Volume 2 – Arco 6
Capítulo 162: Rendição
Brilhantes e gélidas, as Cadeias de Abaddon mantinham-se agarradas aos tornozelos vacilantes e sem Energia Divina de Lucius, que tombou para frente, sendo segurado pelo pescoço por Raizel.
— Existia a possibilidade da Longinus não cair no meu truque de replicar a natureza da sua Energia Divina — disse o nefilim, sem sinal de empatia com o outro.
Apesar de destoar de seu tom de voz, se assegurou de envolver o enorme buraco no peito do adversário com uma camada de energia, para evitar que o restante dos órgãos e vísceras dele saíssem para fora.
No fim, o tenjin Lucius Arcadius ainda era necessário para combater as tramóias da Organização Perpetuum e os seus Patronos do Pecado.
— Eu precisava de um plano B, entende? — Direcionou o olhar para baixo, onde as Cadeias de Abaddon, adornadas por símbolos antigos, impediam que o poder divino de Lucius fluísse da alma para o corpo dele. — E aquela sua transformação em luz era um pé no saco.
— Ur… Urgh… — Quase sem ar em seus pulmões, o rapaz mal conseguia se manter consciente; falar era ainda mais difícil.
Ele ainda possuía algum tempo restante do Vislumbre da Glória; mas, com a prisão das Gravuras de Atlas, de nada adiantava.
Foi um erro fatídico. Nunca se soube de um caso no qual Raizel tivesse utilizado aqueles símbolos arcaicos contra alguém.
O pior de tudo era… como ele conseguia usar? Os nefilins eram de outro planeta, enquanto que as Gravuras de Atlas pertenciam à Lei do Mundo de Calisto.
Raizel deveria ser incapaz de ter acesso a elas, a menos que… Os olhos de Lucius arderam de raiva, e ele recobrou um pouco de sua consciência quase esvaída; no entanto, o nefilim continuou a se manter na posição de fala.
— Use essa informação como bem entender — sussurrou, de modo que apenas o moribundo ouvisse, antes de ser teletransportado para a enfermaria. — A Alícia, a sua querida amiga, é uma nefilim igualzinha a essa aberração aqui.
— Argh! — Se debateu e abriu a boca desesperada, cheia de sangue, mas sumiu da arena antes que conseguisse fazer algo a mais; sua derrota já estava decretada, e o tratamento de sua saúde era prioridade.
Raizel, por outro lado, permaneceu no mesmo lugar por um tempo. Sem a presença da Longinus, seus cabelos, olhos e aura poderiam retornar para o tom de vermelho habitual; assim como as asas que sumiram de suas costas.
“Sabe, eu nunca tive nenhum problema pessoal com aquela garota”, refletiu enquanto se virava e caminhava em direção a Petra e Luminas. “Morrer como um experimento seria melhor do que ter que viver como uma Nefilim Primordial”.
Matá-la seria um ato de libertação, embora fosse algo difícil de fazer. Seria lamentável se ela tivesse que viver uma vida igual a dele; assim, no fim, o que fez com Lucius, não passou de uma aposta arriscada.
— A sua adversária é uma oponente problemática — disse para sua parceira, que recuperava o fôlego após ter que criar um escudo de energia forte o suficiente para sobreviver ao evento cataclísmico anterior. — Pegar leve com ela pode ser fatal.
A princípio, Luminas estranhou a fala do nefilim; na verdade, estranhou mais o fato dele ter desativado tudo, incluindo runas e asas.
Foi então que a ficha caiu.
— O pessoal da Ziz vai ficar putasso com isso. Cê sabe, né? — Com a eliminação de Lucius, a vitória para o outro lado era quase certa. — Se bem que eu não tô nem aí.
Pelo que Raizel fez com o parceiro dela, ele tinha mais era que se lascar mesmo. Aquelas Gravuras de Atlas só podiam ser alguma trapaça ou coisa do tipo.
— Rai… — Petra mordeu os lábios, insegura de ter que carregar toda a responsabilidade pela vitória sozinha.
Mesmo que o Campeão Sojourner já estivesse definido, caso os dois vencessem aquela luta, a Academia Ziz ainda poderia sair como vice-campeã.
— Eu vou estar te esperando. — Fosse para comemorar, fosse a consolar com o cafuné que ela tinha pedido antes do início da luta. — Eu me rendo.
Ao som de vaias ao longe, Raizel fez uma reverência digna de um cavalheiro, para a sua parceira — bem diferente da besta sem escrúpulos que enfrentou Lucius.
Teletransportado, o nefilim deixou a arena para nunca mais retornar a ela. A sua luta havia chegado ao fim, mas os trabalhos daquele dia ainda estavam apenas no começo.
— Huh? — Petra sentiu o estigma da sua Chave de Goétia arder. Entre seus espectadores, com olhos radiantes sobre ela, uma lolita gótica ansiava por contemplar seu desempenho. “De novo?”
Respirou fundo, e com o coração acelerado, focou no obstáculo que estava logo à frente; a sua verdadeira luta estava para começar no próximo movimento.
Na sala dos Top Rankings da Academia de Batalha Leviatã, Luke e Milene encaravam o seu parceiro Top 3 Rank S, com feições acusadoras, às quais o outro logo reagiu.
— Vão ficar me encarando com essas caras de cu até quando?! — protestou Kaiser, sentado ao lado de Lilya. — Até uma anta saberia que eu nunca me sujeitaria a ajudar aquele merdinha.
— Então, de onde aquelas Gravuras de Atlas saíram? — A indagação de Luke era incisiva: apenas Kaiser Profenius era capaz de usá-la naquele campeonato.
