O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 6

Capítulo 138: Dilemas Matinais

Quando retornou durante o início da noite, Raizel se mostrou mais afetado do que Petra esperava: sem comer nada — coisa incomum para quem adorava as refeições preparadas pela namorada — ele apenas tomou um rápido banho e foi para o quarto.

Deitados juntinhos na cama, enquanto abraçava sua parceira, o nefilim contou os detalhes da história que ouviu de Alícia; um teor melancólico manchava suas palavras.

Com o rosto sobre o peito dele, Petra escutou tudo, ficando um pouco abalada também. Quando encontrasse Alícia de novo, esperava ter uma conversa mais adequada com ela.

Então, ao fim daquela trágica história de ninar, os dois caíram em um sono profundo, tendo apenas o calor um do outro para os confortar no silêncio frio da noite.

Durante a manhã, Petra — pela primeira vez naquele milênio — conseguiu se levantar mais cedo que Raizel e pôde contemplar o semblante relaxado e indefeso do rapaz.

"Hehe! Fica tão fofo dormindo." Um fino fio de saliva escorria da boca entreaberta dele; estava dormindo igual uma pedra. "Descansa só mais um pouquinho, tá?"

Como Raizel não tinha a necessidade fisiológica de repor energia dormindo ou comendo, ela sabia que não o veria naquela situação de novo nem tão cedo.

No fim, o sono parecia ser o único recurso acessível no momento para que sua mente fugisse dos pensamentos estressantes do dia anterior; se fosse possível, passaria bons dias naquele estado.

— Mãos à obra! — Na cozinha, preparou alguns omeletes, pãezinhos com mel, café preto para o dorminhoco, e suco de laranja para ela. — Agora só falta o elemento mais importante.

Quando estava para ir ao quarto e convidar o nefilim à mesa, o dito cujo apareceu esfregando os olhos repletos de sono com os cabelos bagunçados e as roupas todas amassadas.

— Que cheirinho bom — disse enquanto se aproximava guiado pelo aroma sedutor, e se sentava de frente para a moça que o observava, sorridente. — Suas refeições são as melhores deste mundo.

— Só diz isso porque sou sua namorada, que eu sei. — De forma discreta, tomou um gole do suco, dando uma espreitadinha no sonolento com sua visão periférica.

— As minhas palavras são as mais sinceras que já foram ditas sobre a face deste planeta, e você sabe disso.

Cativado pelo sabor da refeição matinal, levou um instante para perceber que Petra parou para contemplá-lo com profunda atenção.

"O cabelo e os olhos dele são iguais aos da Alícia, né?" Imaginava como seria a visão da imagem de seu parceiro com as cores roxas. "Se eu pedir, será que ele mostra pra mim?"

Considerando que, em todo o tempo que passaram juntos, Raizel nunca usou aquela aparência na frente dela e que ele só comentou sobre isso por causa dos acontecimentos recentes, a resposta mais provável era não.

Mas, e se ela pedisse com jeitinho, será que ele ainda…?

— Senhorita? — chamou-a.

Foi então que Petra reparou em como o estava observando na cara dura e ficou sem jeito; mas aquilo era algo que Raizel não deixaria barato, ele jamais perderia uma chance de provocá-la.

— Se for pra você ficar me secando assim, a gente pode voltar pro quarto. — Mordeu o lábio inferior de forma sugestiva e fechou o convite com olhos tão sedutores quanto. — Terei certeza de saciar a sua sede.

E-Er… — Segurou o copo de suco próximo ao rosto, como se aquele pequeno recipiente tivesse uma área suficiente para esconder sua face corada. — Parece que você já tá bem melhor — sussurrou.

— Tudo isso me traz memórias ruins — disse, vendo o vulto do próprio reflexo no líquido escurecido de sua bebida — mas poderia ter sido muito pior.

— A Alícia poderia ter uma ligação direta com a Karen? — Mesmo que com certo receio, tocou no assunto. — O sobrenome dela era pior que os Nefilins Primor…?

