Volume 2 – Arco 6
Capítulo 167: Transcendental
Do outro lado do mundo, muitos se perguntavam qual seria o motivo de toda a inquietação repentina em seus corações.
No continente de Hervron, aqueles que assistiam a transmissão da luta final do Campeonato Sojourner viam-se incapazes de piscar ante ao imponente e glorioso ser.
A águia de Energia Divina, que envolveu Petra com suas asas, pareceu se fundir ao corpo dela, dando origem a uma vestimenta semelhante à Veste Divina.
Com proteções do mais puro Aço Divino para as áreas vulneráveis e um manto branco — que ostentava os símbolos de penas douradas e ia até a altura do tornozelo.
O Manto de Ziz, o Guardião dos Céus, estava completo.
— É sério isso? — Luminas congelou no lugar em que estava, sem acreditar que teria que enfrentar um ser transcendental. — Uma Chave Maior da Goétia Divina?
Quando a criatura que controlava o corpo de Petra direcionou seu foco para a jovem tenjin, a moça logo cogitou a rendição, o que nem chegou a ser necessário: o placar do campeonato mudou sozinho.
A comissão já havia decretado a vitória automática da Academia de Batalha Ziz e exigia o teletransporte imediato de Luminas para fora da arena de combate.
— Negado — decretou o Guardião dos Céus, fazendo dois arcos celestes surgirem em suas costas, um dentro do outro, bem como oito lâminas de Energia Divina dispostas igualmente entre eles, como um xis e uma cruz cruzados.
Partículas douradas emanaram das lâminas, que brilharam em majestade, e o teletransporte de Luminas falhou em seu propósito de existência.
— Sem mais rotas de fuga. — Já ao lado da garota, que mal poderia ser nomeada de adversária, Ziz desferiu um corte horizontal com a Bellatrix. — Defenda.
Sem confiar na efetividade da sua Manipulação de Probabilidades, Luminas se moveu tão rápido quanto pôde e pôs a Espada da Eventualidade no caminho da pancada.
— Argh! — Arremessada como uma boneca de pano, colidiu contra a barreira espacial igual a um saco de farinha.
O estrondo foi potente, e as costelas da garota foram quebradas, igual as rachaduras na parede transparente, atrás.
Trevor, que assistia a luta ao lado dos seus companheiros, via-se no mesmo estado que eles, perplexo. Sua Manipulação Espacial serviria de nada contra aquilo.
Se o domo especial quebrasse, seria o fim.
— Isso aí… já é judiação. — Luminas cuspiu um pouco de sangue e o pouco ar que sobrou em seus pulmões após a pancada bruta. “100% de chance de… uma tempestade solar”.
A Espada da Eventualidade brilhou fazendo um portal se abrir nas costas de Ziz, do qual uma densa rajada da estrela do seu sistema solar avançou, ardente.
O que também brilhou foi o arco duplo nas costas do Guardião dos Céus, que negou o evento e a alteração feita na realidade por Luminas e sua arma divina.
— De novo isso? — Enquanto aqueles arcos celestes estivessem em ação, tudo o que ela fizesse seria inútil. Se fosse possível quebrá-los… — Haha! Me lasquei.
No chão transparente, sentindo o efeito do Vislumbre da Glória desaparecer de seu corpo, Luminas abaixou o rosto, como se aceitasse a execução de sua vida, e viu apenas o instante em que as botas metálicas da adversária surgiram na sua frente.
Ziz ergueu a espada, pronto para finalizar tudo em um golpe indefensável. No processo, a Bellatrix passou a assumir uma forma que variava frequentemente aos olhos dos que a assistiam.
Como um item bugado na fase de testes de um jogo, a projeção da arma no Plano Físico aparentava falhar, chegando até mesmo a ficar bagunçada e distorcida.
“Mas o que há de errado com aquela espada?”, indagava-se a plateia, assustada.
Perante a visão limitada de criaturas tridimensionais, que vislumbravam apenas comprimento, largura e altura, enxergar plenamente um objeto que ultrapassava tais limitações dimensionais era inconcebível.
Uma Bellatrix Transcendental.
Seria um corte indefensável para qualquer criatura insignificante que existia naquele Plano Existencial, simples em demasia.
— Hã?! — O tilintar de Aço Divino colidindo com Aço Divino deu um puxão no rosto de Luminas, para cima, em contrário ao denso fluxo de ar jogado para baixo. — Vo-Você!
Com uma espada longa, que esbanjava um conjunto magnífico de quatro asas em seu guarda-mão, Raizel se apresentou como o príncipe no cavalo branco que evitava o avanço imparável da arma transcendental.
— O que pensa que está fazendo, águia idiota?! — Faíscas incandescentes espalhavam-se do atrito entre as espadas, que pressionavam uma a outra. — A Petra vai ser eliminada, se essa garota morrer!
— Uma vitória absoluta e incontestável. — Olho no olho, Raizel e Ziz viam-se concentrados apenas um no outro, ignorando o ruído de uma rachadura espacial que se formava entre suas armas.
