O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 117: Violência Necessária

Um a um pequenos brotos emergiram do solo queimado à frente do jovem Esteban e juntaram-se às demais árvores do vasto campo há pouco reflorestado.

Após um acidente envolvendo criaturas de fogo, as quais surgiram de repente durante uma noite de alguns dias antes, a maior parte da Floresta Shitake virou nada mais do que um amontoado de cinzas ao vento.

O fogo se alastrou de modo a atingir as casas mais próximas da floresta, incluindo a da família de Esteban, o qual foi convocado para cuidar do reflorestamento com a sua Manipulação de Natureza.

Após um árduo dia, enfim cada mínimo pedaço de terra estava coberto pela sombra das diversas espécies de árvores nativas da região.

— Bom trabalho, garoto — chamou-lhe a atenção um homem de meia idade, o qual se encontrava acompanhado por um grupo de seguranças que, igual a ele, trajavam ternos escuros. — Quão grande é a nossa sorte por ter alguém que conhecia todas essas árvores?

— Fico grato, senhor prefeito. — Esteban fez uma pequena reverência e indagou solene: — Há algo mais a ser feito?

— Das demais coisas, cuidaremos nós. — Tirou um requintado charuto do bolso e levou até a boca, então, enquanto acendia-o, falou: — Esteja certo de que será recompensado de forma adequada pelo serviço, meu jovem.

O pequeno tenjin fez sua segunda reverência, em sinal de respeito e agradecimento. Sem dúvidas, receberia uma quantia gorda por reflorestar toda a área.

Era melhor assim. Ganhar dinheiro enquanto cuidava da natureza era muito mais agradável do que recorrer a métodos que usavam da violência, como os duos das Academias faziam.

— Você não vem conosco, meu jovem? — indagou o prefeito, já em retirada junto aos seguranças.

Esteban negou com um balançar de cabeça. Não estava habituado a viajar em carruagens tão luxuosas quanto a do governante daquela cidade.

— Eu gostaria de velar as árvores mortas por um pouco mais de tempo, senhor prefeito — disse em tom solene. — Se assim me permitir.

Por um momento, o homem se mostrou resistente à ideia do garoto. Esteban era muito jovem para ser deixado ali sozinho

Usuários de Manipulação de Natureza eram mesmo muito estranhos quando se tratava de lidar com plantas e animais.

— Você — apontou para um de seus seguranças — escolte o garoto em segurança até em casa ao final do rito dele.

— Como desejar, senhor.

E assim as coisas se decorreram.

Esteban se abaixou e colocou uma mão sobre o solo. Ainda havia cinzas pelos arredores, e ele podia sentir o mínimo resquício de vida das árvores antigas.

"Sinto muito que tenha acabado assim para vocês." Com um olhar melancólico e um suspiro baixo, permaneceu em silêncio por algum tempo. "Espero que aceitem as substitutas que plantei em seus lugares".

Se passaram minutos ou horas, o garoto não sabia dizer. Ele apenas continuou parado e calado, com o segurança em pé logo atrás.

Quando deu por si, percebeu que o céu já havia escurecido, restando um tênue traço dos raios do Sol.

Levantou-se e caminhou em direção ao homem que fez sua guarda durante todo aquele tempo.

— Obrigado, e sinto muito por te fazer esperar tanto.

De volta ao abrigo criado para receber os desabrigados da catástrofe, Esteban caminhou pelo longo e largo corredor, passando por uma quantidade incalculável de beliches sobrepostas umas às outras.

— Irmãozão! — Antes que pudesse falar algo, uma criança, ainda mais jovem que o próprio Esteban, agarrou a cintura dele. — Você demorou muito, muitão!

Haha! Sinto muito, Javi — falou enquanto passava uma mão na cabeça do pequeno Javier. — Onde está a mamãe?

— Ela foi buscar marmita. — Após responder a pergunta, enfim a criança o soltou. — Tem um tempo já.

— Já tá na hora do jantar, heim? — disse mais para si mesmo do que para o pequeno. — Eu demorei mesmo.

Isso explicava o porquê de ter uma quantidade tão pequena de pessoas no abrigo, em relação ao número de beliches.

Sem comentar muito mais, guiou o irmão menor até às beliches deles, as quais não se encontravam distante, tanto que o pequeno o estava esperando lá até vê-lo se aproximar.

Junto de sua mãe, Dolores Roy, Javier era o único membro próximo da família que ele ainda tinha. Seu pai havia morrido pouco tempo após o nascimento do irmão menor.

Alejandro sempre foi um bom pai, no entanto, como qualquer outro membro das Academias de Batalha, ele teve que recorrer à força de seus punhos para ganhar a vida.

O destino não poderia ter sido outro: durante uma missão sigilosa, a qual investigava o desaparecimento de usuários de Manipulação Espacial, Alejandro teve o trágico fim pela decapitação.

"A violência nunca compensa." Por isso, mesmo que tenha nascido com uma Habilidade Inata, mesmo que fosse o sonho de sua mãe, Esteban se recusava a ingressar em uma Academia de Batalha. "Não posso ter o mesmo fim que ele."

— Que alegria ver os meus bebês juntinhos — disse a voz de uma mulher madura, logo atrás dos dois irmãos. — Não vão dar o abraço da mamãe?

O pequeno Javier foi o primeiro a correr e fazer chover carinho sobre sua bela mãe. Apesar do tempo e da boa aparência, ela nunca buscou um novo casamento, recusando o pedido de eventuais pretendentes.

