O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 105: Dia de Pintura

Bocejando, Trevor viu seu reflexo no espelho do banheiro, pronto para começar a escovar os dentes. O sono e o cansaço ainda eram evidentes em suas feições vacilantes e cabelos desgrenhados.

Ter treinado até tarde para a luta que ocorreria no dia seguinte acabou custando mais do que ele esperava: dormiu tarde, acordou tarde.

Trevor soube que, naquele dia, estaria ocorrendo um evento de pintura a céu aberto. A notícia o deixou bem empolgado na hora; mas, agora, ele já havia perdido muitas horas.

"Espero que ainda dê tempo de pintar um quadro ou outro", pensou enquanto terminava de escovar os dentes e sentia o frescor agradável percorrer sua boca.

Ao deixar o banheiro para trás e se dirigir em direção à sala, seu olfato foi fisgado por um aroma forte e acalorado vindo direto da cozinha; estava tão bom que dava pra sentir mesmo daquela distância.

Como uma víbora hipnotizada por um hábil encantador de serpentes, Trevor sentiu seus pés flutuarem, enquanto era guiado pelo caminho até a cozinha.

Chegando lá, deparou-se com sua parceira preparando o café da manhã. Pelo visto, ele não tinha sido o único a dormir um pouco mais do que o habitual.

— Você acordou bem na hora do café — disse com o seu clássico sorriso receptivo. — Já tá quase tudo pronto.

Trevor não chegou a responder de imediato. Se o aroma do alimento o guiou até ali foi apenas para cair na engenhosa armadilha, que era a sua parceira.

Sophie vestia um longo avental verde que, apesar de bonito, não se comparava à beleza de seus olhos esmeraldinos.

Somado aos cabelos dourados — que caíam com ternura sobre as costas — era como se ela fosse um verdadeiro baú de tesouros.

— Você tá bem, Trevor? — Vendo-o sem palavras, a moça esboçou um pouco de preocupação. Eles poderiam ter pegado pesado demais na noite anterior?

Ah, tudo bem. Eu só… Eu só… — Mais uma vez, faltava coragem para tecer elogios sobre ela. As palavras encontravam-se em sua língua, mas simplesmente não saíam. — Eu só me peguei pensando sobre uma coisa.

— E o que seria? — indagou com um certo tom de curiosidade.

— Eu nunca tinha reparado nisso antes. — Passou uma mão rosto enquanto fechava os olhos; fazia parecer que ainda estava cansado, quando na verdade, apenas escondia a vergonha. — Você parece uma esposa preparando o meu café da manhã.

Um silêncio pleno se instaurou pelo ambiente. Nenhuma resposta foi proferida por parte da moça.

Quando Trevor voltou a abrir os olhos, viu que Sophie estava com o rosto virado para o lado, e as mãos dela tinham parado de se mover.

— Eu vou terminar aqui rapidinho, tá? — A voz dela parecia um pouco deslocada, como se estivesse medindo bem as palavras antes de falar. — Afinal, hoje é o dia do festival que você tanto estava esperando, né?

— Bem, sim. — Pensando que poderia estar atrapalhando, Trevor se despediu enquanto deixava sua parceira sozinha na cozinha. — Espero fazer um quadro seu também.

Com um sorriso bobo de adolescente, Sophie levou as mãos até às bochechas rosadas — estavam quentes de tão nervosas. Por sorte, Trevor não percebeu isso.

— "Esposa", né? — Então, pegou um pacotinho de biscoitos caseiros que estava sobre o balcão, outra coisa que ela queria esconder do parceiro, e o guardou dentro do seu anel de ressonância. — Soa tão bom, né? Hehe!

Com três pincéis, apoiados entre os dedos de cada mão, Trevor atacava uma tela em branco com a ferocidade de um tigre e velocidade de um guepardo.

A moça sentada logo à sua frente, a qual servia de modelo para pintura, já não conseguia manter as expressões faciais de neutralidade.

Dado a forma como o rapaz conduzia o processo de criação da arte, era difícil acreditar que o resultado daquilo seria algo parecido, ainda que minimamente, com uma figura humana.

— Pronto! — exclamou o rapaz, enquanto descansava os pincéis ao lado do palete de tintas. — Acabado!

"Mas já?!" Boquiaberta e incrédula, a moça só acreditou nas palavras do pintor porque contemplou a obra de arte com os próprios olhos.

Produzido em pouquíssimos minutos, um quadrado seu, retratando cada mínimo detalhe de sua aparência jovial, resplandecia uma perfeição impecável.

— É sério? Eu posso ficar com ele de graça, mesmo? — Embora soubesse que essa era uma das regras do evento de Pintura a Céu Aberto, a moça não acreditava que sairia dali carregando tal obra, e sem pagar um tostão.

— Me alegra saber que o quadro ficou do seu agrado, senhora.

— "Senhora"? — indagou de forma sutil. — Nós dois temos quase a mesma idade, sabia?

Trevor riu de nervoso. Se aquela garota soubesse quantos anos ele tinha de verdade, era bem capaz do queixo dela cair direto no chão.

