O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 4

Capítulo 99: Monstrificação

— Eu… errei… — Ofegante, Eslly sentia o coração bater cada vez mais forte. Pouco a pouco, a sensação angustiante do desespero, a qual sentiu no dia da morte da sua antiga parceira, começava a tomar conta mais uma vez.

Entretanto, o pior só veio quando reparou na sua arma: o arco começava a tremer no ritmo de suas mãos.

— É sério… isso?

Mais abaixo, o corpo de Sirin começou a desaparecer. Como a consciência da jovem tenjin não resistiu aos efeitos nocivos da eletricidade, restava-lhe apenas aceitar a derrota por nocaute.

No fim das contas, o Juízo Trovejante de Tília era demais para alguém pertencente à Classe Assassino. Mesmo se tratando de uma Top Ranking, a resistência da Classe de Batalha de Sirin possuía a resistência mais baixa.

Com a vantagem numérica, a vitória estaria quase garantida para o duo da Academia de Batalha Absalon, isso se a própria Sirin não tivesse sido feliz em cumprir o seu dever.

Argh! — Inclinando-se para a frente, Tília cuspiu uma grande quantidade de sangue, o qual levantou fumaça ardente pelo simples fato de tocar o chão. "Sério, aquela garota caiu… mas caiu atirando".

— Tília! — Como se tivesse se esquecido que estavam no meio de uma luta, seu parceiro desceu até ela e a tomou em seus braços. — Vo-Você tá bem?

— Não se culpe… por isso, tá? — Com um sorriso doente e feições pálidas, tocou o rosto dele, aliviada por Eslly não ter sido atingido por aquelas adagas também. Aquele veneno machucava pra caramba. — Vou estar esperando por você… e pela nossa vitória.

Paralisado, ele viu sua companheira ser teletransportada para a enfermaria. Por pior que fosse, aquilo era inevitável. Se demorasse mais tempo, talvez nem os médicos do campeonato seriam capazes de lidar com o veneno de Sirin.

Quando a moça terminou de desaparecer, Eslly se levantou devagar e — com um olhar de pesar — encarou o adversário, o qual continuava a flutuar logo acima, então deixou seu arco cair no chão.

Hã? — Ao ouvir o som seco da arma amassar o solo, Nathan se viu confuso. Poderia o seu adversário querer se render naquele ponto da luta? Se não, por que abrir mão do próprio arco? — O que você quer com isso?

— Agradeço por não ter me atacado enquanto me despedia da Tília. — Nathan poderia muito bem ter tirado proveito da situação. Mas, no fim, ele era um bom exemplo de tenjin. — Sinto muito, eu já não consigo mais terminar essa luta como um arqueiro.

Seus dedos tremiam de nervoso. Apenas após abrir mão do arco — aquilo que representava o fracasso da Classe de Batalha com a maior precisão de disparo — Eslly pôde sentir a estabilidade de suas mãos retornar.

Contudo, uma vez desarmado, restava-lhe apenas um único recurso. Ele não gostava de usá-lo com frequência, pois não dava para segurar sua arma naquela forma.

Quando percebeu o que o adversário iria fazer, Nathan logo levantou a guarda, temeroso.

A forma máxima de um semi-humano.

— Monstrificação! — Sem demora, o corpo de Eslly começou a se contorcer e ficar cada vez maior.

As asas, que antes estavam situadas nas costas, deslocaram-se e se juntaram aos braços. As garras dos pés cresceram, tornando-se bem mais afiadas e resistentes.

E o pior de tudo — para aquele que o enfrentaria — era que o seu poder… estava aumentando.

Os traços de energia espiritual presentes em Eslly passaram a desaparecer, dando lugar à ferocidade da energia bestial.

Como primeira demonstração de sua nova forma, o antigo híbrido — agora transformado em uma verdadeira grande águia — alçou sua voz ao alto em um grito devastador que impôs uma grande pressão dentro da arena.

Argh! — praguejou Nathan, cobrindo os ouvidos com as duas mãos. Caso o reverberar daquele som agudo continuasse por muito mais tempo, logo os tímpanos dele estourariam. — Claro que ele saberia disso…

Já estava até demorando para Eslly apelar para a sua maior fraqueza, o que — por ironia — também era a sua maior arma: a audição aguçada.

Naquela situação, os ouvidos de Nathan doíam mais do que os de qualquer outra pessoa, além de que também ficava muito difícil de ler o ambiente ao redor — uma vez que qualquer outro som estava sendo coberto pelo Grito da Águia.

Foi quando um "Treck!" mudo se espalhou pela estrutura da primeira camada da barreira de proteção, e — como pedaços de pequenos cristais — ela desabou.

Só então, Eslly pareceu alcançar os limites das suas cordas vocais, e o som perturbador cessou aos poucos.

Como um sedento ao se deparar com um oásis refrescante, em meio ao calor infernal de um deserto escaldante, Nathan deu graças: ainda que sangrando, seus ouvidos resistiram à provação.

— Agora é o meu turno. — Então, criando três Flechas Sônicas entre os dedos, disparou-as com todo o afinco.

Diferente das outras, aquelas estavam imbuídas com uma frequência sonora extremamente baixa. Ao contrário do grito barulhento de Eslly, o objetivo de Nathan não era desencadear uma reação destrutiva.

Não estou disposto a cair nesse truque! — esbravejou a águia. Sua voz distorcida, devido à transformação. Então, mais rápido do que os projéteis do seu adversário, Eslly bateu suas grandes asas.

Como se fossem feitas de papel, as flechas de Nathan foram empurradas de forma desengonçada para trás, falhando miseravelmente em seu dever.

