Volume 2 – Arco 5
Capítulo 116: Meu Nether
Na sala de duos da Academia de Batalha Ziz, os Top Rankings observavam a liberação do real poder de Alícia com atenção.
A Manipulação de Nether, a essência mais pura do poder da morte, causava calafrios na espinha só de olhar para aquelas lâminas de energia roxa ansiosas por devorar o lamento da efêmera vida.
— Eu quero ficar é longe desse negócio. — Eirin passou uma mão sobre os pelos eriçados de seu braço. — Que bizarro. Credo!
Não importava o quanto resistente ou duro fosse o corpo de uma pessoa, perante as Lâminas de Nether, matéria orgânica não era diferente de uma simples folha de papel.
— Com isso, ela pode virar o rumo da luta. — Diferente dos demais, Petra esboçava um largo sorriso que misturava felicidade com alívio.
— Você parece estar torcendo por ela — ressaltou Trevor, enquanto dividia uma poltrona com sua parceira. Tirou os olhos da tela de transmissão por um momento e os direcionou para Petra. — Eu não sabia que vocês tinham se aproximado.
— Er, bem… — Hesitou por um momento. Seus olhos desviaram-se para a direção de Raizel, o qual se mostrava como o mais silencioso da sala. — Aconteceram algumas… coisas.
No entanto, mesmo após ouvir aquelas palavras — se é que as ouviu — Raizel não esboçou o menor sinal de reação.
Ele continuava com os olhos bem abertos enquanto assistia a luta, coisa que não chegou a fazer nem mesmo durante a luta de Klaus e Eirin, seus próprios amigos.
"É meu…"
Raizel continha a vontade de levar uma mão até o rosto, até os olhos vermelhos que, apenas por ver o poder daquela tenjin em ação, clamavam em desespero pelo retorno da sua coloração natural: o roxo.
"É o meu Nether!"
No momento em que conheceu aquela garota, Raizel tinha notado que ela transmitia uma emanação de energia estranhamente familiar.
Agora, não restava mais dúvidas: a energia de Alícia Necron era praticamente idêntica àquela que ele sempre se recusou a usar, o poder que herdou daquele que foi o primeiro a abandoná-lo ao desespero do ódio e da solidão.
"Rai…"
Ao perceber como seu parceiro se encontrava, Petra pensou em segurar a mão dele; no entanto, dado o acontecimento da noite anterior e o quanto Raizel parecia perturbado, a mão dela acabou por voltar para si antes de tocar a dele.
A roda da fortuna havia girado, e Milene — que antes se encontrava no alto da glória — agora, se via no vale da miséria.
— Vai com essa energia maldita pro inferno, desgraça! — esbravejava enquanto fazia o possível para defender um corte certeiro da espada de Alícia.
Embora fosse feita de energia pura, aquela arma parecia sólida como aço; só que, dessa vez, ela não poderia ser afetada pela Manipulação de Metais.
"Essa garota!" Ao sofrer um corte em sua perna esquerda, de uma das outras armas de Alícia que flutuavam no ar, Milene mordeu o lábio inferior para segurar a dor. "Essa maldita garota!"
Rebateu a arma principal da oponente e se afastou, sendo perseguida por uma dúzia de Espadas de Nether.
Ao pisar no chão pela primeira vez, a dor foi terrível. Não bastava ser um ferimento causado por energia divina, aquele corte de Nether drenava a vitalidade do alvo, dificultando ainda mais o processo de cura.
— Por quê?! — Prestes a ser empalada por todas as armas, Milene fez diversas estacas de metal negro eclodirem do chão, barrando as espadas de Alícia e transformando o chão numa espécie de cama de pregos. — Por que?!
Deixou sua espada cair e levou as mãos até a cabeça. Ofegante, Milene sentia o coração bater até à boca. Ser ferida por Nether era realmente assustador.
Sentia-se impotente. Abriu sua boca, mas o clamor não saiu. Seu irmão não poderia ajudá-la.
