Volume 2 – Arco 5
Capítulo 119: Vislumbre x Sacrifício
Ao sinal do primeiro passo de Esteban, mais uma das flechas de Luke estourou ao ser rebatida pela arma do rival. A cada passo lento dado, só era possível vislumbrar o rastro de luz dourada deixado pelos ligeiros movimentos da lança.
Pé após pé, Esteban reduzia a distância existente entre ele e o adversário, e uma grande quantidade de Água Corrompida se espalhava pelos arredores, podendo muito bem inundar a arena outra vez.
— Suas flechas não me parecem mais tão rápidas quanto antes — ressaltou, com sua voz sendo parcialmente obstruída pelo som das flechas estourando. — Suas mãos já se cansaram?
— Ora, seu… — rosnou igual a um cão enfurecido, mas sem oportunidade para que pudesse morder.
Ao firmar os pés no chão, de modo a criar rachaduras e fazê-lo estalar ao ser rompido, Esteban realizou um forte balançar de lança, o qual jogou uma densa pressão de ar contra seu adversário.
As flechas que vinham na direção dele logo foram arremessadas para trás; até mesmo o próprio Luke se viu obrigado a fazer esforço para não ser jogado para longe.
— Maldição! — Com os pés sendo presos novamente pelas raízes, Luke desistiu de atirar e levantou o braço que segurava o arco.
Seu adversário cruzou o espaço que os separava em um instante — uma lufada de vento indicava a aproximação do algoz — então, sem hesitar, Luke desceu seu arco, rápido, e barrou a investida do oponente.
Pela intensidade do impacto, seu corpo foi jogado para trás; nem as raízes de Esteban foram fortes o suficiente para mantê-lo firme no lugar.
Ainda assim, aquilo de nada adiantou para escapar das garras do tenjin determinado. Logo uma fisgada no ombro e o zunido de uma lâmina cortando o ar foi tudo o que os sentidos de Luke conseguiram captar.
— Haha! — Esteban havia arremessado sua lança para pegar o adversário em um movimento inesperado, no entanto, Luke ria triunfante. — Idiota!
Abriu mão de sua arma e o máximo que alcançou foi fazer um pouco de sangue escorrer pelo ombro do adversário.
Ainda que tenha sido um ataque imbuído com energia divina, Luke não cairia por causa de um ferimento tão superficial, ou era o que se passava pela mente dele.
Apontou o arco — uma mira perfeita — jamais erraria daquela distância, no entanto, na hora de mover o braço que segurava a Flecha de Água Corrompida, o ombro ferido travou.
— Mas que diabos…? — Observou, espantado, enquanto raízes e flores emergiam de seu corpo. — Que caralhos é isso?!
Como vermes se movimentando e comendo sua carne por debaixo da pele, Luke sentiu as raízes que se espalhavam de forma agonizante; enquanto isso, Esteban juntava as palmas das mãos, como se meditasse.
— Arborificação: Florescer Devoto.
Dos ferimentos causados pela lança de Esteban, belas flores nasciam e se espalhavam pelo corpo do adversário, transformando-o em um terreno fértil para a perpetuação da natureza.
— Não precisa se preocupar tanto — ressaltou o lanceiro. — Ao final do combate, eu irei reverter o efeito do Florescer Devoto.
Afinal, por mais que Luke fosse merecedor de tal fim, as regras do campeonato ainda proibiam a morte dos participantes.
— Piedade? — falou, quase soltando uma gargalhada, enquanto largava o arco no chão e enfiava os dedos dentro do ferimento de flores, sem qualquer anestesia. — Quem disse que eu preciso da sua piedade?!
O estalo de ossos se quebrando ecoou pelo lugar, junto do sangue e da carne, que fez o público torcer a face em nojo ao assistir Luke arrancar o próprio braço e jogá-lo para o lado.
— Você e essas suas plantinhas… — Com os dedos já pegajosos de sangue, arrancou o restante das raízes de seu ombro. — Vão tudo pro inferno!
E, após um forte pisão de Luke, Esteban sentiu a terra vibrar sob seus pés, no entanto, aquele tremor não advinha do impacto do pé de seu oponente.
Como um gêiser eclodindo em fúria, uma densa coluna de água negra, escura como petróleo, empurrou o corpo dele para cima até fazê-lo se chocar contra o topo da barreira de proteção.
Esteban queria gritar e revidar, mas a pressão da água o impedia de movimentar sequer um dedo para sair dali. Para alguém que costumava prender os outros com raízes, se ver imobilizado chegava a ser irônico.
Tal situação só não era pior do que os pulmões que perdiam o ar, cada vez mais apertados pela caixa torácica, a qual estava a ponto de ter os ossos trincados.
No fim, Esteban conseguiu pôr algo para fora de sua boca: uma massa viscosa e vermelha de sangue.
"Ainda… não!" Luke já havia perdido um braço. Sem o suporte da arma dele, seria mais fácil derrotá-lo. Bastava apenas sair dali e ir com tudo em uma estocada fatal. "É só… sair… daqui…"
— Força, irmão… — Encarando a tela de projeção, que transmitia a luta de seu irmão mais velho, o jovem Javier apertava as mãos unidas enquanto torcia. — Você consegue se soltar disso, eu sei que consegue.
