Volume 2 – Arco 5
Capítulo 120: Noite sem Lua
Com os longos cabelos úmidos pela água do banho, Milene se via frustrada — as mãos na cintura fina — após reparar que havia esquecido de levar uma toalha para o banheiro.
— Ah! Que ódio! — Era sempre um porre quando aquilo acontecia, só que, naquele momento, não havia ninguém em casa para trazer uma toalha para ela.
Dado o horário da tarde, Marcus Lasker, o seu pai, ainda estava no trabalho; e Luke havia saído, talvez só voltasse no início da noite.
Como o irmão tinha alcançado a maioridade há pouco tempo, enfim ele poderia se inscrever para participar do exame das Batalhas de Admissão da Academia e formar um duo.
— Ahh… — suspirou e colocou o rosto para fora da porta do banheiro. Deu umas olhadinhas pelo corredor vazio enquanto gotículas de água deslizavam pelas curvas de seu corpo desnudo. — Já que não tem ninguém mesmo, né?
Secou os pés no tapetinho da saída do banheiro e começou a andar livremente pelo corredor; o quarto dela, apesar da casa ser bem grande, não ficava tão longe.
Foram poucas as vezes em que Milene pôde desfrutar da casa todinha para ela. Andar por ali totalmente despida chegava a ser — de certa forma — leve e libertador, mas era inegável que o piso gelado maltratava os pés descalços.
— Ui, ui, ui! — Apressando os passos, para escapar do castigo gélido sob a sola de seus pés, chegou ao fim do corredor e virou à esquerda, a direção que a levaria ao quarto. — Maldito clima fri…
Foi quando bateu de cara na parede e deu um passo para trás, levando uma mão até a testa machucada. Se bem que não estava doendo tanto quanto ela imaginava.
— Milene? — indagou a voz grave de um homem alto e robusto, a parede na qual ela deu cara. — Por que você não tá vestindo na…?
Um grito alto e agudo da moça o interrompeu antes que ele conseguisse falar algo a mais. Totalmente constrangida, Milene se abaixou encolhida, escondendo tudo o que podia, enquanto o repreendia, com o rosto todo vermelho.
— Por que você ainda tá olhando, pai idiota?! — Foi só então que Marcus se virou de costas para a moça e soltou um suspiro pesado. — Sai, sai!
— Vista algo logo e pare de fazer tanto alarde — disse enquanto começava a andar, devagar, em direção ao banheiro que sua filha havia acabado de sair. — E você nem é tão diferente da sua mãe.
Milene engoliu aquelas palavras em seco e foi correndo até o quarto, o mais longe possível daquele que deveria chamar de pai.
"Como pode falar assim da mamãe, velho idiota?!"
Às vezes, ela tinha dúvidas sobre os motivos que levaram sua mãe a se relacionar com aquele homem. Marcus poderia ser chamado de um bom majin, mas nunca de um bom pai.
Os mínimos pontos positivos que ele tinha passaram a desaparecer pouco a pouco após a perda da esposa, alguns anos antes.
Por outro lado, o próprio Marcus — já dentro do banheiro — pressionou a ponta do dedo indicador direito sobre um pequeno ponto preto na parede que ficava oposta ao choveiro.
O ponto preto desgrudou e ficou preso em seu dedo, o que fez o homem soltar uma pequena gargalhada.
— Então, quais são as pérolas que conseguimos hoje?
De todas as coisas que Marcus esperava ao chegar em casa — depois de sair mais cedo do trabalho — encontrar Milene naquela situação não era uma delas.
Porém, o que ele não pôde ver com calma no corredor começou a ser refletido em uma tela de energia, a qual saiu do relógio em seu pulso, após o tal ponto preto ser inserido no acessório.
— São mesmo parecidas. — Sem pudor, seus olhos contemplavam a imagem de Milene tomando banho e a comparava às memórias da falecida esposa. — Apesar do fruto ainda estar um pouco verde.
Enquanto se debatia dentro do desespero de uma bolha de água escura, o infeliz rapaz contemplou — pela última vez — os olhos de desinteresse de seu adversário.