— E você, Teteban? — Abriu os braços para o filho mais velho que, virando o rosto envergonhado, mostrou que não faria algo tão constrangedor em público. — Quando crescem, ficam tão frios.

A mulher suspirou e tirou três embalagens de alimento da pulseira em seu pulso esquerdo. A primeira entregou para o filho menor; a segunda, para Esteban; e a terceira, ficou para si.

Sentados lado a lado na beliche de baixo, os três começaram a comer juntos, mesmo que tivessem que dividir o espaço um tanto quanto apertado da cama.

— Como foi o trabalho hoje, meu bem? — indagou para Esteban. — Ocorreu tudo bem? Você chegou tarde.

— Sim, deu tudo certo — respondeu, com o olhar baixo. — Vão pagar bem, então a gente não deve passar dificuldades quando essa bagunça toda acabar.

— Dinheiro não será problema, meu querido. — Dolores ressaltou, ao passo que conseguia vislumbrar o futuro promissor do filho. — Em breve, você poderá entrar para uma Academia de Batalha.

Esteban ficou em silêncio e encarou o restante da marmita com pesar. Era doloroso ter que frustrar as expectativas da mulher que cuidava dele e de Javier com tanto esmero.

— Quanto a isso, mãe, eu…

Interrompeu sua fala ao reparar em outro daqueles homens vestidos de ternos pretos caminhando em sua direção.

"Sério, o que foi agora?"

— Senhor Esteban — disse em tom respeitável enquanto mantinha uma distância aceitável do garoto — sinto ter que informar que precisamos de sua ajuda com urgência.

Segundo as palavras do indivíduo, um grupo de bandidos havia assaltado o ouro de um dos bancos afetados pela catástrofe — que estava sendo transportado para outro local — e escapou ao se refugiar pela floresta que o garoto tinha acabado de reerguer.

Dadas as circunstâncias, ninguém era melhor para ajudar a localizar os assaltantes do que aquele que reconstruiu a floresta quase que por inteira e possuía a Manipulação de Natureza.

— Eu não sei se sou útil— disse Esteban. — Não quero machucar ninguém.

— Você só precisa ajudar no rastreamento. — Aquele homem parecia estar nem um pouco a fim de desistir de levá-lo; para tudo o que Esteban pensasse, ele já tinha uma resposta pronta. — Nós cuidaremos do conflito.

Ainda assim, o garoto parecia receoso. Quem poderia garantir que tudo acabaria bem? As chances de alguém morrer ali eram reais.

Então, Esteban sentiu a mão de sua mãe repousar gentilmente sobre a dele. Com um sorriso tênue, demonstrou o quanto estava preocupada, mas que também queria que ele fosse.

— Pessoas precisam de sua ajuda. — Ele ouviu aquelas palavras sem ter coragem para rebater-las. — Mas volte pra mamãe, tá bom?

— Cê vai pra uma aventura, irmãozão? — indagou o pequeno Javier, com brilho nos olhos.

— Parece que sim — respondeu fazendo um cafuné carinhoso na cabeça do menor. — Cuide da mamãe enquanto eu estiver fora, Javi.

Saltando entre os galhos das árvores, Esteban acompanhava um grande grupo de pessoas, as quais estavam bem equipadas com armamentos de ataque e defesa.

Ele não sabia quem eram os ladrões, com precisão, só sabia que logo estariam com problemas.

Assim como os olhos do garoto, os dos demais integrantes do grupo emitiam um fugaz brilho amarelado, proveniente de algumas Margaridas de Luz criadas por Esteban.

A planta, a qual costumava desabrochar apenas pela noite, produzia uma espécie de líquido que ajudava a enxergar na escuridão com mais clareza.

— Nós já estamos chegando — alertou Esteban.

Graças à sua forte conexão com a vida vegetal, ele conseguia sentir precisamente onde se encontrava cada pessoa presente dentro daquela floresta.

Assim, como prometido, a equipe o mandou ficar mais afastado e acompanhado de alguns poucos guardas enquanto os demais cuidavam de exercer toda a violência necessária para solucionar o problema.

Conforme o tempo passava e o som de tiros e gritos de agonia se intensificavam, as feições de Esteban se contorciam como se toda aquela dor fosse sentida por ele próprio.

Foi então que, ao usar sua habilidade para entender melhor o cenário do conflito, os olhos dele se arregalaram.

— Essa não… — sussurrou para aqueles que o acompanhavam. — A gente tem que sair daqui.

— O que aconteceu, garoto?

— A vantagem dessa luta… — lamentou pela desgraça na qual havia se metido — não é nossa.

O chão tremeu sob seus e, antes que o pequeno grupo pudesse fazer algo, o solo tomou a forma de mãos gigantes e os agarrou com força.

Como os outros não possuíam uma Habilidade Inata, suas resistências físicas eram menores do que a de Esteban. Os corpos deles foram esmagados em instantes. Pedaços de carne e ossos voaram para todos os lados, manchados de sangue.

— Ora, ora! Olha só o que temos por aqui! — Acompanhado por um bater de palmas, que parecia contar os segundos de vida do infeliz garoto sobrevivente, um homem alto e de bafo fétido saiu do meio das árvores. — Trouxeram um pirralho com Habilidade Inata?!


Continua no Capítulo 118: Vislumbre da Glória

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