Igual naquele dia, ela se encontrava sozinha, sem ter quem ouvisse seu pedido de socorro, vulnerável nas mãos do desespero.
"Luke…" Olhou para cima, para onde Alícia havia se refugiado das estacas que cobriam todo o chão. Talvez fosse apenas sua mente em delírio, mas Milene pôde ver o par de mãos que vinham para assombrá-la mais uma vez. "Me ajuda".
Foi quando entendeu que não eram mãos, mas sim um enorme disparo de energia que, refletido na íris de seus olhos, seu perdeu no escuro das suas pupilas dilatadas.
O estrondo da explosão acompanhou os tremores torturantes da terra, limpando as estacas de metal negro de Milene da arena de combate.
Até mesmo Esteban se viu obrigado a ter que se defender do forte impacto que veio de suas costas. Luke, por sua vez, teve o corpo pressionado contra a barreira de proteção, beirando a inconsciência.
"O que aconteceu?", refletiu Alícia. "Ela nem tentou se defender? Por quê?"
Só quando viu que a poeira começava a baixar, a jovem tenjin desceu devagar até o corpo caído da garota. Por sorte, ao longe, o seu próprio parceiro parecia estar bem.
— Eu posso me despedir em paz? — Naquele instante, Alícia viu os dedos de Milene se moverem. — Ainda consciente?
A moça ergueu sua guarda de imediato. Um ataque surpresa poderia surgir a qualquer momento? Mesmo após ter acertado aquele golpe em cheio?
— Luke… — sussurrou em meio à sua visão borrada; com corpo e mente doloridos, ela só queria ir até ele. — Irmão…
— Eu deixei que te fizessem mal de novo. — Luke cuspiu um pouco de sangue gosmento no chão e, com um olhar caído, encarou o arco que se encontrava afastado dele. — Perdoe esse seu irmão imprestável por falhar com você mais uma vez, Milene.
"O que deu nesse cara?" Esteban segurou sua lança, apreensivo. O adversário dele estava só o pó, ainda assim uma sensação ruim pairava pelos ares. "Por que ele parece tão sentimental do nada?"
Foi quando, que mesmo cansado e com ferimentos por todo o corpo, Luke se levantou tropeçando nos próprios pés. Naquele estado, qualquer brisa poderia derrubá-lo com facilidade.
— Eu sou o irmão… mais velho — disse enquanto uma densa fumaça escura começava a vazar dos poros de sua pele misturando-se ao vermelho do seu próprio sangue. — Sacrifício… Sangrento!
Uma intensa explosão de energia estourou do corpo de Luke, forçando Esteban a proteger os olhos enquanto era arremessado para longe.
Até mesmo as garotas não conseguiram escapar dos efeitos da devastação. Alícia fez o possível para fincar sua espada no chão e se manter no lugar, de joelhos; já Milene, como estava enfraquecida, foi jogada para a outra extremidade da arena.
— É sério isso?! — vociferou Esteban, que acabara de fincar sua lança no chão e tentava fazer com que sua voz fosse ouvida no meio daquele caos. — Esses majins não têm amor à própria vida?!
Ao custo de cerca de dois meses do seu tempo de vida, os ferimentos de Luke começaram a se fechar bem rápido e a quantidade de poder demoníaco aumentou em uma proporção absurda.
De qualquer forma, se fosse pelo bem da sua pequena irmã mais nova, a última parente que lhe restava, Luke não se importaria de entregar anos ou até mesmo a vida inteira.
Assim, ao fim do efeito explosivo do Sacrifício Sangrento, a primeira camada da arena de combate rachou e se esfarelou em vários pedaços brilhantes, semelhantes a cacos de vidro.
— Aí vem ele! — alertou Esteban. No entanto, quando Luke avançou, ele passou direto pelos seus adversários. — Hã?
Em um instante, o majin cruzou a distância que o separava de sua irmã e a pegou nos braços. Tão pequena, frágil e suja de sangue.
Aproximou sua boca da dela e a beijou ali mesmo. Os lábios de Milene estavam trêmulos e levemente ressecados, ainda assim ela não deixou de correspondê-lo.