— Muito fácil — disse Luke, pouco antes de estalar os dedos e fazer vários Espinhos de Água perfurarem o oponente, deixando-o igual a um queijo cheio de furos. — Esperar por essa luta foi um saco.
Quando a bolha de água enfim estourou, o perdedor caiu dolorido, sem qualquer força para se levantar.
Na plateia, o público ovacionava o vencedor. Sem dúvidas Luke Lasker seria uma grande aquisição para a Academia de Batalha Leviatã.
Porém, para o jovem rapaz, tal opinião não era de grande importância. A única coisa que o interessava era poder sair da casa do pai o quanto antes.
"Espero que dê pra fazer a mudança em breve", pensava enquanto se retirava da arena das Batalhas de Admissão e caminhava sozinho pelo corredor que o levaria de volta à arquibancada. "Claro, não é como se tivesse como eu ser reprovado".
Confiante em sua aprovação, decidiu não ficar para assistir o teste dos outros candidatos a membros da Academia.
Bastava esperar a comunicação do resultado em casa e, então, poderia abandonar o lar do pai. Mas, acima de tudo, poderia levar a irmã para morar consigo.
— A Milene vai adorar esse lugar.
Já nas ruas da Academia, observou a clássica arquitetura medieval das construções ao redor. Não havia quem pudesse falar mal da aparência das casas.
As paredes de pedra transmitiam uma imponência que se alinhava à elegância dos vitrais coloridos e ao aconchego da arborização natural das ruas.
— Se bem que qualquer lugar, que não tenha aquele velho por perto, já parece bom.
Luke, em especial, nutria certa aversão às ideologias do pai. Por mais que fosse um majin, viver à procura do mal apenas o levaria à ruína.
"Se te ferirem a face, em vez de entregar o outro lado, fira a do agressor de volta. Ainda assim, não seja o que fere primeiro", era como ele costumava pensar na época.
Marcus, por outro lado, bem… ele era sempre o primeiro a bater. E essa diferença de ideologias era o que gerava atrito entre pai e filho.
Geralmente isso não levava a grandes conflitos, mas, depois que a mãe dele morreu, conviver com o seu velho se tornou algo quase insuportável.
Dia após dia, as agressões verbais só aumentavam, levando Luke e Marcus a ponto de quase saírem na porrada.
Se havia algo que fazia Luke se conter frente às injúrias do pai, esse era o bem-estar de Milene — a única pessoa que ele ainda considerava como parte da família.
— Que frio. — Sentiu o corpo tremer de leve. Havia chovido nos últimos dias, e o céu ainda estava nublado. Até mesmo a lua estava finalizando a fase minguante, quase invisível no céu. — Um cafezinho da Milene cairia bem agora.
Deitada em sua cama, pronta para dormir, a garota abraçava um travesseiro macio, em formato de coração, enquanto rolava de um lado para o outro.
Se o pijama — composto por um shortinho e uma blusa leve — indicava a buscava pelo sono, a mente frenética a impedia de sequer fechar os olhos.
— Tá demorando muito pra voltar — murmurou emburrada, enquanto abraçava o travesseiro com mais força. — Irmão idiota.
Por mais longe que a Academia de Batalha Leviatã fosse, Luke estava demorando demais para retornar. Naquele ritmo, ela não poderia parabenizá-lo por fazer o teste.
Ou seria possível que o irmão, na verdade, tenha conhecido algumas pessoas interessantes por lá e decidiu comemorar com elas?
"Será que ele tá curtindo com uma garota?"
Foi então que ela ouviu algumas batidas do outro lado da porta de seu quarto. Empolgada e cheia de expectativas, levantou-se num salto.
— Luke? — Correu até a porta e a abriu, esperando receber o irmão de braços abertos e pular no peito dele para comemorar o resultado inevitável. Entretanto, sua empolgação caiu por terra assim que viu a figura diante de si. — Ah, é você.
Parado na entrada com uma postura firme e os habituais olhos frios, Marcus segurava um pequeno envelope em mãos, igual aos que costumava usar no trabalho.
