O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 106: Declaração de Guerra

De longos cabelos escuros, que esvoaçavam ao vento acalorado do parque da Academia de Batalha Leviatã, a majestosa figura feminina o observava de cima. 

Trevor se mantinha em silêncio enquanto encarava a moça: a pessoa que ele teria que enfrentar no dia seguinte — uma das integrantes do duo Top 2 Rank S da Academia de Batalha Absalon, Vínia Carinae.

Apesar do seu visual aparentemente humano, sem o menor traço de características bestiais, Trevor tinha pleno conhecimento de que aquela garota era uma semi-humana.

Saber o motivo por trás da característica peculiar da raça daquela garota explicava a leve sensação de desconforto que ele sentia pelo simples e único fato de estar perto dela.

Aquela semi-humana não era brincadeira.

— Por favor, vai devagar, Vínia — disse a segunda garota, a que a acompanhava. Diferente da semi-humana, ela transmitia uma aura bem mais insegura e medrosa, como se realmente quisesse fugir dali e se esconder em um buraco. — E se parecer que a gente tá ameaçando eles?

Ha! Fala aí, Designer Polivalente! — disse Vínia, ignorando o comentário da companheira, enquanto passava um braço por cima do ombro dela. — Vai fazer o nosso quadro ou não?

Diante da atitude provocativa da semi-humana, a parceira dela — Grete Tanith — ficou completamente vermelha de nervoso.

Olhava para Trevor, olhava Vínia.

Olhava para Vínia, olhava Trevor.

"E se eles quiserem lutar contra a gente aqui?" Olhou, apreensiva, para a loira sentada na frente do nefilim. Sophie estava quieta e calada, mas até quando? "Q-Que a gente faz, Vínia?!"

Contudo, para a calma e paz de espírito de Grete, o rapaz pareceu não se sentir ofendido com as palavras da parceira dela.

Por outro lado, com um sorriso simpático no rosto, Trevor estendeu uma mão em direção ao banquinho em que Sophie estava sentada.

— Será um prazer fazer o retrato das minhas rivais.

Ah, sim! — Ao perceber que estava ocupando o banco de pintura, Sophie se levantou e, segurando a sua bebida, caminhou até às costas de Trevor. — Perdão.

— Tudo bem, gracinha. — Esbanjando confiança, Vínia deu uma piscadinha para a parceira do seu adversário enquanto a via levar a latinha, devagar, até os lábios.

Então, só ao se sentar para que Trevor começasse a pintura, a jovem semi-humana se deu conta de algo: não havia espaço suficiente para que sua parceira também se sentasse.

— Tudo bem — disse Grete, mexendo sem jeito em uma mecha do próprio cabelo. — Eu posso ir depois.

A questão era se o evento de pintura duraria por tempo suficiente. Dado o horário, alguns pintores já começavam a recolher os materiais e se ausentar da área do parque.

Er, não precisa fazer um quadro meu. — Juntou as mãos na altura da cintura e falou sem encarar o nefilim nos olhos: — Eu não quero incomodar.

— Nós podemos ficar até um pouco mais tarde. — No fim, o parque era de domínio público. Ninguém iria expulsá-los de lá ou coisa parecida. — Pintar nunca é um incômodo para mim. — Então completou com um sorriso simpático: — Não é um incômodo.

Grete, mesmo com pouco tempo de conversa, podia sentir como aquele rapaz era gentil e amigável.

Como uma humana, ela nunca viu algo de muito especial em si mesma, que a equiparasse a seres como majins, tenjins, semi-humanos e nefilins.

Ela sempre se sentia nervosa quando conhecia pessoas novas, principalmente quando se tratava de um Top Ranking; mas, por alguma razão, não era desconfortável estar perto de Trevor.

— E quem disse que nós vamos ter quadros separados? — Dando uns tapinhas em seu colo, Vínia evidenciava as suas intenções, o que voltou a deixar a outra nervosa. — Anda, vem logo.

— Mas… Mas… — Grete olhou para todos os lados com vergonha.

Embora ninguém estivesse prestando atenção nas duas, para a moça, era como se o mundo inteiro estivesse de olho nela, pronto para registrar seus momentos embaraçosos — atento a cada mínima falha dela.

— Não acho que eu consiga fazer isso — falou bem baixinho.

Contudo, em posse de um olhar inquisidor, Vínia deu mais alguns tapinhas em suas coxas, convidando-a para se sentar ali.

— Vamos, Grete. — O tempo estava passando, e era justo ela que estava atrasando o processo de criação do quadro. — Prometo que eu não vou te morder, tá?

Respirando fundo, e embora sentisse as pernas bambas, Grete caminhou passo após passo até que se sentasse no colo da parceira.

Mesmo que fosse constrangedor, não era ruim estar ali. De certo modo, aquilo era até agradável — desde que ela continuasse com os olhos fechados e com o rosto para baixo.

Foi quando um toque frio em sua coxa a fez arregalar os olhos e encarar a parceira, a qual envolveu sua cintura com os braços.

— Eu só disse que não ia morder. — Com expressões sádicas, típicas daquela garota, Vínia sorriu.

Grete só conseguia pensar em como sua parceira se divertia ao fazê-la ficar vermelha igual a um tomate; era como se esse fosse o passatempo favorito dela.

— Ei, relaxa. — Com uma mudança repentina de atitude, Vínia assumiu uma postura de acolhimento genuína. — Ignore os outros — falou enquanto a fitava com ternura. — Olhe só pra mim, tá?

