Volume 2 – Arco 6
Capítulo 140: Cordas de Violino
Aguardando o retorno da atendente, Raizel e Petra apreciavam a sonoridade pura e relaxante de uma das famosas lojas de instrumentos musicais da Academia de Batalha Leviatã — a requintada Mars Réquiem.
Em sintonia, os músicos demonstravam não apenas suas habilidades impecáveis como também a qualidade dos produtos por ali vendidos, os quais exibiam em suas mãos.
— Ophelia Abyss, heim? — Sentado em uma das poltronas de couro do salão da recepção, com a visão mergulhada na escuridão de suas pálpebras fechadas, o nefilim raciocinava no ritmo da harmonia. — Ela ressoou com o seu estigma?
— Uhum! — concordou a garota, enquanto apertava o tecido da blusa sobre a marca de nascença de sua Chave de Goétia. — Só de lembrar dela, já arde de novo.
Dado tudo o que havia ocorrido em torno de Alícia, Petra deixou para conversar sobre o estranho encontro com a garotinha que se auto denominou como sendo sua "fã" apenas durante o início da tarde daquele dia.
— As Chaves da Goétia só são passadas adiante após os usuários anteriores morrerem. — Ouvir aquilo fez a garota sentir uma forte pontada na consciência. — E as Chaves Maiores não são exceções.
Pela manhã, ela disse que sempre retornaria com vida para o seu parceiro, agora ouvia da boca dele que sua vida poderia estar na prancha de um navio pirata, prestes a cair na boca dos tubarões.
Mesmo que estivesse se esforçando ao máximo para extrair as Habilidades Inatas do Guardião dos Céus durante suas sessões de treinamento, fazer aquilo estava sendo bem mais complicado do que Petra esperava.
A possibilidade de ter alguém à procura de seu pescoço, justo em um momento como aquele, era um dos piores cenários possíveis.
— Rai, eu… — decidiu sepultar o assunto assim que vislumbrou a atendente retornar com o seu pedido, ou era o que ela esperava. "Tá de mãos vazias?"
— Sentimos muito, senhorita. — Ainda que com respeito, a atendente jogou o segundo balde de água fria em Petra, naquele dia. — Infelizmente, no momento, o conjunto de cordas que você solicitou se encontra em falta.
— Er…? — Dada a raridade dos materiais utilizados na fabricação das cordas que ela costumava usar em seu violino, já era de se esperar que houvesse poucos conjuntos no mercado. Ainda assim… nenhum? — Entendo…
— Nós temos excelentes encordoamentos que podem ser de seu agrado — sugeriu a atendente. — Caso queira testar alguns, ficaríamos contentes em ajudá-la.
Petra deu uma olhada indecisa para Raizel. Era muito bom que permitissem a ela testar cada um dos conjuntos de cordas, entretanto isso poderia levar muito mais tempo do que havia imaginado.
— Não me importo de apreciar a música desse lugar por mais algum tempo — disse o rapaz, tirando um sorriso radiante dos lábios da companheira. — Eu vou te esperar aqui. Aproveite bem.
Empolgada, retirou um estojo branco adornado com detalhes azuis de dentro do seu anel de ressonância, o qual continha o mais belo violino que aquele mundo já tinha visto.
Entretanto, nem tão belo quanto aquela obra prima talhada pelas mãos de Raizel era o rosto fechado e mau humorado de um rapaz que o observava mais à frente.
— Com licença, moça!
Acenando para a mulher que acompanhava Petra, Luminas Luminesk — a Top 1 Rank S da Academia de Batalha Behemoth — também solicitava atendimento.
— Perdão, eu ouvi o finalzinho da conversa de vocês e tô buscando cordas pra um violoncelo. — Juntou as palmas das mãos e falou para Petra, quase como se implorasse. — Tudo bem se eu fizer companhia a vocês?
— Er… Por mim tudo bem. — Ela sabia quase nada acerca de Luminas, exceto as informações de combate que Trevor e Sophie coletaram e compartilharam. — Mas…
Quando a visão de Petra fitou o rapaz que Luminas havia deixado para trás, a outra logo entendeu a preocupação dela: deixar Raizel e Lucius esperando juntos tinha tudo pra dar errado.
— Me espera aqui, tá bom, querido? — Indo até o rapaz, ficou na ponta dos pés e deu um selinho na boca dele, então concluiu em tom baixo: — Tenta não causar problemas, tá?
— Creio que esteja falando isso pra pessoa errada. — Deu uma breve encarada na raiz de todo o mal, o qual se encontrava com um semblante tedioso após vê-lo. — Prefiro te acompanhar no teste das cord…
— Nops! — Tapou os lábios dele usando um dedo indicador. — Isso é coisa para nós meninas.
Conformado, Lucius sabia que argumentar seria inútil; Luminas já tinha até começado a usar justificativas sem pé nem cabeça: desde quando aquilo era "coisa de menina"?
Enquanto as garotas se afastavam para a sessão de testes, o jovem tenjin caminhou até o lado de Raizel e ali se sentou, sem dizer uma palavra sequer.
Os segundos seguintes se passaram devagar na recepção da Mars Réquiem. Eventualmente, um funcionário apareceu para oferecer algumas bebidas aos rapazes; Lucius aceitou um suco, Raizel escolheu o vinho.
Com o sabor da bebida escarlate sequestrando seu paladar, e o som dos instrumentos musicais agraciando seus tímpanos, o nefilim chegou a esquecer da presença incômoda ao seu lado, ao menos até que Lucius decidiu abrir a boca.