— Sério. — Com um braço na frente do rosto, o rapaz se surpreendeu ao ouvir uma verdadeira tempestade de ventos se formar dentro da arena por causa de um único bater de asas daquela forma de águia. — Esse cara é real mesmo?

Bastou concluir a fala para que um corte surgisse do nada em sua bochecha, e o sangue fosse arrancado para fora, em decorrência dos fortes ventos.

Aquilo era ruim. Era necessário parar aquela tempestade antes que as próximas Lâminas de Vento o transformassem em carne fatiada.

O único problema era que seu corpo, de repente, se recusava a obedecê-lo. Na verdade, o peso sobre Nathan deixava claro a razão daquilo.

O forte fluxo de ar, proveniente de todas as direções, estava segurando-o ali mesmo — como se fosse uma espécie de corrente invisível.

Ahh! — Sua voz, junto à tentativa de escapar, foi perdida em meio aos diversos cortes que se espalharam por braços, pernas, rosto e… venda.

Com todo o sangue que era puxado para o lado de fora do corpo, tornava-se possível observar o fluxo de ar serpenteando para todos os lados na forma de afiados fluxos carmesins.

Em meio ao desespero, Nathan criou um escudo de energia ao redor de si. Todavia, de nada adiantou. Ainda havia ar do lado de dentro. E, se havia ar, aquela área permanecia no domínio do seu oponente.

Inútil — proferiu Eslly no momento em que abriu as asas e alçou voo, dando várias e várias voltas ao redor da arena e, assim, aumentando ainda mais a pressão sobre o escudo de Nathan.

Com um veloz e preciso rasante, jogou-se com tudo contra o escudo do tenjin, o qual não ofereceu a menor resistência antes de ser perfurado pelas garras afiadas.

Logo em seguida, foi a vez do peito e dos ombros de Nathan compartilharem do mesmo destino do escudo. Atravessado, foi arrastado por um percurso de céu abaixo — o que culminou em nada além de um corpo espatifado contra o solo.

A terra tremeu, e o tenjin temeu.

Argh! — Quase se engasgou com o próprio sangue, que jorrava como se nunca fosse parar. Nada era pior do que a dor lancinante em seus pulmões.

Parecia até que aquelas garrafas eram feitas de aço quente. Só respirar já era mais do que difícil. Permanecer consciente depois daquilo só poderia ser considerado um milagre.

Com esforço, estendeu uma mão para segurar o arco que se materializou mais uma vez em sua mão. Ainda não tinha acabado. Ele ainda conseguia mover ao menos um dedo.

Meus parabéns — disse Eslly, ao passo que inflava seu peito com uma grande quantidade de ar. — Diferente de mim, você continua a confiar no seu arco até o fim.

Antes que Nathan pudesse sequer mirar, ainda cravado ali no chão, Eslly liberou todo o ar comprimido em seus pulmões com o Grito de Águia, o que mais uma vez feriu — e muito — os ouvidos do oponente.

Porém, não sendo o bastante, o pobre tenjin ainda sentiu suas costelas trincarem, ao passo que eram empurradas para baixo pelo denso peso do ar.

Cuspindo mais sangue, seus olhos vieram a se fechar. Apenas um tinido agudo ecoava em seus tímpanos enquanto a mente se perdia na escuridão da inconsciência.

Ao que Eslly cessou o Grito de Águia, o seu oponente já se encontrava imóvel, cortado, perfurado e banhado no próprio sangue.

"Esse povo é realmente bem diferente daqueles majins", pensou enquanto esperava o garoto ser teletransportado para a enfermaria. "Nem cogitou o Vislumbre da Glória".

Foi quando um quase inaudível gemido de dor acompanhou um trêmulo mover dos dedos de Nathan.

Impossível! — Porém, já era tarde demais. O rapaz havia recobrado a consciência pouco antes do teletransporte começar a acontecer.

— Eu ainda posso… mover… — sussurrou no instante em que puxou a corda do seu arco, fazendo-a vibrar — um dedo…

Em pouco tempo, Eslly deu alguns passos para trás. Uma estranha sensação de confusão surgiu em seu estômago.

A-Argh! — Ele sentia que estava a ponto de colocar qualquer traço de alimento para fora do próprio intestino, fosse em forma de vômito ou de uma muito pior. — O que… você fez?

Foi aí que o grande arqueiro da Academia de Batalha Absalon sentiu como os efeitos da baixa frequência do som podiam ser perigosos.

— Sinto muito. Isso deve ser horrível — disse, conforme se esforçava para levantar-se, ainda cambaleante, e a venda em seu rosto, já desgastada após tantos danos, caía devagar. — Mas eu precisava ganhar um pouco de tempo… pra me recompor.

Hã? — Mesmo sabendo das razões pelas quais o seu oponente usava aquela venda, Eslly quase se esqueceu da situação em que seu estômago se encontrava ao ver o rosto de Nathan. — Então era verdade.

Compartilhando da mesma reação do semi-humano, todos que assistiam a transmissão ficaram paralisados ao ver aquela face pálida e deformada.

Por debaixo da pele enrugada e funda, já não havia mais olhos que pudessem ser abertos.


Saudações, nobres primordiais!

Nesse domingo, 02 de julho, completamos o primeiro ano desde o lançamento de O Nefilim Primordial.

Assim, gostaria de deixar registrado um singelo agradecimento àqueles que acompanharam esta história desde o início, aos que começaram depois — mas desbravaram toda essa pilha de capítulos — e aos que, no futuro, hão de passar por aqui.

Vocês são o progresso.


Continua no Capítulo 100: Arqueiro sem Visão

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