Sentada ao lado do rapaz, a mãe Dolores se mostrava igualmente apreensiva. Mais e mais sangue jorrava do corpo de seu filho e se perdia, carregado pelas águas do inimigo.
Assistir a dura peleja de Esteban era a única coisa que ambos, no fim, podiam fazer. Diferente do irmão, o resultado do Exame de Aptidão revelou que Javier não herdou nenhuma Habilidade Inata.
Assim, Esteban não viu outra alternativa para realizar o sonho da mãe, senão ingressar ele mesmo na Academia de Batalha — mesmo que, no fundo, não fosse sua vontade genuína.
"O que foi que eu fiz?" Dolores levou as mãos trêmulas até o rosto e escondeu os olhos entre elas, buscando não ver mais a forma brutal que seu filho era pressionado.
Até mesmo ao Vislumbre da Glória Esteban havia recorrido, havia aberto mão de parte de sua vida — meses os quais poderia ter usado para desfrutar da juventude, do romance e da família — tudo para realizar o desejo egoísta de sua mãe.
"Me perdoe, Esteban."
— Olho por olho, dente por dente. — Do braço restante de Luke, um fino, firme e veloz jato de água pressurizada teve origem, fatiando o piso da arena como se cortasse isopor. — Somos diferentes, mas nisto ficaremos iguais.
Ao levantar de sua mão, a água cortou a barreira de proteção e o Gêiser de Água Corrompida, de baixo para cima, alcançando o braço direito de Esteban no processo.
O membro decepado logo foi carregado para longe, e o fluxo de água mudou da forma de um gêiser para a de um braço robusto, o qual apertou o corpo do tenjin — de modo que a agonia de Esteban se misturou ou soar dos ossos espremidos — e o amassou com um estrondoso impacto contra o chão.
— E aí, ainda disposto a lutar, abençoado? — No entanto, antes que pudesse responder, Esteban sentiu seu corpo ser espetado de todas as direções. Aquela mão de água agora o prendia como um caixão cheio de agulhas. — Esperava mais do seu Vislumbre da Glória, sabia?
— Ha… Hahaha… — Ainda com a cara amassada contra o chão e os dentes manchados de sangue, Esteban encarou o adversário, com confiança no olhar. — Tá esquecendo de nada não, peste demoníaca?
Quando Luke percebeu o erro, era tarde demais. Em um breve momento, um grande buraco se formou em seu peito, tendo origem nas suas costas.
"A lança…" Com a coluna vertebral destruída, Luke viu seu corpo ir ao chão como uma marionete que teve as linhas cortadas. — Minhas pernas… — Era impossível senti-las.
Para completar a desgraça do majin inerte, o Florescer Devoto começou a entrar em ação. As flores e as raízes se espalharam pelo seu corpo, prendendo-o no chão — anunciando o fim da aura do Sacrifício Sangrento.
"N-Não!" Esforçou-se para inclinar a cabeça e ver a irmã dentro da Bolha de Cura. Ele não podia deixá-la sozinha em meio ao perigo outra vez.
Acompanhado de um espasmo muscular, Luke vomitou sangue sobre si mesmo. O desgaste do Sacrifício Sangrento já estava cobrando a conta.
— Dro… ga… — Pouco a pouco a imagem da irmã era a última coisa que se perdia na visão desfocada do majin.
Com olhos aflitos, Milene enxergou o irmão desaparecer, sendo transportado para o tratamento na enfermaria. Naquelas condições, Luke não poderia mais prosseguir com o combate.
"Por que, irmão?" A moça escondeu o rosto entre as pernas e esperou Esteban se aproximar, todo furado, da Bolha de Cura. "Você nunca muda".
— Sinto muito por ter que finalizar a luta assim — disse, erguendo a lança com o braço restante e o rosto lotado de dor. — Não há nada pior do que machucar alguém indefeso. Se você só desistisse, eu agradece…
Palavras roubadas juntas a um coração arrancado foi tudo o que Esteban recebeu como parabenização pela vitória contra Luke.
— Hã? — Ao olhar para seu peito esquerdo, tardou um momento para notar o que havia acontecido. — Aquele cara…
"O meu irmão nunca iria me deixar desprotegida." Por outro lado, Luke programou a Bolha de Cura para disparar uma veloz Bala de Água quando alguém se aproximasse dela, a mesma que fez Esteban perder o coração e cair de joelhos.
O rapaz largou a arma e levou a mão até o buraco no peito esquerdo, mas não antes de ser esmagado por uma enorme bola metálica cheia de espinhos.
— Isso é pouco pra pagar o que fez ao meu irmão — disse Milene enquanto saía da Bolha de Cura. — Seria melhor se você morresse.
Mas, nesse ponto, ela não teve felicidade. Quando removeu a bola de espinhos de cima do tenjin miserável, Esteban acabava de ser transportado para a enfermaria.
Maior que a frustração era a tristeza ao se ver sem a presença do irmão mais velho na arena arruinada, tão devastada quanto seu coração.
— Vou acabar com isso rápido — disse, ao passo que olhava para o campo de flores onde Alícia se recuperava — então poderemos ficar juntos logo, querido irmão.
Continua no Capítulo 120: Noite sem Lua
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