Foi surpreendente o efeito que aquelas palavras tiveram. Em um momento, a respiração e os batimentos cardíacos de Grete estavam a mil; em outro, eles haviam se apaziguado com o mais calmo dos oceanos.

Trevor e Sophie observaram a cena com olhos bem atentos. Tudo o que eles conseguiam imaginar era como a relação daquelas duas garotas era peculiar.

Além disso, houve um detalhe que apenas Trevor notou. Foi por um instante mínimo e quase imperceptível, mas ele jurava ter visto um brilho suave nas íris de Grete.

"Eu tô vendo coisas ou…?" Balançou sua cabeça e lançou aqueles pensamentos para longe. "De qualquer forma, vamos começar".

O que ele não esperava era que, ao colocar os seis pincéis entre os dedos de suas mãos, eles tremeriam igual a uma samambaia verde.

— Isso é…? — Logo direcionou sua visão para a semi-humana que não parecia uma semi-humana. — Você poderia esperar até amanhã.

— Que foi? — Provocou Vínia. — Não vai me dizer que isso já é demais pra você, né?

Respirando fundo, o nefilim fechou as mãos com força, fazendo seus dedos se estabilizarem na base do tranco. Então começou a pintar como se nada tivesse acontecido.

Enquanto isso, Vínia sorria de empolgação. Aquele cara daria um ótimo adversário. Ela não via a hora do próximo dia chegar.

No entanto, quem pareceu não ficar muito feliz com a atitude dela, foi Sophie. De pé, atrás das costas de Trevor, pela primeira vez, as feições da moça pareciam mais fechadas.

— Ei, essas feições emburradas não combinam com você, gracinha — disse, pegando Sophie de surpresa, que arregalou os olhos na hora. — Além disso, a gente nem vai brigar amanhã, sabe?

— O que quer dizer? — Com seu parceiro ocupado enquanto fazia a pintura, parecia que ela havia se tornado o alvo principal das provocações de Vínia.

— É simples, gracinha. — Sophie já começava a se sentir um pouco incomodada por ser chamada daquela forma repetidas vezes, mas a outra apenas a ignorou e focou na garota sentada em seu colo. — A minha parceira aqui vai dar conta de você.

Em um movimento abrupto, e de puro desespero, Grete tremeu ao se virar com cara de quem acabou de ver um fantasma. Se bem que sentir medo perto de sua parceira era algo natural para as outras pessoas.

"Vo-Você vai arrumar confusão pra mim mesmo?!" Porém, tudo o que recebeu como resposta foi o mais perfeito silêncio.

— Se vocês puderem se mexer menos, ajudaria no meu trabalho — disse Trevor, que se encontrava totalmente compenetrado em sua função. — Já tá quase acabando.

— Já?! — Grete quase saltou do colo da outra, mas diante da repreensão do garoto, fez o possível para se manter o mais imóvel possível. — Como você é tão rápido?

Trevor soltou um sorriso torto diante de tal pergunta. Aquilo não era nada que alguns bons e longos anos de prática não pudessem resolver.

Ele não pintava usando seis pincéis à toa. Depois de um tempo, pintar com um único pincel já não era mais tão estimulante. Quem sabe também tentasse usar os pés algum dia?

— De qualquer forma, creio que a declaração de guerra de vocês seja algo mais importante — ressaltou o rapaz. — Além disso, parece que você está confiante em me derrotar, Vínia.

Haha! — Apontou um dedo intimidador para Trevor, que começava a repousar os pincéis sobre a mesinha ao lado. — Pode crer que eu vou!

— Sinto muito, mas… — disse, ao passo que se levantava e ficava ao lado de Sophie, como o companheiro que era — nós não vamos facilitar pra vocês.

Trevor estava consciente de que, caso Grete e Vínia levassem aquela vitória, a Academia de Batalha Absalon estaria a um passo de sair invicta do Campeonato.

Mas, do lado dele e Sophie, a situação era o completo oposto. Klaus e Eirin haviam perdido no dia anterior; perder não era uma opção para eles.

— Que vença o melhor de nós. — Com expressões solenes, ao mesmo tempo que também eram desafiadoras, Trevor entregou o quadro pronto para as suas adversárias.

— Lembre-se bem da imagem que pintou hoje — disse Vínia no momento em que guardava a pintura dentro do seu anel de ressonância. — Essas são as pessoas que vão afundar as esperanças da Academia de Batalha Ziz amanhã.

Declaração de guerra feita, Vínia se pôs a caminhar, imponente, para fora da área do parque, deixando os demais para trás.

Por outro lado, Grete fez o que parecia ser uma espécie de pedido de desculpas com as mãos enquanto se esforçava para acompanhar as passadas aceleradas e firmes da parceira.

— Parece que o peso sobre as nossas costas acabou de aumentar, milady. — Focado em observar a saída das rivais, Trevor demorou um pouco para perceber que Sophie deu uma tremidinha e se virou para o lado. — Sophie?

Er… — Tentando disfarçar, ela usou uma das mentiras mais comuns do dia a dia. — Tá tudo bem.

“Milady”, ela sabia muito bem que aquela palavra era um sinônimo de “mademoiselle” e “senhorita", expressões que os outros dois nefilins costumavam usar.

A questão era que as únicas pessoas que Raizel e Klaus chamavam daquela forma… eram as suas namoradas.


Continua no Capítulo 107: Reencontro dos Sonhos

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