O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 137: Uma Grande Fã

Tendo escutado Alícia narrar cada um dos acontecimentos em meio a um perturbador silêncio sepulcral, Raizel acabava de esvaziar a última gota da sua garrafa de vinho.

— Então é isso — disse, ao passo que observava a taça de cristal se desfazer em sua mão. — Uma ousadia sem limites.

Tentar clonar o poder original dele, aquilo só podia ser uma loucura completa. Trevor e Klaus alcançaram a proeza de abrir os olhos à vida apenas porque o próprio Raizel cuidou de tratar o material fornecido para a Academia de Batalha.

Apenas a essência de um híbrido divino foi entregue, fazendo com que os corpos dos nefilins artificiais possuíssem características físicas e Habilidades Inatas próprias.

— Um instante... — Com um certo teor de dúvida no olhar, indagou para a moça: — Você também tem o Fruto da Luxúria?

Alícia sentiu as bochechas esquentarem, então virou o rosto para o lado, constrangida. De qualquer modo, Raizel tinha chegado a resposta que queria.

Se aquela garota havia se tornado praticamente um clone feminino dele, era de se esperar que ela tivesse herdado os mesmos defeitos.

Er, bem…

Apreensiva, tentou fitar as íris carmesins do rapaz, o que resultou em uma falha certa: fazer aquilo enquanto ele estava imerso na história tinha sido mais fácil, mas — naquele momento — todo o foco de Raizel estava em cima dela.

— … Você não acha estranho eles terem conseguido o seu material genético para o experimento?

— Nem um pouco — disse, enfático. — Organização Perpetuum… Eles já conseguiram coisa pior.

Para obter o material genético usado para criar o Pseudoleviatã, que o próprio Raizel matou, deve ter dado muito mais trabalho; afinal, diferente dele, as Bestas Sagradas nem mesmo habitavam o mesmo plano existencial que eles.

— Que seja. — Estalou a língua e levantou-se de sua cadeira. — Lidar com essa gentinha é algo que eu posso fazer depois.

Cedo ou tarde, cada um dos Patronos da Perpetuum estariam fadados a cair por suas mãos; nesse dia, então, ele acertaria suas contas com aquela gente.

Agora, tudo o que o interessava era o que ele faria em relação à garota sentada cheia de bandagens, logo à sua frente.

— Deve estar com a garganta seca após contar uma história tão longa. — De frente para Alícia, criou um copo de vidro transparente contendo água gelada, e ofereceu para ela. — Beba.

— Tu-Tudo bem, eu…

— Beba — disse, imperativo — agora.

Vendo-se à beira de um colapso neural, a moça estendeu as mãos trêmulas até o copo e o tomou das de Raizel, repleta de um medo que tinha origem no mais profundo do seu ser.

Quase que de imediato, as faixas curativas da enfermaria do Campeonato Sojourner ficaram úmidas nas pontas de seus dedos.

Mais gelado do que a água límpida daquele copo, só o peito de Alícia. Quem a visse tão nervosa por causa de uma simples água não entenderia o risco envolvido ali.

"Veneno?" A saliva desceu seca por sua garganta. Raizel tinha reagido de uma forma muito mais calma do que ela esperava; tudo estava estranho demais.

Fechou os olhos com força e bebeu cada mínima gota de água, sentindo uma refrescância agradável acariciar seu paladar, bem diferente do gosto de morte que ela esperava.

"Era só água?" Foi quando a pressão de uma mão se impôs sobre a sua nuca e o frio de uma adaga afiada em seu pescoço veio para mostrar que sua vida ainda estava por um fio.

— Por que está com medo? — Mantendo a cabeça dela estática para a decapitação, os olhos de Raizel emitiram um brilho assassino e fugaz. — Se nós somos iguais, você deveria saber que não vai ser nem um pouco fácil te matar.

Caso fosse tão simples tirar a vida de um Nefilim Primordial criado a partir do conceito inexorável da morte, o próprio Raizel teria se destruído junto aos Gigantes e desaparecido com a podridão que manchava a história dos santos anjos.

