrubou alguns dos doces que estavam lá. — Deu tudo errado entre a gente, e a culpa é toda dele!

Se não fosse por Raizel ter se metido no meio das duas, por ter feito a cabeça de sua rival e de Absalon para aceitar aquele Ritual Pactual, tudo teria saído bem e do jeito que deveria.

O nome Ophelia Abyss seria marcado na história como aquela que viajou por vários mundos e teve um embate lendário contra a sua Chave de Goétia rival.

Nessa sua história, nessa sua bela história, Raizel era um vilão desprezível que estava lá só pra atrapalhar e, como todo vilão, tinha que ser morto em algum momento.

E foi bom que o momento chegou cedo.

— Ainda bem que o Baal vai acabar com ele. — A pequena nunca sentiu tamanha felicidade quanto naquele dia. — Agora a gente tá livre pra seguir a nossa própria história, um enredo só nosso.

Ophelia suspirou aliviada e, ao encarar a outra, esperava encontrar a mesma expressão de alívio, o que lhe causou grande frustração.

Petra lhe devolvia um olhar melancólico e ansioso. Estava na cara que ela sentiu o amargor daquelas palavras; mas, acima de tudo, estava mais preocupada com Raizel.

— Por favor, me mande de volta, Ophys. — A pequena engoliu tudo o que disse com um simples “hã?” ao receber um apelido de Petra. — Ele é o meu parceiro, o meu duo.

Pôs a mão direita, a que possuía seu anel de ressonância, sobre o peito esquerdo. Aquelas palavras não soavam como as de uma rival, era apenas a fala de uma mulher que precisava apoiar o seu amado.

— Ele mexeu com a sua mente tanto assim? — Ophelia balançou a cabeça para os lados; seu cabelo longo dançou, desengonçado, pra lá e pra cá, até que ela o segurou com as duas mãos. — Só pode ser mentira, só pode.

— Desculpe por ter que dizer isso, Ophys, mas a forma com que você vê as coisas… — Petra respirou fundo e fitou a outra até o mais profundo de seu ser. — A sua visão é muito mesquinha.

Petrificada, a menina manteve as mãos no cabelo; os olhos fixos em seus joelhos. Por quê? Por que a rival dela estava falando aquelas coisas duras? Por que agia como se ela fosse a vilã egoísta? A madrasta má.

— E que diferença você faria lá, garota? — soou uma voz grave e rouca, atrás de Ophelia, de onde a aparição de um portal abriu caminho para um homem alto se juntar às meninas. — Você nem consegue sair daqui sem a ajuda de terceiros.

Os olhos do homem eram completamente negros, uma escuridão sem fim, iguais aos de Ophelia, a qual ele acariciou os cabelos com seus dedos e garras afiadas.

Apesar da aparência obscura, o Retentor do Abismo transmitia certo refinamento em sua aparência e postura; mas o que mais se destacava era o aparente carinho que demonstrava pela pequena garota.

— Absalon… — choramingou Ophelia; o rosto ainda escondido entre suas mãos.

— Se for pra morrer lá, você pode muito bem morrer aqui mesmo. — Absalon apontou dois dedos em direção ao coração de Petra.

Mais rápido do que a garota conseguiria reagir, um feixe de escuridão foi disparado, o que Petra imaginou que marcaria seu fim — um ataque simples, de fato, mas que ignorava todo o conceito de defesa.

— Urgh! — Petra fechou os olhos frente ao destino inevitável, apenas para abri-los em seguida e perceber que o disparo sumiu.

No fim, até mesmo um ataque que ignorava tudo ligado ao conceito de defesa nunca atingiria o alvo, desde que a causa inicial dele fosse negada e, por consequência, o disparo de escuridão nunca tivesse existido.

— Oh! — Absalon segurou o queixo, fingindo certa surpresa ante o acontecimento recente. — Veio atrás da sua protegida. Que comovente.

Atrás de Petra um portal dourado deu passagem à bela mulher que encontrou nos Domínios do Guardião dos Céus.

Mais alta que a sua Chave de Goétia, Ziz se manteve atrás dela, colocando as mãos sobre os ombros da garota, que esboçou um sorriso sincero ao vê-la de novo.

Mesmo que Absalon e Ophelia se recusassem a enviá-la de volta, Ziz poderia apenas negar o evento do desvio do teletransporte, corrigindo o percurso feito.

— Me recuso. — A resposta foi direta e crua aos pensamentos da jovem garota, que arregalou os olhos ao encarar as feições frias da sua Besta Sagrada.

— Mas… — Se Petra ficou sem voz, Absalon riu e fez um cafuné na menina cabisbaixa.

— Se pôr em frente a um avatar do Senhor das Moscas apenas resultará em morte. — Pela resposta do Guardião dos Céus, Petra perdeu o chão e qualquer traço de esperança. — Isso já era esperado.

Príncipes Infernais, bem como Arcanjos e Bestas Sagradas, não podiam tomar forma livremente no Plano Físico; eram poderosos demais para que um simples espaço de quatro dimensões suportasse suas presenças sem colapsar.

Ainda assim, mesmo Belzebu usando apenas um avatar — uma projeção de poder reduzido — aquele ser ainda possuía uma fonte de energia ilimitada.

O resultado era evidente: ainda que por algum milagre Raizel vencesse, o que ele poderia fazer contra a forma plena do Príncipe Infernal da Gula?

— Não importa. Eu… — Petra fitou o piso escuro, imersa em seus pensamentos e frustrações latentes. — Sou eu que recuso. — Direcionou seu olhar, abruptamente, para Ziz. — Eu me recuso a ficar aqui.

— Menina tola. — Ela conheceria seu fim por causa daquele nefilim outra vez. Cogitar tal ideia fez o Guardião dos Céus virar o rosto para o lado, incapaz de encarar a determinação da garota desesperada.

— Eu sei que você quer me proteger, mas… — Com dor no coração, Petra fixou os olhos molhados nos de Ziz. — Como eu posso ficar segura aqui enquanto o Rai morre lá?! — o rosto da bela mulher foi virado para o lado mais uma vez. — Ziz!

— Pelas Profundezas, como são dramáticas. — O Retentor do Abismo, que até então apenas se deliciou com a cena das duas, materializou uma foice de pura escuridão e a entregou a Ophelia. — Há como atender o desejo de todos, exceto o seu, Guardião.

Ziz deu uma última sondada nas feições determinadas de Petra, e então virou as costas para o seu inimigo de eras.

O portal dourado, que dava acesso ao Domínio do Guardião dos Céus, se abriu.

— Que assim seja. — Caminhou para o portal, enquanto a Bellatrix se manifestava ao lado de Petra, em sua forma transcendental. — Mate Ophelia, e então faça o que desejar com o meu poder.

Absalon também se retirou, deixando apenas as duas garotas sozinhas na vastidão daquele vazio obscuro e sem fim.

Diferente de Petra, que tardou em pegar sua espada, Ophelia segurou a foice, que era facilmente maior que ela e assumiu sua forma real: a Foice do Abismo sem Fim.


Continua no Capítulo 176: Anjo da Morte

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