— Luke… — Seu nome foi a primeira coisa pela qual ela chamou ao encará-lo, com olhos marejados, sabendo que o tempo que os dois tinham juntos havia diminuído após seu irmão usar aquele poder. — Não se vá.
Sem ter coragem para atrapalhar os dois irmãos, Esteban e Alícia ficaram praticamente imóveis.
Naquele momento, os seus inimigos não se pareciam com demônios cruéis. Eles eram como qualquer outro ser-humano; mas como poderiam admirar logo aqueles dois, ainda por cima, em uma situação como aquela?
— Todos os que te machucaram irão pagar. — Colocou a irmã no chão, com cuidado, e materializou o arco em sua mão mais uma vez. — Você é quem mais irá sofrer, usuária de Nether.
Ver os olhos em fúria de Luke fez Alícia engolir em seco e erguer sua guarda. Era fato que a diferença de poder havia crescido, entretanto…
Antes que ela conseguisse perceber, o lado do seu ombro — o mesmo do braço que segurava sua Espada de Nether — explodiu.
— Co-Como?! — Perdeu o equilíbrio ao ter o lado atingido do seu corpo jogado para trás, e a força para segurar sua arma sumiu por completo. Os dedos de sua mão agonizavam até mesmo pelo menor dos movimentos. — Mas o que foi isso?
Só ao levar a outra mão até o ombro ferido e observar o adversário, Alícia pôde perceber que o mesmo segurava o arco apontado para ela.
Então a ficha caiu.
— Ele disparou tão rápido…?
Mais do que isso: logo atrás, por onde a flecha havia passado, foi feito um buraco que se estendia desde a segunda até a quinta camada da barreira de proteção da arena.
"Isso é ruim." Às pressas, Esteban conjurou diversas plantas dos Campos Elíseos para aplacar o desejo de chacina do majin, as antigas já não seriam mais suficientes. "Muito ruim!"
— Chega dessas plantinhas.
Antes mesmo que terminassem de nascer, todas foram estouradas ao mesmo tempo pelas Flechas de Água Corrompida.
Esteban arregalou os olhos. Aqueles disparos ficaram rápidos demais. Deviam ser centenas de novas plantas, e foram destruídas todas de uma só vez.
O espanto do jovem tenjin foi estraçalhado junto do seu ombro direito. Assim como no caso de Alícia, a arma caiu da mão dele logo após.
— Tsc! — Estalou a língua ao perceber o erro de ter ficado parado, uma presa fácil para os olhos daquele caçador. — Atacando de forma covarde. Digno de um majin.
— Que diferença faz? — Sem sequer piscar, Luke manteve os olhos focados nas duas vítimas, apontando a próxima flecha para Esteban. — Você tem velocidade pra escapar, por acaso?
Esboçou um sorriso maléfico de orelha a orelha e disparou a flecha com precisão cirúrgica. Entretanto, o projétil passou apenas arranhando a bochecha de Esteban.
"Ele errou?"
Jamais.
Diferente das outras flechas, aquela estourou ao fundo e se transformou em um verdadeiro tsunami, que arrastou os corpos de Esteban e Alícia, e inundou o interior da barreira por completo.
De imediato, os dois sentiram uma dor terrível. Dado os grandes ferimentos recentes, a Água Corrompida castigou os corpos deles como ácido ardente.
A pressão dentro da barreira cresceu a ponto de fazer os ouvidos dos dois começarem a zumbir na hora. Mas isso ainda não foi o pior.
"Sofram." Luke disparou duas flechas que, como torpedos no fundo do oceano, deixaram um buraco no peito de cada um dos seus adversários.
O sangue deles se misturou ao líquido escurecido que os cercava junto ao ar que desapareceu de seus pulmões perfurados.
"Por que…?" Com o sangue vazando por seu ombro, peito e boca, Esteban viu Alícia numa situação tão ruim quanto a dele. "Por que a violência sempre compensa?"
Continua no Capítulo 117: Violência Necessária
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