O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 121: Pacto com o Diabo

Ao chegar em casa, Luke se deparou com um ambiente estranhamente silencioso. Mesmo que tenha demorado um pouco mais do que o esperado, era incomum que seu pai e Milene já estivessem dormindo.

Ah… — suspirou, decepcionado, enquanto deixava algumas sacolas sobre a mesa. — Esperava ser recebido com um pouco mais de entusiasmo.

Ao menos por parte da irmã, uma vez que o pai certamente viraria o rosto para o outro lado, em um ato de puro desgosto.

Luke tirou uma caixa circular de uma das sacolas, a qual continha os bombons de alfarroba que Milene tanto gostava.

A caixa de bombons foi apenas um dos itens que ele comprou em uma loja da Academia de Batalha Leviatã, e que esperava entregar para a irmã.

De qualquer forma, ainda a presentearia naquela noite, caso Milene não tivesse, de fato, ido dormir tão cedo.

— Eu que faço o exame, mas quem ganha presente é ela. — Refletir sobre aquilo o fez soltar uma risada singela, ao menos, até ver a entrada do quarto da irmã mais à frente. — Heim?

A porta se encontrava entreaberta, algo que Milene não costumava fazer. Ela era bem rígida com quem deixava entrar ali. Até mesmo algumas de suas amigas nunca tinham visto o quarto dela.

— Milene? — chamou enquanto começava a empurrar a porta, devagar. Entretanto, alguém terminou de abri-la antes dele.

Imóvel, contemplou a figura de um Marcus suado e sem camisa, que passou por ele como se nem o visse — como se aquela situação não fosse estranha.

— O que justo você estava fazendo no quarto dela? — De costas para o pai, Luke sentiu a caixa de bombons amassar em suas mãos. Incomodado por não ter recebido uma resposta do pai, exclamou: — Eu te fiz uma pergunta, velho!

— Lu… ke…? — Ainda que baixa e frágil, ele pôde ouvir a voz da irmã vinda do interior do quarto.

Dado o estímulo repentino, e o quão debilitada a voz de Milene soou, Luke esqueceu do maldito pai e entrou no quarto, desesperado, temeroso de que algo de ruim…

Estava tudo uma bagunça. Sua irmã sempre deixava aquele lugar um brinco. Mesmo assim, havia roupas jogadas no chão, as roupas dela: short, blusa, calcinha, sutiã…

Mas o que mais se destacava e o fez congelar — a ponto de deixar a caixa de bombons cair no chão — foi ver Milene cabisbaixa e encolhida sobre a cama, coberta apenas por um lençol até a altura do peito.

— Ir… mão…? — Devagar, ela levantou o rosto caído. Os olhos sem brilho exibiam um vermelho lacrimejante.

Era como se não existisse mais ninguém no corpo de sua irmã. Era como se ela tivesse se tornado uma casca vazia. Era como se… a consciência tivesse deixado o corpo para trás na tentativa de escapar do horror.

— Não… — Foi então que, ao reparar na presença de Luke encarando-a, em reação, os olhos de Milene se expandiram, e ela escondeu o rosto entre as mãos. — Não olha…

— Milene… — Deu um passo para a frente e estendeu um braço afim alcançá-la, o que não veio a acontecer.

— Não olha pra mim… — repetiu e repetiu; com o choro substituindo sua voz, ela repetiu. — Não olha! Não olha!

Por mais que tentasse, por mais que quisesse, não dava pra chegar perto dela. Parecia tão difícil, tão doloroso, tão distante.

Luke começou a andar, vagarosamente, para trás, como se empurrado pelas lamentações de sua irmã; lamentações que o feriam, roubando-lhe o próprio ar dos pulmões.

"Isso não é verdade." Fora do quarto, com olhos esbugalhados e incrédulos, levou uma mão trêmula até o rosto; a outra, na parede, o impedia de desabar no chão. "Mentira. Só pode ser mentira".

