Volume 2 – Arco 6
Capítulo 149: Brinquedo Quebrado
Alegre, a garotinha brincava entretida em seu quarto espaçoso, espaçoso demais para que dividisse a vastidão apenas com seus brinquedos, os quais ocupavam boa parte das cores vivas e chamativas das paredes vibrantes.
Era como viver em um lugar fantasioso e irreal, bem diferente do mundo chato e sem cores que havia do lado de fora, onde ela não tinha autorização nem mesmo para brincar com quem quisesse.
E foi no instante em que abriram a porta do quarto de forma abrupta que a impureza do exterior apareceu para invadir seu reino perfeito e torná-lo em um amontoado de cinzas sujas.
— O que você está fazendo ainda vestida assim? — reclamou a mulher que tinha acabado de chegar, nem um pouco feliz ao notar que a pequena segurava um ursinho de pelúcia velho nas mãozinhas. — Já disse para você largar essa imundície!
Tomou a pelúcia das mãos minúsculas da criança que, de cabeça baixa, nem tentou resistir, apenas aceitou a punição imposta; já sabia que se o fizesse seria muito pior.
— Esse lixo imundo não é adequado para pessoas do nosso nível. — Jogou o ursinho para longe com nojo e limpou as mãos em um lencinho feito de um tecido estrangeiro. — O que as empregadas estão fazendo para você ainda está vestida assim?
— Eu não quero ir pra festa ho… — Uma palmada quente agrediu sua face esquerda, deixando-a sem palavras ou reações, apenas uma bochecha vermelha e latejante.
— É o aniversário do seu primo. Se eu disse que você vai, então você vai! — Deu as costas à garotinha e caminhou para fora do quarto. — Vou mandar tirarem logo essas porcarias daqui enquanto estivermos fora.
Cabisbaixa, a pequena Perséfone deu uma última olhada no ursinho de pelúcia que tinha recebido do falecido pai alguns anos antes.
— Sim… mamãe.
Elas tinham que ir para aquela festa. Tinham que estabelecer conexões com outras famílias nobres. Tinham que arranjar um novo líder para a Casa Strier o quanto antes.
"Se pelo menos essa gente sumisse." Então ela poderia ver as cores do mundo uma vez mais? Poderia agir como quisesse? Pararia de apanhar da mãe? "É, se pelo menos…"
— Dreison Asimorph, heim? — Sentada na mesa de um restaurante refinado, Perséfone observava a ficha daquele que a Academia de Batalha Leviatã havia lhe recomendado como duo. — Tinha que ser logo esse moleque?
Na tela de energia produzida pela sua pulseira, a imagem de um rosto egocêntrico era exposta: a mesma cara esnobe e arrogante da qual ela se lembrava.
Era até bem comum esbarrar com aquele garoto nas festas chatas em que sua mãe a levava com frequência, principalmente na área que era reservada para as crianças.
Mesmo assim, os dois raramente trocavam um oi, já que Dreison sempre andava acompanhado por no mínimo dois seguranças que impediam as demais crianças de se aproximarem dele.
Eram todos nobres, mas aquele moleque ainda se achava acima de tudo e de todos, como se fosse uma espécie de figura superior que os outros deveriam agradecer pelo simples fato de poder vê-lo.
"É o tipinho de gente que a minha mãe ia adorar empurrar pra cima de mim." Fechou a projeção de sua pulseira e cruzou as pernas charmosas, que pareciam adornar suas vestimentas, em vez do contrário. "Esse Pacto de Ressonância vai falhar. Tenho nem dúvidas".
Foi quando percebeu que o indivíduo havia acabado de chegar na entrada do restaurante e, conduzido por um funcionário, caminhou até ela sem olhar para ninguém.
Sentou-se de frente para a garota e a olhou como se analisasse até a forma com que ela respirava e piscava. Sem dúvidas, foi alguém mimado e ensinado a pensar que era o topo do mundo.
— O casal já tem algum pedido em mente? — Ouvir os dois serem chamados de casal quase fez Perséfone enjoar ali mesmo. — Ou eu poderia recomendá-los…?
— Bruschetta de salmão e queijo gruyère pra mim — respondeu o majin, sem tirar os olhos de cima da garota que abriu os lábios para realizar o seu pedido. — Berinjela com molho tahine para ela.
— Hã? — A moça, incrédula, se surpreendeu ao ficar surpresa. Era óbvio que aquele maluco iria se achar no direito de escolher as coisas por ela. — Tá, isso vai servir.
De qualquer forma, logo eles se afastariam um do outro, e Dreison nunca mais demonstraria o mínimo de interesse por ela.
No entanto, o garçom se demonstrou receoso ao reparar no pedido feito a contragosto, o que serviu apenas para receber uma encarada repreensiva do rapaz.
— Não demore. — Colocando o funcionário para correr, pôde enfim tratar do assunto que queria com a garota. — Portadora das Lágrimas de Sangue, eu escolhi você como propriedade pessoal minha.