— Tsc! — Bater um papo com aquelas Bestas Sagradas sempre era um saco; irredutíveis até a última grama de suas existências. — Megido!
Raizel liberou as chamas da Espada do Fim dos Tempos, o que resultou na explosão do equilíbrio de poder que havia até então entre as armas e na ruptura completa de uma fenda abissal, que foi além dos limites do domo espacial da arena.
— Ahh! — Em meio ao fogo cruzado, Luminas presumiu que morreria ali, com toda a certeza do mundo, ao menos até que Raizel, ao ser empurrado para trás, a pegou pela cintura e a cobriu com uma de suas asas. — Va-Valeu.
— Ainda é cedo demais pra agradecer. — Mantinha-se focado em Ziz, que também havia sido empurrado para trás e os sondava do outro lado da fenda aberta entre eles. — Isso vai ser um saco.
Luminas só entendeu a dimensão das palavras do nefilim quando percebeu que dentro daquela fenda havia o mais puro e absoluto nada; sem tempo, sem espaço, sem matéria: um verdadeiro Vazio Existencial.
Cair na boca daquela rachadura seria o mesmo que assumir o desaparecimento de seu corpo e sua alma, sendo reduzida a um completo e insignificante nada.
Raizel cerrou os dentes e apertou o cabo da espada; aquelas armas não tinham sido feitas para colidirem nos domínios de um espaço de dimensões básicas.
— Porcaria…!
— A antiga espada de Miguel. — Ziz certificou-se de observá-la bem uma última vez antes de regredir a Bellatrix ao seu estado natural. — Você deveria guardá-la para o seu inimigo real, garoto.
Pegos de surpresa, tanto Raizel quanto Luminas ficaram imóveis ao ver o irredutível Guardião dos Céus simplesmente optar por recuar e devolver o controle daquele corpo à sua dona original.
— Vejo que a minha estadia aqui se aproxima do fim. — O duplo arco celeste brilhou em suas costas e negou o evento da fenda do Vazio Existencial, levando-a a sumir de uma vez por todas.
As runas douradas esvaíram-se aos poucos de seu corpo, bem como os olhos que retornavam ao belo azul de sempre.
Quem também sumiu foi Luminas, enviada para a enfermaria junto a Lucius, e os transmissores de imagens e som da arena que se quebraram junto a toda a estrutura espacial, que já não tinha mais utilidade.
Enquanto o Manto de Ziz se desfazia, dando lugar ao uniforme padrão da garota, o Guardião dos Céus olhou uma última vez para a pequena mão do seu receptáculo.
— Uma existência hedionda como a sua nunca mereceu o amor dessa garota. — O que era válido tanto para aquela vida quanto para a anterior, mesmo assim aquela pequena menina tola tinha os sentimentos mais sinceros por ele.
Em silêncio, Raizel mordeu o lábio inferior, que sangrou. Ele sabia muito bem que aquilo era verdade; porém, ouvir aquelas palavras da boca de Petra, ainda que proferidas por outro ser, doeu de um jeito que ele não esperava.
— Um último aviso — passou a mensagem final enquanto seus olhos se fechavam e a sua consciência regressava. — O zunido da mosca é algo deveras perturbador.
Raizel só podia ter escutado errado, mas seus ouvidos jamais o enganariam; infelizmente, o corpo de Petra cedendo no ar o levou a agir antes do pensamento.
Deixou a Espada do Fim dos Tempos se desfazer e segurou a garota pela cintura; o rosto dela em contato com o seu peitoral.
— Rai… — mussitou, sonolenta e indefesa, aconchegada no abraço afetuoso de seu parceiro, feliz por sentir o cheiro e o calor dele de novo. — Eu perdi, não foi?
— Você foi incrível e calou as dúvidas de qualquer um — sussurrou com leveza enquanto acariciava os cabelos dela, um tanto bagunçados, mas ainda belos.
— Foi o Ziz que venceu. — Esfregando o rosto no peito de Raizel, a voz de Petra tomou um ar choroso e melancólico; abraçou as costas do parceiro com força. — Eu queria… com as minhas próprias… mãos.
Raizel sabia que no fim de tudo, a força do Guardião dos Céus também era a dela própria; no entanto, acolhedor, manteve a garota refugiada em seus braços.
— Quer ficar assim por mais um tempo? — Repousou seu rosto nos cabelos cheirosos dela, que assentiu com um leve movimento de cabeça e um “uhum” baixinho. — Quer que eu te faça aquele cafuné que me pediu mais cedo?
— Quero…
Raizel sorriu, discreto.
Ziz já sabia como Petra estaria quando recobrasse a consciência em um cenário de “derrota”; ter destruído os transmissores de imagens e sons da arena nada mais foi do que um ato de zelo pela privacidade de sua pequena tola protegida.
— Vamos ficar aqui durante o tempo que você precisar. — Abraçados, fechou os olhos e relaxou a própria respiração. — Eu estou aqui por você, minha senhorita.
Continua no Capítulo 168: Mentiras
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