Raizel concordou com um leve movimento de cabeça, indicando que não gostaria de assoprar a poeira de memórias tão distantes; mas, para a garota à sua frente, não parecia ser a mesma coisa.

Karen… Como será que ela era? Tinha uma personalidade mais livre e ousada? Se fosse assim, então ela e Raizel teriam chegado a… a avançar o sinal?

"Para de pensar nisso", falava para si mesma todas as vezes em que o nome daquela garota vinha à sua mente.

Apesar dos flertes e carícias mais intensas, mesmo quando sozinha com seu parceiro, Petra ainda não tinha conseguido chegar aos finalmentes; talvez uma consequência da reclusão que sofreu na infância? Era difícil dizer.

Os pensamentos sobre a Karen só pioravam a situação: como tinha sido o sexo com ela? O quão bem aquela garota tinha se sentido com Raizel? Ela tinha conseguido satisfazer ele?

Mais importante que isso…

"Eu posso… fazer melhor?" Mesmo sendo inexperiente e virgem? Era notável o quanto Raizel tinha expectativas para aquele momento; ela também. "Mas, e se eu só estragar tudo?"

— Culpa. — Vendo que o silêncio estava sendo mais nocivo que as palavras, Raizel jogou as cartas na mesa e cutucou suas feridas. — Eu não gosto de falar tanto sobre essa pessoa porque tudo que o nome de Karen Necron me traz é culpa.

Huh? — Petra o encarava, confusa. — Como assim?

— A Karen era uma invocadora, igual as outras Candidatas Reais. — O que as tornava altamente dependentes da proteção dos Neblins invocados. — Só há um cenário onde uma Candidata Real morre, e é naquele em que o Neblim falha.

Ainda podia se lembrar de como ele era muito mais arrogante e rancoroso do que nos tempos atuais. Sendo o mais forte, acreditava que conseguiria proteger qualquer um e em qualquer situação.

— No dia em que vi os olhos dela se fecharem pela última vez, entendi que independente do quão forte eu fosse, a vida sempre escorreria por entre meus dedos, o filho de um Anjo da Morte.

Naquele instante, a mente de Petra alcançou a iluminação. Vários pontos de quando os dois se conheceram e de como o treinamento dela foi estruturado começaram a se encaixar.

"Você se machucou porque a minha proteção foi ineficaz", foi o que Raizel disse enquanto se desculpava após resgatá-la, toda ferida, quando Joseph tentou levá-la de volta para o padrasto.

"Eu não me importo se você jogar sujo; tudo o que eu quero é que seja capaz de se proteger e de voltar com vida pra mim", o principal ensinamento de quando treinavam nas Montanhas Belluno.

Mesmo que estivesse preparando-a para ser sua parceira de duo, ele sempre a fazia enfrentar aqueles monstros bizarros de Erebus sozinha, sem a dependência da proteção dele.

— Então, era por isso… — Cabisbaixa, sentia uma mistura de alegria e tristeza; alegria por seu parceiro se importar tanto com ela, e triste pelo que ele passou.

O inteligente aprende com os seus erros.

O sábio aprende com os erros dos outros.

E Raizel não era mais do que um simples homem inteligente.

— Eu vou voltar pra você. — Fazendo-o cativo de sua fala, Petra levou uma mão até o peito e proferiu com determinação: — Eu sempre vou voltar com vida pra você, Rai!

Após um instante de surpresa, Raizel abaixou o rosto e esboçou um tênue sorriso de satisfação. Aquela garota tola sabia como pegar ele de jeito.

— Quão boa namorada você pode ser?

Um peso em seu peito diminuiu. De certa forma, ouvir aquilo o fez se sentir levemente perdoado por ter falhado em alcançar o trono de Arcádia para Karen Necron.

Mesmo assim, as Necrons ainda não tinham sumido por completo de sua vida; se bem que era complicado saber se Alícia ainda manteria o sobrenome falso.

