Volume 2 – Arco 5
Capítulo 114: Revanche
Hesitante e com um frio percorrendo seu coração apertado, Alícia levou uma mão até seu peito esquerdo. As batidas frenéticas sob a pele indicavam o quanto se encontrava temerosa em passar pelo portão à sua frente.
Quando deu um passo adiante e tocou maçaneta metálica, ela percebeu como estava gelada, algo que não notou no dia em que acompanhou seus amigos — Nathan e Sirin — até aquele mesmo lugar.
— Alícia? — indagou Esteban, seu parceiro de duo, o qual se encontrava logo atrás dela. — Nós venceremos desta vez. Eu tenho certeza disso.
Com pesar em seus olhos, a garota não se atreveu a encará-lo; não havia contado para o seu parceiro sobre a derrota contra os irmãos Lasker no jogo de basquete.
Alheio aos acontecimentos do dia anterior, Esteban acreditava que a derrota que a preocupava era a que seus parceiros haviam sofrido na segunda luta do campeonato.
— Vamos. — Encheu os pulmões de ar e, liberando tudo devagar, abriu o portão que a levaria até o centro da arena de combate.
Já à sua espera, Luke e Milene se encontravam na outra extremidade da arena. O majin, com os braços cruzados e olhar baixo, parecia não se importar muito com o embate. Já a garota, ela sorria maleficamente para Alícia.
— Olha só, né que cê veio mesmo? — indagou, ao passo que colocava as mãos para trás das costas e se inclinava para a frente, o que fez Alícia engolir a provocação em seco. — Ainda bem que não fugiu.
— O que ela quer dizer, Alícia? — Esteban se mostrou confuso em relação à intriga entre as garotas.
Mesmo que tenjins e majins nunca tenham se dado muito bem, aquilo estava parecendo ser algo pessoal demais. No entanto, a resposta que recebeu de sua parceira foi mais vaga do que ele esperava.
— Algumas mágoas passadas. — Fitando Milene nos olhos, esforçando-se o suficiente para não desviar o olhar, Alícia materializou sua espada e entrou em posição de batalha. — Apenas isso.
— A luz contra as trevas! O bem contra o mal! — Em cima de um palco ornamentado em seus menores detalhes, o narrador do evento anunciava o início da terceira rodada do Campeonato Sojourner. — Leviatã contra Behemoth!
Sua voz potente e firme, digna de um mestre locutor, levou a plateia ao delírio quando ouviu o nomes de duas das grandiosas Bestas Sagradas, as quais nutriam uma forte rivalidade entre si.
— Deste duelo de titãs, quem sairá vencedor? Leviatã, o Imperador dos Mares?! — Parte do público presente, e do que acompanhava a transmissão em casa, alçou sua voz com força; a maioria deles, majins. — Ou será Behemoth, o Soberano das Terras?!
Foi a vez dos tenjins enlouquecerem. Ninguém queria ver os seus representantes perdendo. Apenas o glamour da vitória lhes interessava.
— Que pessoas mais energéticas — comentou Andrew para Valentina, que estava ao seu lado. — Tem certeza de que não quer assistir a transmissão nas salas dos Top Rankings?
A moça negou em silêncio. Era fato que os comentários de Petra e de seus amigos eram muito bons e que as salas dos Top Rankings eram mais confortáveis, mas ela ainda não conseguia encarar sua amiga nos olhos direito.
— Aqui tá bom — falou baixinho.
Andrew a observou, calado. Sentia-se impotente. Ele sabia que nunca seria capaz de vencer a impiedade do tempo e que Valentina seria separada de sua amiga por causa disso.
"A morte vem para todos…" No caso, para ele e Valentina; para Petra não.
No entanto, seus pensamentos foram quebrados pelo brado eufórico do narrador, que só faltava colocar suas cordas vocais para fora, de tanto que gritava.
— E que o embateee… cooomeceeee!
O som afiado do ar sendo cortado se intercalava ao tilintar metálico da colisão das espadas de Milene e Alícia. Faíscas vibrantes subiam e se espalhavam pela arena todas as vezes em que uma arma tentava prevalecer sobre a outra.
E foi em um desses embates que, sem aviso prévio, Alícia sentiu o movimento de sua espada travar. Mesmo que tentasse puxar, era como se a lâmina tivesse sido cravada no próprio ar.
"Droga…!" Ao ver que sua oponente não hesitaria nem por um instante, ela abandonou sua arma e deu um passo rápido para trás, sentindo apenas o vento do corte de Milene roçar-lhe a face.
Enquanto materializava sua arma novamente, Alícia percebeu que a adversária — ao girar o corpo e deixar o fio da lâmina oculto aos seus sonhos por um instante — havia energizado a própria espada.
Tão veloz quanto um feixe de luz, o corte de energia veio horizontal ao rosto dela que, encurralada, jogou-se na direção oposta ao ataque e se abaixou a tempo de contemplar algumas pontas do seu cabelo roxo darem-lhe adeus.