— O que você quer?
— Vim apenas pra te entregar isso — disse em tom seco enquanto oferecia o envelope para ela, que o pegou com certa desconfiança. — Posso entrar?
— Não. — Foi enfática e breve em sua resposta. Apenas deu atenção em abrir o tal envelope e acabar com aquilo rápido. — Sabe que não gosto de gente entrando aqui.
— Certeza de que não quer ver sentada?
— O que…? — Os olhos de Milene eram incapazes de acreditar no que viam. As mãos dela quase deixaram o material cair no chão, em choque. — O que… significa isso?
De diferentes ângulos e em situações distintas, mas com um ponto em comum, as fotografias em suas mãos retratavam sempre a mesma coisa: o corpo dela nu em situações embaraçosas, sem a decência de esconder um detalhe sequer.
— Eu perguntei o que…?! — Antes que pudesse gritar mais do que aquilo, uma das mãos de Marcus fechou a boca dela, apertando as bochechas com força.
— Pare de fazer tanto alarde — disse, enquanto a garota o encarava com olhos desesperados e fazia o possível para se soltar. — Isso só vai te machucar mais.
Então apertou as bochechas da filha com ainda mais intensidade, fazendo uma lágrima escapar dos olhos dela — se de dor ou de medo, não era possível saber.
Ignorando o desespero da garota, desceu o foco de sua visão pelas curvas do corpo dela. De fato, ainda estava um pouco verde, mas, em breve, seus filhos sairiam de casa. Não havia mais tempo disponível para esperar o fruto amadurecer.
— Vou soltá-la agora — disse, com a voz próxima ao ouvido dela. — Vê se para de gritar.
Assim que o aperto nas bochechas afrouxou, Milene se afastou o mais rápido que pôde. Seu rosto doía, mas não tanto quanto as batidas compulsivas de seu coração.
— O deu… em você? — falou, quase sem voz e deixando as fotografias cair no chão. — Seu louco.
Quando Luke soubesse daquilo, ele jamais deixaria os atos do pai passarem em branco. Conscientizar Marcus daquilo aparentava ser a única saída visível para Milene naquele momento, no entanto…
— Nem preciso dizer que tenho mais dessas fotografias espalhadas por aí, não é? — Observou as que sua filha deixou cair no chão. — Muita gente vai adorar ver elas.
Sob efeito do risco iminente, a cabeça de Milene já não conseguia raciocinar com perfeição. Se pudesse pular pela janela e correr para longe dali — para longe do perigo — ela o faria; mas, como um animal encurralado, não tinha para onde correr.
— Lu… o Luke…
— É, o garoto vai adorar ver a vergonha de irmãzinha que ele tem.
As palavras desceram rasgando a garganta de Milene. Que qualquer um a visse com maus olhos, menos o irmão. Ele não.
— Que… Queime isso — suplicou, como quem implorava pela vida. A voz embargada pela tensão. As pupilas dilatadas pelo medo. — Some com isso!
Vendo que já estava no controle absoluto da situação, Marcus não conteve um riso torto. Aproximou-se mais da garota, o que a fez recuar alguns passos para trás até que esbarrasse na cama.
— No mundo dos adultos, quando nós queremos alguma coisa é necessário pagar por isso — disse enquanto tirava o cinto, bem devagar, fazendo-o chiar contra o tecido grosso da calça. — Você vai pagar o preço?
— "Pre… ço"? — Milene sentiu a barriga gelar e as pernas ficarem bambas, como se não tocassem mais o chão; e assim seu corpo cedeu à gravidade, incapaz de ficar de pé.
Ela era a filha dele, mesmo assim, aquele cara não hesitou em mostrar aquela coisa medonha e grotesca, e ainda ameaçá-la com aquilo.
Fosse as lágrimas de medo ou o grito de socorro, a castidade ou qualquer traço de dignidade, tudo lhe foi roubado naquela noite fria pelo inferno vil posto diante de si.
Continua no Capítulo 121: Pacto com o Diabo
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