— Você quer ser amiga daquela garota mesmo, não é? — Depois que Petra ouviu a história na noite passada, ela teve certeza de que teria sido um grande erro se Raizel tivesse matado a Alícia.

— Não foi culpa dela ter se tornado uma Nefilim Primordial, então eu acho que… — Considerando o clima hostil existente entre aqueles dois, talvez o seu desejo fosse mais egoísta do que ela pensava. — Você quer que eu evite contato com ela?

— De modo algum. — Raizel tinha os seus próprios motivos para manter distância daquela garota, mas o mesmo não se aplicava à sua parceira. — Faça o que desejar em relação a Alícia Necron.

No fim, Raizel sabia que Petra possuía um grande e bondoso coração, ela não havia desenvolvido sentimentos por alguém como ele à toa; sua parceira jamais ignoraria uma pessoa que tinha sofrido tanto quanto Alícia.

Ainda assim, não entendia bem como ela havia se aproximado tanto daquela garota em um período de tempo tão curto.

Tudo o que Petra contou foi sobre as duas terem participado de um jogo durante o segundo dia do Campeonato Sojourner, nada mais que isso.

— Como vocês duas se saíram no dia daquele jogo?

— Acho que a gente só perdeu por minha causa. — Riu um pouco tímida. Diferente dos demais, aquela tinha sido a sua primeira vez praticando aquele esporte. — Ah, sim! A gente enfrentou o Luke e a Milene no basquete.

— "Basquete"? — Parou de comer o omelete na mesma hora, até o alimento que descia pela garganta quase entalou, descendo em seco até o estômago. — E que uniforme deram pra vocês usarem?

"O uniforme?"

Petra ficou com a interrogação na mente por um momento, então se lembrou de que Alícia também tinha comentado algo sobre o que Raizel acharia daquela roupa, principalmente sobre…

— O shortinho…

Oh! E como seria esse shortinho? — Um pedaço de tecido minúsculo e coladinho ao corpo. — Eu quero ver.

— Ra-Rai? — Claro que nem água era o ciúmes de seu namorado, nem parecia que ele estava abalado por temas mais delicados há pouco. "Mas é ciumento".

Uma luz vermelha brilhou ao lado dela, dando forma a um conjunto esportivo de roupas femininas; daí Petra entendeu o que Raizel quis dizer com o "eu quero ver".

— Vista pra mim — ordenou, imperativo, sem dar espaço para uma contra-resposta.

Nervosa, a garota se levantou e deu as costas para ele. Ainda podia se lembrar nitidamente dos riscos que corria ao vestir alguma coisa criada pela Habilidade Inata de Raizel.

— Ne-Nem pensar! — contrapôs na base do impulso. — Daquela vez a roupa sumiu do nada e eu fiquei nua, lembra?

— Sim, eu lembro — sussurrou por trás do ouvido direito dela, ao passo que suas mãos passavam ao redor da cintura fina e a envolvia em seus braços. — Lembro de cada detalhe.

Petra sentiu as bochechas ficarem quentes como brasa, e não era por causa da temperatura ambiente. Se a intenção era deixá-la morta de vergonha, Raizel estava conseguindo.

— Não aceito que alguém, em toda a Criação, te veja de uma forma tão sensual quanto eu. — Vestidos e saias curtas sempre a deixavam graciosamente linda, mas aquele tipo de shortinho… aquilo deixava ele louco.

— Rai… — Falou o nome dele baixinho e com vergonha, o que só aumentava em Raizel o desejo de ter o pedido dele atendido. — Possessivo.

— Só não quero um bando de arrombado com os olhos sujos em cima da minha mulher.

O corpo de Petra deu uma leve encolhida ao ouvir a última parte. "Minha mulher?" Raizel nunca tinha chamado ela assim antes; soava meio estranho… mas um estranho bom.

— Eu já volto, tá? — Saiu do abraço dele e, depois de pegar o uniforme que estava sobre a mesa, deu uma olhada tímida para o namorado antes de sair. — Não vou demorar. Prometo.


Continua no Capítulo 139: Queda de Braço

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