O feixe de energia havia se prolongado até a primeira camada de proteção da arena, deixando uma longa linha fumegante, a qual registrava seu trajeto.
— Ahhh… — Desapontada, Milene avançou com cara de tédio contra a adversária, que ainda corrigia sua postura e foi pega de surpresa naquele movimento. — Assim nem tem graça.
Distância reduzida, desferiu um corte de baixo para cima que, por mais que Alícia tentasse defender com a espada, rasgou-lhe o abdômen, jogando gotas de sangue para o alto.
— Urgh! — Mais uma vez, a sua espada travou no ar; porém, pior do que ter sido traída duas vezes pela sua própria arma foi a dor lancinante que acompanhou a ardência em sua barriga. "Poder demoníaco…"
Alícia se viu obrigada a abdicar da arma travada de novo e buscar distância enquanto era perseguida por Milene.
Desviar estava cada vez mais difícil. Ser ferido por uma arma feita a partir de poder demoníaco era mais do que péssimo para ela.
"Foi só um corte", pensava enquanto fazia o possível para desviar das inúmeras tentativas de assassinato desferidas por Milene, as quais se tornavam cada vez mais rápidas. "Essa não!"
Alícia esbugalhou os olhos ao notar que seria incapaz de escapar do bote da espada inimiga.
Colocou um pé para trás e deslizou-o, junto de seu corpo, para o lado, mas não antes da ponta da lâmina perfurar a carne de seu ombro e arranhar-lhe os ossos.
Alícia deu um salto para bem longe e caiu de joelhos. Seu ombro latejava. Tanto seu corpo quanto mente sofriam pelos efeitos da dor infernal.
— Você quer me entregar a vitória, por acaso? — Milene permaneceu parada onde se encontrava. — Cadê aquele poder que você tinha?
Com a mão em seu ombro, a tenjin sentiu o sangue quente envolver-lhe os dedos, o mesmo sangue que manchava a espada da sua adversária.
"Esse sangue. Essa energia. Esse… poder." Engoliu as mágoas em seco. Em poucos dias, foi como se ela tivesse se tornado indigna de carregar tudo o que existia em seu próprio ser. — Por que…?
Um pouco distante das garotas, Esteban lutava para conseguir se aproximar de Luke. No entanto, o desgraçado do majin não lhe dava um segundo sequer para respirar, quem dirá, então, dar um passo para frente?
Como uma metralhadora com munição infinita, o arco de Luke disparava uma chuva de flechas praticamente incessante.
Sempre mirando, de forma impecável nos pontos vitais de Esteban, forçava o lanceiro a realizar acrobacias bizarras para rebater inúmeras flechas de água escura.
"Que podre!" Todas as vezes em que rebatia uma flecha, o líquido escuro se espalhava pelo ar e manchava o seu uniforme, fazendo um insuportável odor azedo tomar conta de todo o lugar.
Ao olhar do público, o difícil estava em decidir entre qual dos dois era o mais impressionante: o arqueiro-metralhadora ou o lanceiro, por conseguir resistir à pressão da chuva de flechas por tanto tempo.
— Mas que porre! — praguejou Luke enquanto a corda do seu arco estalava a cada flecha disparada, provocando uma sequência de sons que mais parecia um único som que se propagava continuamente. — Lida com isso então!
Parou de focar em tantos pontos vitais, o que gerou uma estranheza na mente de Esteban. Contudo, o que o lanceiro demorou a perceber foi que, ao continuar focando em defletir os projéteis, acabou por fazer seu corpo assumir uma postura desengonçada.
— Esse cara… — Como um animal perseguindo uma isca amarrada na ponta de uma vara, ele teve seus passos guiados para onde o seu adversário queria. — Argh!
A primeira flecha perfurou sua canela esquerda até que a ponta saísse ensanguentada do outro lado. Logo veio a segunda, a terceira, a quarta…
No desespero, Esteban fez a lança girar em alta velocidade na sua frente, formando um disco protetor que segurou os projéteis seguintes.
Desabou de joelhos e colocou uma mão sobre o joelho da perna ferida. Suor frio escorria pela lateral de sua testa. Ele já havia sofrido diversos tipos de danos antes, mas nada se comparava àquilo.
— Maldita Energia Demoníaca.
Arrancou uma das flechas de sua perna e, com feições amargas, encarou o adversário, o qual sorria com desprezo enquanto continuava a impor pressão.
— Que foi, abençoado? Tá dodói?!
— Esses demônios… — Cuspiu para o lado enquanto falava. — São sempre iguais.
— Os apóstolos da maldade. Passamos por cima do que é certo e vivemos de acordo com a nossa própria vontade — proferiu com desgosto as palavras que, um dia, ouviu sair da boca podre do seu velho pai. — É isso o que nós, majins, somos.
Era isso o que, naquele momento, sorria e pisava no orgulho do povo agraciado pelas bênçãos dos santos anjos.
Continua no Capítulo 115: Campos Elíseos
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