— Mas você quer me matar… né? — perguntou, engolindo em seco.

— Ter alguém que conheça tanto sobre os meus pecados andando à solta por aí é um pé no saco, sabia? — Apertou a nuca dela com mais força e permitiu ao fio da adaga provar o gosto do sangue de Alícia. — Então, sim. Do mais profundo do meu ser, eu quero te matar.

A moça fechou os olhos mais uma vez e se contraiu, temerosa do que viria a seguir. Raizel poderia demorar até conseguir uma forma de destruí-la, mas isso não o impedia de massacrá-la continuamente até que alcançasse o seu objetivo.

— Sério, isso só pode ser piada — disse o rapaz, com certa indignação, enquanto a soltava e a adaga se desfazia em várias fagulhas de energia vermelha. — Primeiro a Karen, agora a Petra.

Se não fosse pelo sobrenome da Karen, ele já teria tirado a vida de Alícia há muito tempo atrás; para completar, no tempo presente, Petra tinha pedido para que seu namorado poupasse aquela garota.

— Po-Por quê? — Alícia se levantou confusa e segurou as costas da camisa do rapaz, que se afastava dela. — E-Eu pensei que…

Por alguma razão, uma pequena luz de esperança começou a brilhar dentro do coração triste e machucado dela; se ele a deixaria viver, então…

— Ir… Irmão, eu… — De imediato, Raizel parou, o que deixou Alícia mais nervosa do que já estava. Aquilo era o que ela mais tinha receio de falar, e também da resposta.

Era fato que, dada a semelhança de DNA entre os dois — em termos genéticos — eles seriam parentes; mas, em meio àquele emaranhado artificial, qual laço havia entre aquelas duas anomalias existenciais?

— "Irmãos" você diz? — sussurrou para si mesmo.

Assim como ele, Alícia foi abandonada por quem mais deveria acolhê-la. Assim como no seu caso, havia um vazio que sempre a acompanharia por onde quer que ela andasse.

Ambos tiveram que experimentar o gosto pútrido da morte para que pudessem estar vivos. Nenhum deles deveria ter chegado a nascer para começo de conversa.

Ainda assim… considerá-la como parte da família…

— Nós não somos irmãos. Nós não somos amigos. Nós não somos nada. — Então, virou-se e encarou-a com os seus olhos de Nether, os quais refletiam o mesmo tom de roxo que os dela, pronto para colocar uma pedra sobre aquele assunto.

— … Ma-Mas… — Sentindo o peito espremer seu coração, a voz de Alícia travou, dolorosa, em sua garganta, saindo nada mais do que sons quase incompreensíveis.

— Se quiser agradecer alguém por sair viva daqui, entregue suas palavras quando encontrar a Petra.

Enquanto chutava a garota devastada para fora do Reino das Espadas, tudo o que ele entregou foi uma visão de suas costas.

— "Irmã"? Não venha com essa palhaçada pra cima de mim… — Pela primeira, Raizel cuspiu todo o desgosto acumulado durante aquela conversa. — Aos meus olhos, você não é mais do que um maldito produto ruim.

Com as mãos apertando o peito maltratado, e enchendo-se de lágrimas, Alícia deu um triste passo para trás enquanto seu corpo era mandado de volta para a enfermaria do campeonato.

Tsc! Que merda! — Sozinho e revoltado, deu um pisão que fez todo o Espaço Dimensional tremer de uma ponta a outra, até mesmo as armas que flutuavam no ar. — Perpetuum…! Arklev…!

Aquele conflito havia se tornado algo mais do que profissional; por terem trazido de volta o fantasma abominável da sua pequena era de trevas, Raizel nunca descansaria até caçar e esmagar cada um daqueles porcos imundos.

No entanto, pelo que Alícia havia contado — caso ela não tivesse apenas delirando enquanto desmaiava na névoa de Erebus — o buraco em que a Organização Perpetuum se encontrava era muito mais fundo do que se podia imaginar.