Um pesadelo? Uma técnica de ilusão? Ele só poderia ter caído em alguma técnica de ilusão do adversário durante o exame das Batalhas de Admissão. Só poderia ser isso.

Apesar de todos os conflitos que tinha com o pai, ele sempre fazia o possível para não gerar um ambiente de conflitos; tudo por Milene, tudo para que ela não crescesse naquele tipo de lar.

Sua irmã — o seu bem precioso — o único motivo que o mantinha firme estava quebrado, destruído em pedaços. Aquilo não era uma técnica de ilusão, o sangue fervente o fazia sentir isso.

— Maldito… — sussurrou enquanto mordia os dentes, deixando-os a ponto de quebrar. — Maldito velho imundo…

Com os olhos ardendo em fúria, caminhou a passos firmes e pesados, os quais ecoaram fortemente pelo corredor e só cessaram após dar de cara com o desgraçado, na cozinha.

— Qual é a dessa cara de cachorro doido? — indagou o pai, ao passo que se refrescava com um belo gole de água gelada. — Que calor, heim?

— O que você fez? — Fitou-o com ferocidade, pronto para avançar para cima do progenitor, que insistia em ignorá-lo outra vez. — Responda logo de uma vez!

— Você não é mais uma criancinha, Luke — respondia com uma naturalidade que fazia parecer que o errado era o próprio filho. — Você sabe o que rolou ali, não é mesmo? Mas saiba que foi consensual.

— Tá tirando com a minha cara, porra?! — Em um movimento bruto, o braço de Luke bateu e derrubou alguns utensílios da cozinha, produzindo uma sequência de sons metálicos desordenados.

Não obstante, sacou o arco e a impecável Visão de Arqueiro mirou bem no meio da cabeça do pai. As mãos trêmulas pela raiva jamais o impediriam de errar um disparo daquela distância.

— Assassinato, é? — caçoou Marcus. — Esqueceu que já é maior de idade?

De fato. Matar aquele verme o levaria direto para a prisão. Quem cuidaria de Milene depois daquilo? Algum parente do desgraçado, tão ruim quanto ele?

A maldita dúvida impedia de disparar a Flecha de Água Corrompida. Luke rangeu os dentes, em frustração. Aquele velho não poderia sair impune dali. Era inaceitável!

— Deixa de coisa, e vamos viver como a família feliz que nós somos.

— "Feliz"? — Como podia dizer tamanha asneira? A garota que chorava e soluçava no quarto não estava nem um pouco feliz. — Quem além de você tá feliz aqui…?

— Verdade! Foi incrível! — Marcus ria, sentindo-se a pessoa mais feliz do mundo. — Quem diria que ela ainda era virgem?!

Foi quando os olhos de Luke se arregalaram e todo o senso de racionalidade desapareceu de sua mente. A flecha se despediu do arco, estourando não só a cabeça de Marcus como também tudo o que encontrou pela frente.

Paredes, casas e eventuais pessoas que se encontravam na trajetória do projétil — naquela noite sem lua — tudo foi dizimado pela fúria de um majin ensandecido.

O criminoso estava morto, mas quem se encontrava trancado dentro de uma cela, com grilhões marcados pelas Gravuras de Atlas — as quais selavam seu poder — era o próprio Luke.

Isolado, sentado no chão frio, abriu os olhos e encarou as barras de metal que o separavam do lado de fora. Normalmente, quebrá-las seria uma tarefa tão simples.

— Maldição — lamentou-ee, não por ter o resultado do exame da Academia de Batalha invalidado ou por ser visto como um cão, mundo afora. — Milene…

Como ela estava? Depois que ele foi preso pelas autoridades da cidade — esperando o dia do julgamento que decretaria sua sentença definitiva — nunca mais teve contato direto com a irmã.

No julgamento, a derrota dele era praticamente certa. Independente do que o pai havia feito, a lei não o isentaria do crime de assassinato.