— Eh? — Com cara de tédio, Perséfone meneou a cabeça e pareceu fazer pouco caso do autoritarismo do rapaz. De relacionamento abusivo bastava o que já teve com a mãe. — Olha só, não é que nós já demos o primeiro passo para o fracasso do Pacto de Ressonância?
— "Ressonância", é? — Apoiou o rosto em uma mão e se mostrou inflexível em sua decisão. — O pacto tem pouca relevância aqui. Eu quero a insanidade das suas adagas demoníacas. É isso o que importa.
A sugestão de duo realizada pela Academia de Batalha nada mais foi do que um capricho seu — ou melhor, uma ordem — uma forma de se divertir e aliviar o tédio.
— Você será minha de qualquer forma — disse, pondo-se em uma postura ereta e confiante, a voz firme e determinada. — Conseguir a posição de duo será apenas um privilégio.
Perséfone fechou suas feições e pôs-se a se levantar para ir embora. Quando o garçom retornasse com os pratos, aquele moleque arrogante que se virasse para comer tudo ou jogar fora; pouco importava para ela.
— Tenha um bom dia, senhor Asimorph. — Manteve o mínimo de educação, apesar da voz claramente alterada. — Eu recuso a sua gentil e generosa oferta.
No entanto, quando estava para sair, a mão dele agarrou o seu pulso com força. O aperto intenso, maltratou sua pele bem cuidada, deixando-a vermelha em um instante.
— Me larga, moleque. — Puxou o braço de volta sem nem pensar, o que só serviu para machucar seu pulso ainda mais e aumentar a sensação de ardência. — Isso tá doendo…!
— Um passarinho me contou uma história bem interessante. Ouça-a comigo. — Diferente do tom empregado anteriormente, o atual soava menos autoritário e mais ameaçador. — É sobre uma garotinha que perdeu sua mãe abusiva em um trágico acidente de carruagem.
Perséfone gelou na barriga e, ao reparar que já traziam os pratos dos dois, sondou os arredores a fim de ver se alguém tinha notado o clima pesado entre eles.
No fim, acabou por se sentar novamente enquanto suas refeições eram servidas na mesa. O majin infeliz, orgulhoso, a fitava com uma expressão irritante de vitória no rosto.
— Não sei que tipo de interesse você tem na morte da minha mãe — disse assim que os funcionários se afastaram. — Além de narcisista, é stalker nas horas livres?
— Apenas me pareceu curioso o fato de um bando de bandidos miseráveis assassinar uma nobre à sangue frio. — Seria muito mais vantajoso usá-la como refém e exigir alguma recompensa pelo resgate. — Mas a filhinha dela saiu com vida. Por quê?
— Seja direto ao ponto — exigiu, não gostando muito do rumo que aquela conversa tomava.
— A mãe foi morta por um disparo de energia pura direto na cabeça. — Sádico, apontou uma arminha de dedo para a garota e simulou um tiro na testa dela. — A filha tinha 12 anos, certo?
Idade suficiente para um usuário de Habilidade Inata começar a desenvolver o uso da sua Energia Espiritual; ou, no caso de majins, a sua Energia Demoníaca.
Considerando o histórico que os funcionários da família Asimorph descobriram ao investigar o passado de Perséfone, não seria tão absurdo pensar que tinha algo estranho naquela história.
— Hah! — A garota repousou seus talheres e debochou do projeto de Sherlock Holmes. — Vai dizer que uma criança de 12 anos matou a própria mãe e colocou a culpa em um grupinho de bandidos?
O majin caiu na gargalhada, uma risada agourenta e macabra que mais parecia trazer desgraça do que vanglória; cessou na hora em que ele deixou seu prato de lado, satisfeito com outro tipo de refeição.
— Eu estava apenas relatando uma história curiosa.
Não haviam provas suficientes que ligassem os pontos, afinal a criança quase morreu naquele dia também.
Seria exagero pensar que uma menininha armou tudo aquilo. Mas, se ela tivesse apenas aproveitado a oportunidade…
— Essa menina seria uma excelente parceira de duo para uma pessoa do meu nível.
"Pessoa do meu… do nosso nível." A mesma mentalidade segregacionista que a sua mãe tinha, algo que trazia agonia para Perséfone. "Eu realmente odeio esse cara".
Ainda assim, ela sabia muito bem para onde todo aquele orgulho e soberba levavam. Assim como foi no caso de sua mãe, Perséfone também queria contemplar a ruína daquele cara bem de perto; seus últimos suspiros e desespero ao se ver como um impotente nada.
— Eu serei a sua parceira de duo, assim como deseja. — De repente, dizer aquelas palavras já nem tinha um gosto tão ruim e desagradável quanto antes. "E você será o meu novo brinquedinho".
Um brinquedo que quando quebrasse seria jogado fora e destruído, da mesma forma que aquela mulher havia lhe ensinado a fazer.
Continua no Capítulo 150: Liberar!
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