Porém, o que ele não esperava era que, ao passar pela lateral do quadro, aquela moça se aproximaria dele e lhe daria um abraço acalorado.

— Considere como uma forma de agradecimento — sussurrou de forma sensual no ouvido dele, fazendo-o ficar sem jeito. — Mas eu gostaria de poder fazer um pouco mais por você, sabe?

Aham! — Repreendida pelo som seco de uma terceira pessoa, que chegou sem ela perceber, a moça soltou o rapaz e virou-se para encarar a parceira de Trevor.

Sophie os encarava enquanto segurava duas latinhas de bebida bem geladas, com feições que carregavam um teor de surpresa com uma pitada de indignação.

Ah! — A moça do quadro logo entendeu a situação. Pelo que pôde notar, as intenções que ela teve não se concretizariam. — Parece que você já tá bem acompanhado, né?

Enquanto guardava o quadro dentro da pulseira em seu pulso esquerdo, deu um sorrisinho maroto para o pintor e se despediu.

"Ah, que inveja." Lamentou-se enquanto levava um dedo indicador até os lábios carnudos. "Ele era tão bonitinho e talentoso, do jeitinho que eu gosto".

Segurou-se para não olhar para trás. Caso fizesse isso, talvez não segurasse a vontade de roubá-lo daquela garota loira.

"Se bem que talvez nem seja tão difícil assim, né?" Os dois pareciam bem próximos, mas não a ponto de haver algo muito concreto entre eles. "Será que ainda dá pra pegar ele pra mim?"

Sentindo um calafrio perturbador percorrer sua espinha, Sophie tremeu de leve. Era como se alguém realmente pudesse roubar algo dela.

Apreensiva, olhou para os lados: havia apenas mais algumas pessoas desenhando ou pintando, fosse as outras pessoas ou a paisagem do belo parque em que eles se encontravam.

Então, tentou buscar pela visão daquela moça de agora há pouco. Ela estava bem longe, mas Sophie ainda se sentia preocupada.

O que aconteceria caso ela tivesse demorado um pouco mais para voltar?

Como Trevor estava empenhado em fazer algumas pinturas antes do evento encerrar, ela pensou em buscar algo que pudesse refrescá-lo naquele calor.

Porém, nunca imaginou que, ao voltar, se depararia com seu parceiro nos braços de outra mulher. O peito dela ardia só de se lembrar da visão.

— Não tá muito gelado? — indagou Trevor ao perceber que sua parceira estava segurando aquelas latinhas já havia algum tempo.

A-Ah, sim! — Sem demora, entregou uma das bebidas para ele. Só então percebeu como as palmas das suas mãos estavam dormentes. — É verdade.

Vendo que o banquinho usado por aquela moça de antes estava vago, Sophie sentou nele e ficou de frente para o rapaz.

Dali era possível observar as expressões de Trevor ao saborear o frescor da bebida fresquinha. Mais uma vez, Sophie se viu distraída e esqueceu de abrir a própria latinha.

Ela estava para falar algo quando o rapaz, repentinamente, voltou sua atenção para ela. Envergonhada, desviou o olhar para o lado.

Vendo-a segurar a bebida com as duas mãos enquanto mantinha um rosto corado, Trevor não conseguia deixar de notar como sua parceira parecia fofa naquele momento.

— Que linda — falou sem nem ao menos se dar conta. Quando percebeu, já era tarde demais.

Hã? — Com os olhos bem abertos, a moça estava sem reação e bem surpresa com o que ouviu. Até alguns dias atrás, ela nunca imaginou que escutaria seu parceiro tecer esse tipo de elogio de forma tão natural. — Er, Trevor…

Sophie esperava entregar o pacotinho de biscoitos caseiros — que fez mais cedo — apenas quando os dois terminassem o trabalho de Trevor por ali; mas, talvez, se fosse naquele momento…

— Quero dizer. — Corrigiu-se o rapaz, meio desnorteado. Apenas falou a primeira coisa que lhe veio à mente. — Você daria uma linda pintura.

A-Ah… — De imediato, o brilho no rosto de Sophie começou a se desvanecer. — Então era isso… — sussurrou enquanto baixava o rosto e abria sua bebida.

Com um gosto amargo na boca, por ter colocado tudo abaixo por causa de sua insegurança, Trevor começou a pensar em alguma forma de corrigir aquilo.

"Fala sério!", pensava, a ponto de levar as mãos à cabeça. "Eu sou um homem ou um rato?!"

Todavia, nada pôde fazer, uma vez que — como se o próprio destino quisesse puni-lo pela sua covardia — duas garotas, que usavam o uniforme da Academia de Batalha Absalon, chegaram pelas costas dele.

— Você não se importaria de fazer um quadro nosso, né? — Olhando para trás, Trevor se surpreendeu ao reconhecer aquelas duas. Quem diria que as encontraria tão cedo? — Designer Polivalente.


Continua no Capítulo 106: Declaração de Guerra

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