A fim de fechar o pacote de desgraças, ele acabou por exagerar no poder da flecha, o que ocasionou em uma destruição de quilômetros de alcance e ceifou a vida de muita gente.

— Execução? — Repousou as costas contra a parede, desanimado, já aceitando o infeliz destino. — No melhor dos casos, uma prisão perpétua?

— "Perpétua", eis uma palavra que me é de grande agrado. — Dada a aparição repentina do indivíduo, Luke se chacoalhou de susto. — Luke Lasker, correto?

— Você…

De todas as formas que o jovem majin imaginava algum dia se encontrar com aquele homem, aquela — sem sombra de dúvidas — estava fora de sua imaginação.

De aparência requintada, porém aterradora, o grande diretor da Academia de Batalha Leviatã — Nabuco Donosor — o encarava do outro lado da cela.

— Tanto potencial desperdiçado, aprisionado por essas infames Gravuras de Atlas — entoou as palavras de pêsames enquanto observava os símbolos gravados nos grilhões. — E tudo isso por culpa de outra pessoa.

— Parece que o diretor fez o dever de casa. — Claro que teria feito. A maior rede de inteligência do continente estava nas mãos das Academias de Batalha. — Mas, o que o traz até um miserável como eu?

— Eu já lhe disse, não foi, rapaz? — Então apontou um dedo, como se indicasse o óbvio. — Eu quero o seu potencial.

De todos os que prestaram o exame nas Batalhas de Admissão daquele dia, o majin Luke Lasker era, com toda a certeza, o mais promissor — a ferramenta mais útil.

— Entenda que eu posso encontrar uma solução para contornar a sua sentença, rapaz.

A respiração de Luke vacilou por um instante. Aquela possibilidade era tentadora, mas era óbvio que não sairia de graça, principalmente vindo do diretor da Academia de Batalha mais insana.

— Você estava certo quando disse que eu fiz o dever de casa. — Ao ver a indecisão do garoto, mesmo naquele beco sem saída, o diretor lançou a próxima carta na mesa. — Milene Lasker.

De imediato, Luke pulou e avançou contra o indivíduo, sendo incapaz de alcançá-lo, devido aos grilhões que o mantinham preso ali. Ainda assim, o tilintar das correntes evidenciava seu desespero perante o nome da irmã.

— Como… Como ela está?!

— Digamos que, diferente de você, eu nem consegui chegar perto dela. — Cruzou os braços robustos antes de transmitir os fatos. — Na verdade, nenhum homem, nem mesmo terapeutas, conseguiram se aproximar daquela garota sem que ela entrasse em pânico.

Diante do exposto, Luke só podia cair de joelhos e engolir a mágoa, congelado — afogado em tristeza e ódio.

Se o que aquele homem falava fosse verdade, não, era praticamente certo de que era verdade — bastava se lembrar da reação de Milene ao ser vista no quarto — ela poderia entrar em pânico até mesmo com a aproximação dele, seu próprio irmão.

— Me tire daqui — implorou do fundo da alma; para que tivesse pelo menos uma chance de corrigir seu erro, ele implorou. — Eu aceito o que você quiser, só… só me tire daqui.

— Porém, o que eu quero em troca é…

— Não importa o que seja. — Se tivesse que matar, mataria; se tivesse que destruir, destruiria; se tivesse que enganar, enganaria.

Uma determinação capaz de levar o mundo à ruína, aquilo era o que o diretor da Academia de Batalha mais insana buscava em seus fantoches promissores.

Hahaha! — O êxtase era tão intenso que o impedia de conter o riso. — Realmente deseja fazer um pacto com o diabo sem nem mesmo conhecer os termos?

— Não tô nem aí se o mundo tiver que queimar — ressaltou, pondo-se de pé, disposto a entregar a alma em troca da liberdade. — Me tire daqui.


Continua no Capítulo 122: Servos da Morte

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