— E eu sei lá, porra! — Bateu no braço de sua poltrona, que estalou com dor, e então se levantou para pegar algo para beber. — Colocar as minhas Gravuras de Atlas naquela porcaria de corrente divina? Eca!
Dava vontade de vomitar só de pensar em contribuir para a vitória de algum nefilim, principalmente de Raizel, que o humilhou na frente de um continente inteiro.
Kaiser ainda se lembrava de como as Cadeias de Abaddon amassaram a cara dele no chão, após o fim da sua luta contra Klaus, no primeiro dia do campeonato.
— Eu só sei que o Dreison vai ficar putão quando te ver — gargalhou Milene, abraçada ao irmão. — Se prepara, viu?
— Nefilim de merda. — Até naquelas horas aquela gente dava um jeito de infernizar a vida dele. — Eu quero mais é que ele e o Dreison se fodam hoje à noite.
Lilya, diferente do seu parceiro revoltado, permanecia sem esboçar qualquer expressão. Eles já eram os Campeões Sojourner; nada mais importava.
Ataques físicos seriam ineficazes contra a Manipulação de Probabilidades; técnicas de Habilidades Inatas tinham chance de acerto muito baixa — o que acarretava um gasto de energia insano — assim, Petra não pensou duas vezes antes de…
— Veste Divina. — Luminas admirou-se ao ver o uniforme da adversária mudar para a forma de uma bela armadura leve com um manto azul-claro tremulando na cintura. — Anjo da Gravidade: Auriel!
— Eita que o negócio esquentou. — A espada em sua mão reconheceu o denso poder divino que oprimiu o seu peso, forçando sua ponta contra o chão. — heim?!
Afetada por uma gravidade incontáveis vezes maior que a natural, a arma de Luminas alcançou um peso que levou a garota a imaginar se ainda seria possível manejar aquela espada, que facilmente atravessaria o planeta se a deixasse cair lá de cima.
Além do peso extremo, tudo o que a tenjin sentiu foi a força do vento empurrado por um chute aéreo de Petra que passou a um triz de atingir sua cara em cheio.
Por reflexo, Luminas protegeu o rosto do ataque que ela já deveria saber que iria errar, e se surpreendeu por ter feito isso.
Seu coração bateu acelerado. Uma gota fria de suor foi arrancada de sua testa pela potência do vento; só então, ela entendeu:
O movimento de defesa não foi por reflexo.
Foi por medo.
O manto de Petra tapou sua visão por um momento, quando um forte puxão arrancou Luminas do lugar e a esmagou contra a parede do domo espacial, apenas para a fazer ficar de cara no chão, logo depois.
“Fala… sério.” Só para acertar aquela sequência de técnicas gravitacionais, Petra já tinha queimado toneladas de energia, mesmo assim sua Veste Divina continuava transbordando. — Isso é meio… injusto.
Ter que enfrentar alguém que conseguia alternar entre Energia Espiritual e Divina era muito pior do que ela esperava.
Pondo força nos braços, conseguiu levantar seu tronco um pouco, o suficiente para encarar a adversária nos olhos.
— Acho que ninguém mais duvida das suas capacidades… né? — Petra balançou a cabeça em sinal negativo. Todos sabiam que Luminas podia fazer mais do que aquilo.
Vencê-la fora de seu ápice apenas daria a ideia de que a tenjin estava pegando leve, ou que ela até mesmo entregou a luta, uma vez que a Academia de Batalha Behemoth já estava na lama.
— Por favor, dê tudo de si. — Petra cruzou os dedos indicador e médio de sua mão direita e, criando uma pequena esfera que roubava a luz ao redor de si, apontou-a na direção da adversária.
— Que menina… Urgh! — Contra a vontade de Lumimas, o corpo dela foi puxado para cima; chacoalhou no ar, tendo cada membro seu preso por um centro de gravidade, que a deixou de braços abertos. — …Determinada.
Por mais força que fizesse, seus braços e pernas não iam para frente nem para trás, para cima e nem mesmo para baixo; a gravidade sempre os puxava para aquele mesmo ponto no espaço.
— Sinto muito. — Mesmo sabendo que fazer aquilo era necessário para alcançar seu objetivo, ter que levar Luminas até o ponto de obrigá-la a abrir mão de alguns meses de vida com o uso do Vislumbre da Glória era desagradável. — Devorador Cósmico.
— Só pode ser brinc… — Distorcendo o tempo e o espaço, o pequeno buraco negro avançou primeiro engolindo a luz e, logo depois, a barriga da garota que se encontrava na linha de fogo, sendo transportado pela parede do domo espacial para um lugar perdido do universo. — Ar-Argh!
— Se cure com a ativação do Vislumbre da Glória — pediu, vendo sangue escorrer da circunferência retorcida, que evidenciava os restos de órgãos que começavam a cair para fora. “Vamos… Por favor”.
A cabeça de Luminas pendeu para baixo e, em um espasmo, gofou mais do seu sangue. Lançou um olhar sofrido para a adversária que parecia apreensiva quanto a que decisão ela tomaria.
“Ei. Ficar me olhando assim faz parecer que eu sou uma pessoa ruim.” Sendo que foi Petra quem fez um buraco enorme na barriga dela. — Que menina cruel você é Petra… Lavour.
Foi então que o corpo de Luminas foi tomado pela explosão de uma bela aura dourada. Em contraste, um incomum vermelho-claro marcava a consequência de elevar seu poder divino a um ponto que vislumbrava a glória dos céus.
— Vislumbre da Glória.
Continua no Capítulo 163: Eventos Impossíveis
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