— O Rafael, heim? — Com o que aquela gente estaria envolvida para chamar a atenção de um ser como ele?

O portador da Cura Divina, São Rafael… Arcanjo.

Todas as lutas do terceiro dia haviam chegado ao fim, o que fez Petra se despedir de Klaus e Eirin para que fizesse uma visita aos companheiros na enfermaria.

O que a pegou de surpresa foi saber que Trevor e Sophie já tinham se retirado do local, deixando-a sem companhia enquanto retornava para casa.

Raizel ainda estava sumido com Alícia; Petra só esperava que ele cumprisse o que prometeu e mantivesse a garota viva.

Além disso havia outra coisa que a perturbava: Andrew e Valentina também tinham desaparecido já tinha um tempo, o que era estranho considerando o quanto sua amiga fazia questão de estar ao seu lado.

"Será que ela tá bem?" Reflexiva, cogitava a ideia de fazer uma visita à amiga. "Ou será que fui eu que fiz alguma coisa?"

Tão perdida em seus pensamentos, não reparou na hora em que uma pequena garota passou correndo em sua direção e acabou trombando nela.

Ui! — Enquanto Petra deu um passo para trás, a outra caiu de bunda no chão, sujando seu vestido preto cheio de babados de poeira. — Você tá bem?

Só no encontro de seus olhos que Petra percebeu o quão escuras e profundas eram as íris da garota baixinha; tão sombrias que chegava a ser difícil diferenciar as íris das pupilas.

"A escuridão de um abismo sem fim." Foi então que o estigma de sua Chave de Goétia ardeu, obrigando-a a levar a mão que ofertava para a garota até o próprio peito. — Huh?!

— Olha só como eu sou desastrada. — Levantou-se sozinha e limpou a poeira do seu vestido, uma vestimenta que combinava fofura com um aspecto sombrio, o traje clássico de uma lolita gótica. — E aí, gostou da minha primeira impressão?

Petra estranhou a pergunta; embora a garota tivesse falado em voz alta, aquelas palavras — sem sombra de dúvidas — não foram direcionadas a ela.

— Nossa, eu devo tá parecendo uma esquisita assim — disse enquanto segurava as bordas do seu vestido de lolita e fazia uma breve reverência. — Me desculpe por isso, senhorita Petra. Eu vou tomar mais cuidado.

— Senhorita… Petra? — Estranhou a forma pela qual foi chamada. — Sabe quem eu sou?

— A sombra de Raizel Stiger, uma pessoa que subiu até a posição de Top 1 Rank S sem nunca ter fechado um portalzinho. — Apesar da descrição um tanto quanto negativa, ela falou como se nutrisse certa admiração pela moça à sua frente. — Todo mundo sabe quem você é, ou ao menos o básico, né?

No momento, Petra não se deu conta de que apertava o próprio peito com mais força, ou que uma pergunta saiu de seus lábios contra a sua vontade: — Quem é você?

Ah, sim! Eu me chamo Ophelia… — Apresentou-se com um largo sorriso na face. — Ophelia Abyss.

Por alguma razão, Petra sentia uma vontade estranha de se afastar da tal Ophelia — uma reação quase que instintiva, que não vinha dela mesma.

— Sabe, eu ficaria feliz se você pudesse lembrar de mim, afinal — Como se hipnotizada pelo movimento vagaroso dos lábios da garota, Petra ouviu cada uma de suas palavras com atenção. — Eu sou… sua grande fã.


Saudações, primordiais!

Aqui mais um arco se encerra e com ele vem uma pequena pausa de duas semanas.

Talvez já tenham reparado que costumo fazer um breve intervalo de um capítulo entre um arco e outro, mas dessa vez vai ser um pouco maior, uns três capítulos.

No mais, nos vemos de volta no dia 4 de dezembro com o início do penúltimo arco desse longo volume, provavelmente o maior de toda a novel.



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