— A Alícia vai abandonar a Academia — disse o que tanto estava entalado em sua garganta; segurar esse assunto, estando ao lado daquele cara, era revoltante. — Ela só tá esperando esse campeonato acabar, porque não quer causar boatos ruins na véspera da cerimônia de encerramento.
— Deixe de enrolação e diga logo o que quer. — Balançou a taça transparente entre os dedos e analisou a bebida com um olhar de desaprovação. "Ficou com gosto de mijo".
— Então responda logo de uma vez: o que você fez com a Alícia?! — Cerrou os dentes e apertou o braço da poltrona a ponto de causar um estalo na madeira. — Ela estava indo muito bem até encontrar com você, aí tudo desandou.
— Por que tá fazendo essa pergunta logo pra mim? — Algumas pessoas pareciam realmente gostar de complicar as coisas. — A menina é sua amiga, certo? Pergunte a ela.
E ele perguntou, mas Alícia evitava responder a verdade; e quando contava algo, era sempre muito vaga e evasiva em suas respostas.
Como sua amiga parecia bem abalada, Lucius não queria perturbá-la e deixá-la ainda mais triste sendo inconveniente e enchendo a paciência dela.
— Se ela não quer contar nada pra você, o que te faz pensar que eu faria isso? — Levantou-se e caminhou em direção aos músicos da loja.
— Volte aqui! — Ignorado com sucesso. — Você destrói a vida dos outros e, depois, tudo o que faz é observar calado?!
A música ambiente cessou; os músicos e o regente do grupo foram se assustaram com as palavras de Lucius, depois ficaram inertes com a aproximação de Raizel.
— Me empreste esse piano por um instante. — Desapropriou o instrumento do pianista, que só se afastou, desprovido também de sua voz.
O regente do grupo musical pensou em contra-argumentar — mesmo que o rapaz fosse um cliente, aquele comportamento estava indo longe demais — mas logo foi feito refém das ordens de Raizel.
— Vejo que você tem um bom pessoal — disse o rapaz enquanto começava a dedilhar algumas notas com exímia perfeição, o que fisgou e prendeu os sentidos refinados do regente. — Conduza-os a mim.
Após os testes das cordas e realizar o pagamento, Petra e Luminas voltavam para junto dos seus parceiros; torciam para que eles não tivessem avançado um no pescoço do outro.
Enquanto Petra escolheu um conjunto de sonoridade suave e brilhante, o qual permitia respostas rápidas entre os semitons, Luminas optou por um som mais puro e encorpado a fim de explorar o timbre grave e profundo do seu instrumento.
— Obrigada, você foi uma boa companhia — agradeceu Petra, realizada e ansiosa para desfrutar daquele som junto a Raizel. — O seu parceiro também toca algo?
— Já tô recebendo um agradecimento da minha rival? Olha só. — Deu uma risadinha descontraída e brincalhona, coisa que a outra já estava começando a se habituar. — Quanto ao Lucius, bem… Digamos que ele não teve tanto tempo disponível pra aprender algo assim, entende?
E Petra olhou com cara de quem não entendeu.
— De qualquer forma, você devia estar preocupada mais consigo mesma, não acha, não?
A Academia de Batalha Behemoth já tinha suas esperanças de vitória jogadas no ralo; por pior que fosse, eles já estavam lidando com a frustração desde cedo, mas o mesmo não se aplicava ao pessoal da Ziz.
Na verdade, especialmente para o lado de Petra, o peso era muito maior. As dúvidas acerca do seu merecimento à posição de Top 1 Rank S, que o público em geral tinha, só ficaria pior, caso ela fosse derrotada e arruinasse o título de Campeão Sojourner.
— Eu vou vencer amanhã. — Consolidar a sua posição como Top 1 vencendo outro Top 1. Fechou o punho direito e encarou-o como se vislumbrasse o futuro. — Tenho certeza de que irei.
— Er… — Luminas inclinou-se para frente e sorriu de um jeito meio provocante para a acompanhante. — Falar isso bem na cara da sua adversária faz parecer que você me subestima.
— Nã-Não foi o que eu…
Ter Petra se desesperando para corrigir um mal-entendido que só existia na mente de Luminas fez a jovem tenjin levar as mãos até a barriga em uma tentativa falha de conter o riso.
"Ela só tava brincando comigo de novo, né?" Se perguntava como iria lidar com aquilo no dia seguinte. Luminas não ficaria de pegadinhas e tramóias durante a luta, certo? — Huh?
Chegando no salão da recepção, o fundo musical — antes tão calmo e relaxante — envolvia o ambiente em um ritmo frenético e quente, fazendo o conjunto de músicos e o regente ficarem a ponto de entrar em colapso.
— Rai? — Descarregando a tensão acumulada sobre o piano, os dedos do nefilim dançavam em um frenesi que fazia seus dedos quase darem um nó.
Por sua vez, sentado emburrado em sua poltrona mais ao canto, Lucius parecia ser o único a não ser refém da beleza do cenário caótico provocado por Raizel.
— Olha só! O seu parceiro parece que tem dedos bem habilidosos, heim? — Fez mais uma brincadeira com Petra, agora usando um tom bem mais ousado e sugestivo. — Dedos bem habilidosos… se é que você me entende.
Sem palavras, Petra desviou o rosto para o lado e corou. E daquela vez, sim — ainda que do seu jeito — ela fez uma cara de quem entendeu.
Continua no Capítulo 141: Conselhos Termais
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